Conversando sobre a quaresma que estava pra chegar, pensávamos em fazer um sacrifício por quarenta dias:
- Amor? E se fizermos de chocolate? - sugeri.
- Boa.
- Não, se bem que, eu, grávida, sem chocolate, vou morrer né? Não.. Vai que tenho algum desejo, ai, quarenta dias de chocolate, não, tudo menos isso, que idéia péssima, nem pensar, sem chance, de jeito nenhum.
- Vamos fazer sem ser de comida.
- Isso. Pode ser de comportamento. De não falar mal de ninguém.
- Boa.
- Quarenta dias sem falar mal de ninguém, ninguenzinho mesmo? Acho melhor não. Podia ser só de nós dois né?
- Quarenta dias sem reclamarmos um do outro? Boa.
- Quarenta dias sem eu reclamar de você, nenhuma reclamaçãozinha, nada, nada.
- Isso!
- Amor? - eu pergunto sem graça.
- Hã?
- Podemos fazer de chocolate mesmo?
Sunday, March 13, 2011
Saturday, March 5, 2011
A rotina que persiste
Olho para esse blog e penso como ele ficou abandonado.
O embuchada ocupa todo meu tempo. Aliás, o embuchada não, mas o bucho que cresce mesmo.
A rotina mudou, cresceu, já anda por todos os lados e quase fala. A dona da rotina é pequena e roliça, uma menina doce e birrenta.
Mas ainda há de se fazer força para manter e a doçura. Ainda há de se fazer força para manter os olhos abertos, e o coração quente.
E, se é para se esforçar, nada como nos esforçarmos juntos.
Faz a mamadeira? Olha ela aqui um pouquinho? Pega o babador? Ai, coco, corre e esquenta a água! Nossa, muito coco, correeeeeee.....Ai mais coco, traz o panooooo...
E assim segue. A rotina. Mais rotineira e cotidiana do que nunca...
O embuchada ocupa todo meu tempo. Aliás, o embuchada não, mas o bucho que cresce mesmo.
A rotina mudou, cresceu, já anda por todos os lados e quase fala. A dona da rotina é pequena e roliça, uma menina doce e birrenta.
Mas ainda há de se fazer força para manter e a doçura. Ainda há de se fazer força para manter os olhos abertos, e o coração quente.
E, se é para se esforçar, nada como nos esforçarmos juntos.
Faz a mamadeira? Olha ela aqui um pouquinho? Pega o babador? Ai, coco, corre e esquenta a água! Nossa, muito coco, correeeeeee.....Ai mais coco, traz o panooooo...
E assim segue. A rotina. Mais rotineira e cotidiana do que nunca...
Sunday, February 27, 2011
Tudo ao mesmo tempo agora.
A rotina mudou, mas segue doce.
Agora, em outro bairro. Agora, com mais trânsito, agora, com menos tempo.
Agora, com mais calor, com mais árvores, com mais sol.
É o dia que mal começa e já acaba, o tempo, que mal se vê e já se foi, a vida, que mal se vive e já vivemos.
Um dente que nasce outro que dói, uma TV que pifa, outra que liga, uma esfilha que não caiu bem, um chazinho que resolve.
É a vida. É bonita, é bonita e é bonita.
Monday, November 1, 2010
Ainda
Faz tempo que não escrevo, mas venho informar que a rotina continua.
Poucas coisas mudaram. Aprendi a comer couve refogada, compro pão integral e uso roupa colorida.
Mas o resto continua. Sofia cresce feito capim, sem parar nunca mais. Meu marido está ficando cada vez mais grisalho, mais sério e mais divertido.
Continuo fazendo a unha, mas, agora, quinzenalmente. Depilar quando dá, cinema uma vez por mês, trocar fraldas e cantar cocoricó inúmeras, incontáveis vezes.
Ainda coço as costas do Bruno antes de dormir, ainda procuro chupetas embaixo da cômoda, ainda compro cremes para linhas finas, ainda esqueço de usá-los, ainda não consigo passar fio dental todas as noites, ainda me molho inteira no banho da Sofia, ainda saímos para jantar e ainda confiro o celular inúmeras vezes. Ainda prometo que vou começar a academia, ainda finjo que entendi o que meu chefe diz em outra língua, ainda faço coisas ridículas para minha filha rir, ainda falo "eu te amo" antes de desligar com o meu marido.
Ainda. Ainda bem.
Poucas coisas mudaram. Aprendi a comer couve refogada, compro pão integral e uso roupa colorida.
Mas o resto continua. Sofia cresce feito capim, sem parar nunca mais. Meu marido está ficando cada vez mais grisalho, mais sério e mais divertido.
Continuo fazendo a unha, mas, agora, quinzenalmente. Depilar quando dá, cinema uma vez por mês, trocar fraldas e cantar cocoricó inúmeras, incontáveis vezes.
Ainda coço as costas do Bruno antes de dormir, ainda procuro chupetas embaixo da cômoda, ainda compro cremes para linhas finas, ainda esqueço de usá-los, ainda não consigo passar fio dental todas as noites, ainda me molho inteira no banho da Sofia, ainda saímos para jantar e ainda confiro o celular inúmeras vezes. Ainda prometo que vou começar a academia, ainda finjo que entendi o que meu chefe diz em outra língua, ainda faço coisas ridículas para minha filha rir, ainda falo "eu te amo" antes de desligar com o meu marido.
Ainda. Ainda bem.
Monday, September 6, 2010
O mundo acabou
Esses dias de feriados, me lembram sempre domingo vazios.
Em alguns domingos, em que a cidade ficava muito, muito vazia, eu e meu amor saíamos pra tomar café da manhã bem cedo e, vendo-me sozinha na rua com ele, sem nenhum carro, sem nenhuma pessoa, nenhum som, perguntava-lhe em voz alta:
- Amor, você acha que pode ser que o mundo tenha acabado?
Ele, acostumados aos meus devaneios costumava dar alguma trela:
- Será?
- Não tem ninguém amor, ninguém em lugar nenhum, tá vendo?
- É...
- Já pensou se acabou e sobramos só nós? Nós ficamos por alguma razão, nós somos responsáveis por popular o novo mundo... - Quando ele já não me dava mais muita bola, eu corria para o meio da rua, braços abertos, gritando:
- Olha amor, dessa vez acho que é mesmo, olha só a gente vive nesse planeta, o mundo é nosso, uhu, o mundo é todo nosso!
Ele ria, e me puxava pra perto, quando um carro sozinho, isolado, desmanchava meus sonhos e ameaçava que fosse o fim do mundo, apenas pra mim... Cruzes...
Em alguns domingos, em que a cidade ficava muito, muito vazia, eu e meu amor saíamos pra tomar café da manhã bem cedo e, vendo-me sozinha na rua com ele, sem nenhum carro, sem nenhuma pessoa, nenhum som, perguntava-lhe em voz alta:
- Amor, você acha que pode ser que o mundo tenha acabado?
Ele, acostumados aos meus devaneios costumava dar alguma trela:
- Será?
- Não tem ninguém amor, ninguém em lugar nenhum, tá vendo?
- É...
- Já pensou se acabou e sobramos só nós? Nós ficamos por alguma razão, nós somos responsáveis por popular o novo mundo... - Quando ele já não me dava mais muita bola, eu corria para o meio da rua, braços abertos, gritando:
- Olha amor, dessa vez acho que é mesmo, olha só a gente vive nesse planeta, o mundo é nosso, uhu, o mundo é todo nosso!
Ele ria, e me puxava pra perto, quando um carro sozinho, isolado, desmanchava meus sonhos e ameaçava que fosse o fim do mundo, apenas pra mim... Cruzes...
Wednesday, August 4, 2010
Tuesday, March 23, 2010
Caos
Terça-feira, 9 da manhã. Meu marido me acorda e, antes que eu entenda o que ele fala, noto que minha filhota dorme na minha cama, ao meu lado. Lembro-me brevemente que, depois de uma madrigada em claro, não resistimos e pusemos a bichinha entre nós. Ela adormeceu. Olho novamente para ele que repete: "Querida, o caseirinho tá tão quente que o saco do pão tá até suado, vem comer!".
Antes que eu responda, me dou conta: Pão branco todos os dias, a filha dormindo na nossa cama, uma madrugada em claro, todo mundo em casa no meio da manhã de uma terça-feira... Ai, está tudo errado, tudo errado, que caos que se tornou nossa vida!
Quando ele insiste que eu vá comer, sinto o cheiro do pãozinho e fico na dúvida: Durmo mais um pouco ou pego o pão quentinho? Nossa, que dúvida boa, que sortuda que eu sou.
Está tudo certo, a sorte sorriu pra mim, e - sim - é possível ser feliz no caos, penso, antes de adormecer mais uma vez....
Antes que eu responda, me dou conta: Pão branco todos os dias, a filha dormindo na nossa cama, uma madrugada em claro, todo mundo em casa no meio da manhã de uma terça-feira... Ai, está tudo errado, tudo errado, que caos que se tornou nossa vida!
Quando ele insiste que eu vá comer, sinto o cheiro do pãozinho e fico na dúvida: Durmo mais um pouco ou pego o pão quentinho? Nossa, que dúvida boa, que sortuda que eu sou.
Está tudo certo, a sorte sorriu pra mim, e - sim - é possível ser feliz no caos, penso, antes de adormecer mais uma vez....
Sunday, February 21, 2010
Falta
Meu amor está viajando.
Quem me faz compania, agora, é minha filhota, pequenina e barulhenta.
Ele, de longe, nos dá boa noite e bom dia por skype. Está presente, mas está longe.
E faz uma faaaaaalta. Daquelas.
Faz falta tudo.
Dói a minha vista, cada vez que vejo a minha escova de dente solitária no potinho. Estou quase comprando outra pra deixar lá ao alcance dos olhos, e não tornar-se assim, tão deliberadamente agressiva, a ausência que ocupa tudo.
O silêncio que só escuta a reforma do andar de cima, tem sido - a mim - ainda mais ensurdecedor.
Onde está o seu barulho? A sua tosse, o seu pigarro inconveniente, aquele seu cantarolar, desafinado e baixinho, enquanto abre a geladeira, enquanto fecha o armário, enquanto abre as correspondências do dia? Mantenho todas fechadas. Oras, se essa é tarefa sua, que esperem você voltar. Quero que as cartas sintam também, a falta que você faz. Que fiquem fechadas, lacradas, e que sintam muita dor por isso. Toda a casa sente sua falta, meu bem.
Quem me faz compania, agora, é minha filhota, pequenina e barulhenta.
Ele, de longe, nos dá boa noite e bom dia por skype. Está presente, mas está longe.
E faz uma faaaaaalta. Daquelas.
Faz falta tudo.
Dói a minha vista, cada vez que vejo a minha escova de dente solitária no potinho. Estou quase comprando outra pra deixar lá ao alcance dos olhos, e não tornar-se assim, tão deliberadamente agressiva, a ausência que ocupa tudo.
O silêncio que só escuta a reforma do andar de cima, tem sido - a mim - ainda mais ensurdecedor.
Onde está o seu barulho? A sua tosse, o seu pigarro inconveniente, aquele seu cantarolar, desafinado e baixinho, enquanto abre a geladeira, enquanto fecha o armário, enquanto abre as correspondências do dia? Mantenho todas fechadas. Oras, se essa é tarefa sua, que esperem você voltar. Quero que as cartas sintam também, a falta que você faz. Que fiquem fechadas, lacradas, e que sintam muita dor por isso. Toda a casa sente sua falta, meu bem.
Katrina
Esse blog está as moscas. Mas, para esses poucos insetos que ainda insistem em me visitar, alerto: Sim, ainda há rotina. Sim, ainda é doce a minha rotina.
O que acontece é que, no momento, fomos tomado por um pequeno furacão que poderia se chamar Katrina, mas se chama Sofia. É aqui que vivemos a maior parte do tempo.
O que acontece é que, no momento, fomos tomado por um pequeno furacão que poderia se chamar Katrina, mas se chama Sofia. É aqui que vivemos a maior parte do tempo.
Wednesday, November 11, 2009
O acesão
Ontem, teve o apagão. E a verdade é que os noticiários estão tão sem assunto que, agora, transformaram o apagão no acontecimento do século. Quem foi o responsável? Onde se deu? Foram 10 estados ou 9 estados? Quem se machucou? O apagão foi golpe? O Lula vai perder por causa do apagão? E a Madonna? O Michael Jackson? Tudo foi culpa do apagão!
Todo mundo tem uma história de onde estava no apagão. Do que estava fazendo, de que quase ficou preso no elevador, de que quase perdeu a novela, de quase ficou sem sair da garagem... Já notou de quantos “quases” se fazem a nossa vida?
Eu estava quase indo dormir. Eu e meu marido que, de repente, anunciou: “está piscando” E vimos a tv piscar, até apagar-se de vez.
Logo em seguida, já na cama, e depois de termos visto todos os prédios escuros, até onde a vista alcançava, ele falou:
- É como se alguém tivesse a luz do mundo né?
- É – respondi, sonolenta.
- É como se alguém, fosse lá, e tivesse um interruptor do mundo e dissesse: “pronto, acabou” e, pá, desligasse tudo.
- Vai ver que alguém tem –falei, já pensando no assunto.
- É, vai ver que alguém tem - ele concordou.
- Mas eu tenho você, pra iluminar tudo pra mim.
- E eu tenho você, pra iluminar tudo pra mim.
E pronto, o apagão não nos interessa em nada...
Wednesday, October 28, 2009
No almoço
Conversando com uma amigas, em um almoço qualquer, quando, de repente, passa uma jovem dessas lindas-de-morrer e minha amiga comenta:
- Pô, vai ser ferrar, olha que mulher bonita!
- É mesmo - respondo, entre uma garfada e outra.
- Eu sempre fico pensando se meu marido estaria com um tipo desses, caso nao estivesse comigo. Você pensa isso?
- Claro, toda mulher pensa!
- Sério, você acha que toda mulher pensa com que mulher o marido ficaria caso se separassem?
- Caso se separassem? Como assim, quem foi que falou em separação??
- Ué, você pensa que ele estaria com essa ou aquela mulher ao mesmo tempo que estaria com você??
- Não, claro que não...
- Então. Só se vocês se separassem.
- Não, eu penso se ele estaria com essa ou aquela, caso eu morresse.
- Ai, que mórbida!
- Mórbida, eu? Mas é você que está falando em separação
- ...
- Pô, vai ser ferrar, olha que mulher bonita!
- É mesmo - respondo, entre uma garfada e outra.
- Eu sempre fico pensando se meu marido estaria com um tipo desses, caso nao estivesse comigo. Você pensa isso?
- Claro, toda mulher pensa!
- Sério, você acha que toda mulher pensa com que mulher o marido ficaria caso se separassem?
- Caso se separassem? Como assim, quem foi que falou em separação??
- Ué, você pensa que ele estaria com essa ou aquela mulher ao mesmo tempo que estaria com você??
- Não, claro que não...
- Então. Só se vocês se separassem.
- Não, eu penso se ele estaria com essa ou aquela, caso eu morresse.
- Ai, que mórbida!
- Mórbida, eu? Mas é você que está falando em separação
- ...
Tuesday, October 27, 2009
Qual o seu ritmo?
Saiu na crônica do dia, da semana passada:
Você pode não ter notado, mas a vida é feita de ritmos. Você pode até não se ligar muito em música, não entender os gêneros e as notas — como eu não entendo — mas todos os seus problemas poderiam ser traduzidos por desencontros musicais.
Se você é calmo e tranqüilo, anda num ritmo meio bossa-nova, por que vai procurar alguém no baile funk? Uma pessoa bossa-nova há de ter problemas com uma pessoa funk.
Se você anda meio ligado no 220, tem um pique total, deve ter um perfil rock'n'roll. Então, me conta, por que vai se meter a trabalhar numa empresa pública, toda lounge? Não vai dar certo. E isso não tem nada a ver com gosto, mas com perfil.
Suas brigas em casa, com a família, certamente têm um problema musical por trás delas. Filhos adolescentes costumam ser dance, ou pop rock, ou techno. Os pais, coitados, normalmente já pra lá do Tango, meio Valsa, nunca nem ouviram NX Zero, como é que acompanham essa dança, serve dois pra lá dois pra cá? Pra dar certo há de se ter semelhança, não tem jeito. Conheço pais e filhos que se dão muito bem porque ambos são samba. Não que gostem de samba, não tem nada a ver, podem até odiar. Mas vivem assim, nessa cadência, nesse ritmo meio leve, meio alegre, meio bambinho. Podem se dar bem com um bossa-nova, até com um jazz, mas nunca com um techno.
As relações amorosas descambam porque não se ouve a música um do outro. Sabemos o que o outro gosta de comer, como gosta de se vestir e até o que gosta de ouvir. Mas nunca notamos como ele vive, se anda num ritmo Bob Marley ou num ritmo Madonna. Ainda que ele ame mesmo Roberto Carlos, note como vive. Em que cadência andam seus passos, como se movimentam seus gestos, qual a dança de suas escolhas, que passos segue o seu ritmo, afinal? Aprenda quem é o seu parceiro e aprenda quem ele poderá ser porque mudamos o tempo todo, claro.
Quando somos mais jovens, é natural que nosso ritmo seja de alguma música mais popular e, conforme envelhecemos, nos tornamos mais clássicos, talvez mais eruditos. Podemos fica meio blues, meio jazz, podemos. Mas dificilmente seremos velhinhos a la música eletrônica. E isso influi em tudo. Ou deveria.
Não vá a um restaurante sertanejo se você está rock'n'roll. Não compre uma blusa latina, cheia de salsa, se você anda se sentindo totalmente tango. A não ser que seja intencional. Você pode precisar da sua amiga pop rock caso se sinta no meio de um fado português, isso pode. Pode pedir que seu marido seja um pouco mais merengue e salsa caso esteja vivendo como um CD de gospel. Pode, claro. Mas que seja momentâneo, que seja lúcido, que seja escolhido.Não adianta brigarmos com o ritmo do outro, não adianta tentarmos tocar um violino se gostamos mesmo é do estilo brega do Wando. Não adianta. É preciso tocar-se em um ritmo parecido, achar-se em notas similares e dançar juntos passos que caminhem para o mesmo lugar. Não importa em qual palco vocês vivam, quem seja a sua platéia, é o seu ritmo que irá determinar o sucesso desse show.
Você pode não ter notado, mas a vida é feita de ritmos. Você pode até não se ligar muito em música, não entender os gêneros e as notas — como eu não entendo — mas todos os seus problemas poderiam ser traduzidos por desencontros musicais.
Se você é calmo e tranqüilo, anda num ritmo meio bossa-nova, por que vai procurar alguém no baile funk? Uma pessoa bossa-nova há de ter problemas com uma pessoa funk.
Se você anda meio ligado no 220, tem um pique total, deve ter um perfil rock'n'roll. Então, me conta, por que vai se meter a trabalhar numa empresa pública, toda lounge? Não vai dar certo. E isso não tem nada a ver com gosto, mas com perfil.
Suas brigas em casa, com a família, certamente têm um problema musical por trás delas. Filhos adolescentes costumam ser dance, ou pop rock, ou techno. Os pais, coitados, normalmente já pra lá do Tango, meio Valsa, nunca nem ouviram NX Zero, como é que acompanham essa dança, serve dois pra lá dois pra cá? Pra dar certo há de se ter semelhança, não tem jeito. Conheço pais e filhos que se dão muito bem porque ambos são samba. Não que gostem de samba, não tem nada a ver, podem até odiar. Mas vivem assim, nessa cadência, nesse ritmo meio leve, meio alegre, meio bambinho. Podem se dar bem com um bossa-nova, até com um jazz, mas nunca com um techno.
As relações amorosas descambam porque não se ouve a música um do outro. Sabemos o que o outro gosta de comer, como gosta de se vestir e até o que gosta de ouvir. Mas nunca notamos como ele vive, se anda num ritmo Bob Marley ou num ritmo Madonna. Ainda que ele ame mesmo Roberto Carlos, note como vive. Em que cadência andam seus passos, como se movimentam seus gestos, qual a dança de suas escolhas, que passos segue o seu ritmo, afinal? Aprenda quem é o seu parceiro e aprenda quem ele poderá ser porque mudamos o tempo todo, claro.
Quando somos mais jovens, é natural que nosso ritmo seja de alguma música mais popular e, conforme envelhecemos, nos tornamos mais clássicos, talvez mais eruditos. Podemos fica meio blues, meio jazz, podemos. Mas dificilmente seremos velhinhos a la música eletrônica. E isso influi em tudo. Ou deveria.
Não vá a um restaurante sertanejo se você está rock'n'roll. Não compre uma blusa latina, cheia de salsa, se você anda se sentindo totalmente tango. A não ser que seja intencional. Você pode precisar da sua amiga pop rock caso se sinta no meio de um fado português, isso pode. Pode pedir que seu marido seja um pouco mais merengue e salsa caso esteja vivendo como um CD de gospel. Pode, claro. Mas que seja momentâneo, que seja lúcido, que seja escolhido.Não adianta brigarmos com o ritmo do outro, não adianta tentarmos tocar um violino se gostamos mesmo é do estilo brega do Wando. Não adianta. É preciso tocar-se em um ritmo parecido, achar-se em notas similares e dançar juntos passos que caminhem para o mesmo lugar. Não importa em qual palco vocês vivam, quem seja a sua platéia, é o seu ritmo que irá determinar o sucesso desse show.
Monday, October 12, 2009
MALENTENDIDO
Diretamente da Crônica do dia
O ambiente é que não era propício para a conversa. Eu culpo o ambiente.
Estávamos na aula de hidroginástica. Música de fundo, na água, e um professor que gritava:
— Vamos lá, pessoal! Subindo esse joelho, abrindo os braços, força!
Não era para termos começado um diálogo, mas quem começou foi ela, então isso também está a meu favor.
— Nossa, estou superdolorida da depilação.
Ops, aí toda a confusão se deu. Eu ouvi a senhora de touca cinza dizer isso. Que estava dolorida da depilação. Achei um bocado estranho o comentário, e precisei de uma aula inteira para notar que ela tinha dito outra coisa. A frase correta era: “Nossa, estou toda dolorida da musculação”. Pois bem. Com a água, a música e os berros do professor, eu entendi depilação e prossegui a conversa assim:
— Puxa, é mesmo, que chato, né?
— Ai menina, fiz ontem, e tá doendo horrores.
Nossa, ela fez depilação ontem e ainda tá doendo. Deve ter ido em um fundo de quintal, cruzes. Perguntei:
— Você fez onde?
— Aqui mesmo — ela informou, me apontando a sala de musculação da academia.
Fiquei surpresa. Na academia agora faziam depilação, e deviam usar uma cera vagabunda ainda por cima. Aão os tempos da Kaliuga, viu?
— Aqui? Aqui faz?
— Você não sabia? Faz e é ótimo!
Ai tadinha, o conceito de depilação ótimo dela tava bem ruim.
— Sei...
— Você devia fazer uma vez. Ia gostar.
Qual era agora? Ela tava me achando peluda? Olhei de soslaio pra minha axila. Mas eu fiz definitiva, como a mulher tá me sugerindo que preciso depilar?
— Vamos lá pessoal empurra a água com força, chuta, chuta, chuta.
— Você faz sempre? — perguntei já com raiva.
— Três vezes por semana.
— Três vezes? — tomei um susto! Como alguém faz depilação três vezes por semana, Jesus? Ai, ela deve ter alguma disfunção hormonal, coitada. Eu já fui até me afastando daquela senhora, achando que os pêlos iam crescer ali mesmo, na piscina. Por isso ela tava sugerindo pra eu fazer, claro.
— Ah, mas precisa. Principalmente por causa do braço — ela apontou para o próprio braço, naquele pedaço meio muchibento, e eu já imaginei a axila a la Tony Ramos que ela devia ter, não quis nem olhar direito.
— Braço, perna e virilha, né? — respondi, erguendo o joelho na água.
— Vamos lá pessoal, força no joelho, correndo na água, força, não perde o ritma, tá acabando!
— Virilha?! — dessa vez foi ela que se assustou. Ai, meus sais! A bicha depila 3 vezes por semana e agora vem me dizer que nunca fez uma virilha cavada?
— É, virilha. Nunca fez, não?
— Não — ela disse, meio sem graça. — É bom, é?
— Nossa, é ótimo. Devia experimentar — ela se empolgou com a minha resposta e chegou mais perto, perguntando em tom de segredo:
— Mas faz alguma diferença, assim, na hora H?
— Ah, claaaaro —– eu me fiz de entendida. — Faz sim! Fica bem melhor, vai por mim!
A senhora ficou com as bochechas rosadas, mas sorridente. Opa, dei um upgrade no casamento, pensei, me achando um pouco.
A aula está acabando:
— Vamos lá, pessoal, esticando bem o braço, espreguiça e soooolta. Muito bom, obrigada, até quinta.
Palmas na piscina...
Eu já ia saindo da água, quando ela falou:
— Vou falar hoje mesmo com o meu professor.
— Como? — perguntei, sem entender qual era o tema agora.
Ela, com um sorrisinho alegre, me explicou:
— Vou falar hoje mesmo com o professor, aqui da academia, sobre essa tal musculação na virilha. Não vou perder essa não.
A senhorinha ainda me deu uma piscadela, se embrulhando na toalha e saindo, toda serelepe em busca da grande novidade que eu lhe informara, tão inocentemente.
A culpa era do barulho, claro...
O ambiente é que não era propício para a conversa. Eu culpo o ambiente.
Estávamos na aula de hidroginástica. Música de fundo, na água, e um professor que gritava:
— Vamos lá, pessoal! Subindo esse joelho, abrindo os braços, força!
Não era para termos começado um diálogo, mas quem começou foi ela, então isso também está a meu favor.
— Nossa, estou superdolorida da depilação.
Ops, aí toda a confusão se deu. Eu ouvi a senhora de touca cinza dizer isso. Que estava dolorida da depilação. Achei um bocado estranho o comentário, e precisei de uma aula inteira para notar que ela tinha dito outra coisa. A frase correta era: “Nossa, estou toda dolorida da musculação”. Pois bem. Com a água, a música e os berros do professor, eu entendi depilação e prossegui a conversa assim:
— Puxa, é mesmo, que chato, né?
— Ai menina, fiz ontem, e tá doendo horrores.
Nossa, ela fez depilação ontem e ainda tá doendo. Deve ter ido em um fundo de quintal, cruzes. Perguntei:
— Você fez onde?
— Aqui mesmo — ela informou, me apontando a sala de musculação da academia.
Fiquei surpresa. Na academia agora faziam depilação, e deviam usar uma cera vagabunda ainda por cima. Aão os tempos da Kaliuga, viu?
— Aqui? Aqui faz?
— Você não sabia? Faz e é ótimo!
Ai tadinha, o conceito de depilação ótimo dela tava bem ruim.
— Sei...
— Você devia fazer uma vez. Ia gostar.
Qual era agora? Ela tava me achando peluda? Olhei de soslaio pra minha axila. Mas eu fiz definitiva, como a mulher tá me sugerindo que preciso depilar?
— Vamos lá pessoal empurra a água com força, chuta, chuta, chuta.
— Você faz sempre? — perguntei já com raiva.
— Três vezes por semana.
— Três vezes? — tomei um susto! Como alguém faz depilação três vezes por semana, Jesus? Ai, ela deve ter alguma disfunção hormonal, coitada. Eu já fui até me afastando daquela senhora, achando que os pêlos iam crescer ali mesmo, na piscina. Por isso ela tava sugerindo pra eu fazer, claro.
— Ah, mas precisa. Principalmente por causa do braço — ela apontou para o próprio braço, naquele pedaço meio muchibento, e eu já imaginei a axila a la Tony Ramos que ela devia ter, não quis nem olhar direito.
— Braço, perna e virilha, né? — respondi, erguendo o joelho na água.
— Vamos lá pessoal, força no joelho, correndo na água, força, não perde o ritma, tá acabando!
— Virilha?! — dessa vez foi ela que se assustou. Ai, meus sais! A bicha depila 3 vezes por semana e agora vem me dizer que nunca fez uma virilha cavada?
— É, virilha. Nunca fez, não?
— Não — ela disse, meio sem graça. — É bom, é?
— Nossa, é ótimo. Devia experimentar — ela se empolgou com a minha resposta e chegou mais perto, perguntando em tom de segredo:
— Mas faz alguma diferença, assim, na hora H?
— Ah, claaaaro —– eu me fiz de entendida. — Faz sim! Fica bem melhor, vai por mim!
A senhora ficou com as bochechas rosadas, mas sorridente. Opa, dei um upgrade no casamento, pensei, me achando um pouco.
A aula está acabando:
— Vamos lá, pessoal, esticando bem o braço, espreguiça e soooolta. Muito bom, obrigada, até quinta.
Palmas na piscina...
Eu já ia saindo da água, quando ela falou:
— Vou falar hoje mesmo com o meu professor.
— Como? — perguntei, sem entender qual era o tema agora.
Ela, com um sorrisinho alegre, me explicou:
— Vou falar hoje mesmo com o professor, aqui da academia, sobre essa tal musculação na virilha. Não vou perder essa não.
A senhorinha ainda me deu uma piscadela, se embrulhando na toalha e saindo, toda serelepe em busca da grande novidade que eu lhe informara, tão inocentemente.
A culpa era do barulho, claro...
Thursday, September 17, 2009
Já sei
Escrevi esse texto faz muito tempo, quando eu estava em um outro emprego, tão repressor, que nem tive oragem de publicar aqui no blog, mesmo que tão pouca gente leia. Agora, que o tempo passou e eu desapeguei, achei, no fundo do baú...
Eu já sei, vou falar assim, que queria conversar, porque não estou feliz nesse emprego, acho que poderíamos mudar algumas coisas, de repente eu posso começar a tentar uma atividade nova, ou mudar de projeto, se eles não se importarem. Não, não. Não posso falar que quero mudar de projeto, que fica muito radical, vai parecer abandono. Vou mais devagar...
Já sei, vou dizer que vejo outras oportunidades para mim e para eles. Isso. Coisas onde eu possa agregar mais e também me sentir mais feliz, porque vão ser coisas que se parecerão mais comigo. Não, tá parecendo muito blábláblá essa coisa de agregar. Eu posso mudar a palavra. Vou dizer então, que seria melhor pensarmos em uma outra alternativa. Se bem que falando assim, com tanta leveza, eu dou brecha pra ele me enrolar. E, do jeito que o nego é, vai me enrolar bonitinho. Vou sair dessa conversa inconformada. Não, não vou pensar assim que atrai. Vou pensar positivo, vou sair dessa conversa radiante, feliz. Vou mesmo dar um pulo no escritório, assim que fechar a porta. Não, não, vai que tem as câmeras, sei lá. Mas vou ser forte e firme nos meus interesses, chega de fraquejar, de insinuar. Melhor chegar metendo o pé na porta: “Olha fulano, aqui, nessa área, não fico mais. Ou vocês me mudam, ou eu saio!” nossa, mas, nessa crise, dizer algo tão extremado pode ser um bocado arriscado. Se bem que, vai parecer que confio no meu taco e vai passar uma idéia de força, que é justamente do que preciso. Duro é se só eu confiar sozinha. Acho que vou nessa linha: “olha, não to feliz e, falando honestamente, preciso mudar”. De repente até me desculpo pela objetividade: “Peço desculpas por ser assim, tão objetiva, mas a situação é muito clara pra mim, e quero que fique muito clara pra você também”. Ah, ficou bom né? Posso pôr mais ênfase nas desculpas, esticar a mão assim, ou de repetente até dar um soquinho na mesa. Ai, que ridículo, vai ficar muito Cristina Kirchner...
E se eu não falar nada? De repente, vou faltar uns dias, fingir que tô meio pra baixo, até alguém perguntar alguma coisa e daí eu digo assim, como quem não quer nada: “ah, pois é, sabe como é né?” e baixo os olhos assim, meio de lado, voltando ao meu trabalho ou empilhando uns papéis, fazendo um ar de “To odiando mas sou fooooda, por isso não falo” aposto que vou deixar a pessoa agoniada. Ai, mas qual vantagem deixar o outro agoniado? Ou – pior - e se ninguém nunca perguntar? Eu não ando mesmo muito feliz e ninguém nem notou...
É melhor eu conversar agora, de uma vez, preciso enfrentar essa minha timidez, deixar de ser boazinha, bonitinha, certinha. Vou ser mais agressiva, assertiva, positiva: “Olha, te agradeço mais estou indo!” hahaha, que idiota, quem é que fala desse jeito? Te agradeço e tô indo? O cara vai achar que estou assistindo muito CQC, beijo-tchau, e aí é que me desmoralizo de vez. O ideal, o ideal mesmo, é se ele mudasse. Se ele saísse da liderança, e viesse o ciclano. Mas não tem como.... Só se tiver um acidente, ele viaja tanto... Cruzes, to ficando muito maldosa, não era pra ser assim. Ai, vou parar de pensar nisso, estou ficando confusa. Mas eu podia dizer isso: “olha, estou ficando confusa, preciso de ajuda”. Isso, pedir ajuda parece meio humilde, ele vai se sentir importante e querer provar sua generosidade. Eu digo que sem a ajuda dele não vai funcionar, que precisamos mudar algumas coisas e eu não sei como fazer: “Olha amigo, eu acredito muito nesse trabalho, mas também acredito que uma andorinha só não faz verão.” Ah, imagine, o homem vai rir na minha cara, capaz que me responda com um “água mole em pedra dura” pra ficarmos na mesma linha, que palhaçada. Vou esquecer isso. Pra que eu preciso me provar, falar, fazer acontecer? Porque não posso ficar lá, fazendo um trabalhinho maomenos, tá bom, um cantinho um violão, uma mesinha e meu computador, já dá pra pagar as contas, vou deixar por isso mesmo, quem é que precisa mesmo um emprego dos sonhos? Tanta gente é lixeiro, faxineiro, até ascensorista existe e elas vivem, não? Ainda ganham mal... eu não, pelo menos ganho bem ué...
Humm, mas e se eu disser isso? Vou dizer que poderia até deixar por isso mesmo, já que estou numa zona de conforto, conheço bem isso e pago as minhas contas. “Mas não é isso que me interessa” direi assim categórica. Posso até dar um soquinho na mesa, pra impressionar. Soquinho na mesa? Eu disse isso? De novo? Vou esquecer, chega, esquece, esquece, esquece, sai da minha cabeça conversa maldita. 1, 2, 3. vou comer uma barra da suflair e pronto, cabou. Depois vou comprar um vestidinho pra mim.... Já me ferro tanto nesse trabalho de merda, tenho que ter outros prazeres. Isso sim, pronto...
Eu já sei, vou falar assim, que queria conversar, porque não estou feliz nesse emprego, acho que poderíamos mudar algumas coisas, de repente eu posso começar a tentar uma atividade nova, ou mudar de projeto, se eles não se importarem. Não, não. Não posso falar que quero mudar de projeto, que fica muito radical, vai parecer abandono. Vou mais devagar...
Já sei, vou dizer que vejo outras oportunidades para mim e para eles. Isso. Coisas onde eu possa agregar mais e também me sentir mais feliz, porque vão ser coisas que se parecerão mais comigo. Não, tá parecendo muito blábláblá essa coisa de agregar. Eu posso mudar a palavra. Vou dizer então, que seria melhor pensarmos em uma outra alternativa. Se bem que falando assim, com tanta leveza, eu dou brecha pra ele me enrolar. E, do jeito que o nego é, vai me enrolar bonitinho. Vou sair dessa conversa inconformada. Não, não vou pensar assim que atrai. Vou pensar positivo, vou sair dessa conversa radiante, feliz. Vou mesmo dar um pulo no escritório, assim que fechar a porta. Não, não, vai que tem as câmeras, sei lá. Mas vou ser forte e firme nos meus interesses, chega de fraquejar, de insinuar. Melhor chegar metendo o pé na porta: “Olha fulano, aqui, nessa área, não fico mais. Ou vocês me mudam, ou eu saio!” nossa, mas, nessa crise, dizer algo tão extremado pode ser um bocado arriscado. Se bem que, vai parecer que confio no meu taco e vai passar uma idéia de força, que é justamente do que preciso. Duro é se só eu confiar sozinha. Acho que vou nessa linha: “olha, não to feliz e, falando honestamente, preciso mudar”. De repente até me desculpo pela objetividade: “Peço desculpas por ser assim, tão objetiva, mas a situação é muito clara pra mim, e quero que fique muito clara pra você também”. Ah, ficou bom né? Posso pôr mais ênfase nas desculpas, esticar a mão assim, ou de repetente até dar um soquinho na mesa. Ai, que ridículo, vai ficar muito Cristina Kirchner...
E se eu não falar nada? De repente, vou faltar uns dias, fingir que tô meio pra baixo, até alguém perguntar alguma coisa e daí eu digo assim, como quem não quer nada: “ah, pois é, sabe como é né?” e baixo os olhos assim, meio de lado, voltando ao meu trabalho ou empilhando uns papéis, fazendo um ar de “To odiando mas sou fooooda, por isso não falo” aposto que vou deixar a pessoa agoniada. Ai, mas qual vantagem deixar o outro agoniado? Ou – pior - e se ninguém nunca perguntar? Eu não ando mesmo muito feliz e ninguém nem notou...
É melhor eu conversar agora, de uma vez, preciso enfrentar essa minha timidez, deixar de ser boazinha, bonitinha, certinha. Vou ser mais agressiva, assertiva, positiva: “Olha, te agradeço mais estou indo!” hahaha, que idiota, quem é que fala desse jeito? Te agradeço e tô indo? O cara vai achar que estou assistindo muito CQC, beijo-tchau, e aí é que me desmoralizo de vez. O ideal, o ideal mesmo, é se ele mudasse. Se ele saísse da liderança, e viesse o ciclano. Mas não tem como.... Só se tiver um acidente, ele viaja tanto... Cruzes, to ficando muito maldosa, não era pra ser assim. Ai, vou parar de pensar nisso, estou ficando confusa. Mas eu podia dizer isso: “olha, estou ficando confusa, preciso de ajuda”. Isso, pedir ajuda parece meio humilde, ele vai se sentir importante e querer provar sua generosidade. Eu digo que sem a ajuda dele não vai funcionar, que precisamos mudar algumas coisas e eu não sei como fazer: “Olha amigo, eu acredito muito nesse trabalho, mas também acredito que uma andorinha só não faz verão.” Ah, imagine, o homem vai rir na minha cara, capaz que me responda com um “água mole em pedra dura” pra ficarmos na mesma linha, que palhaçada. Vou esquecer isso. Pra que eu preciso me provar, falar, fazer acontecer? Porque não posso ficar lá, fazendo um trabalhinho maomenos, tá bom, um cantinho um violão, uma mesinha e meu computador, já dá pra pagar as contas, vou deixar por isso mesmo, quem é que precisa mesmo um emprego dos sonhos? Tanta gente é lixeiro, faxineiro, até ascensorista existe e elas vivem, não? Ainda ganham mal... eu não, pelo menos ganho bem ué...
Humm, mas e se eu disser isso? Vou dizer que poderia até deixar por isso mesmo, já que estou numa zona de conforto, conheço bem isso e pago as minhas contas. “Mas não é isso que me interessa” direi assim categórica. Posso até dar um soquinho na mesa, pra impressionar. Soquinho na mesa? Eu disse isso? De novo? Vou esquecer, chega, esquece, esquece, esquece, sai da minha cabeça conversa maldita. 1, 2, 3. vou comer uma barra da suflair e pronto, cabou. Depois vou comprar um vestidinho pra mim.... Já me ferro tanto nesse trabalho de merda, tenho que ter outros prazeres. Isso sim, pronto...
Wednesday, September 9, 2009
Do baú
Escrevi esse texto em 2005 e o achei aqui, perdido no meu computador, hoje.
Mal posso acreditar que mudei tao pouco em 4 anos...
Patinação
Levei meus sobrinhos para patinar, no último final de semana. Entramos, os 3, animados no ringue de patinação, mas logo vi que a coisa não era apenas divertida.
Eu, pessoalmente, comecei com aquele medo de todo mundo. Dei algumas voltas na pista segurando na barra. Não tinha tanta graça. Olhei as pessoas se arriscarem longe do apoio e ri com as que se estrepavam no chão molhado. Elas também riam. As vezes. Houveram as que choraram, as que ficaram sem jeito. Todas levantaram. Algumas desistiram. De qualquer forma elas tinham tentado.
De repente me dei conta de que o legal era tentar. Queria ficar com a calça molhada, encher-me de coragem e ir rumo ao meio da pista. Mas eu sentia medo. Sentia medo de cair e não levantar mais. Sentia medo de todo mundo rir. Sentia medo de doer meu bumbum, de dar mau-jeito na coluna. Sentia medo de cair, e voltava pra barra... sem perceber que poderia passar a minha vida inteira assim.
Quem é que não conhece alguém que vive a vida, sempre se segurando na barra? Sempre querendo o estável, o seguro, o previsível. Alguém que nunca está sem guarda chuva, não anda com os pés descalços, não fica sem um trocado no bolso, não troca nunca, o certo pelo duvidoso.
O meio da pista de patinação era o duvidoso. A barra, era o certo. Mas qual é a graça de viver sempre na barra? Era muito mais fácil.
É tão difícil nos jogarmos no sonho, nos atirarmos rumo ao risco, de peito aberto, sabendo que o chão está logo ali, nos atraindo para um tombo fenomenal...
Puxa vida, quanto tempo tenho até entender que não há nada demais em molhar minha calça? Cair não é tão grave assim, pensei num instante. Até os que desistiram e saíram da pista aos prantos, ganhavam a minha admiração. Só os covardes é que saiam de roupas secas. Só os covarde não dão mau-jeito na coluna.
Na vida afora, esses covardes não me inspiram, não me alimentam, não me animam.
Na vida afora, tenho sido um desses covardes.
Desejei, por um instante, ser brava e forte como uma criança, que, enorme, consegue tentar por uma deslizada só. Desejei ser uma gordona, que sai na video-cassetada, porque achou que ia dar certo. Desejei ser uma tonta, uma anta, dessas que a gente vê na TV e comenta: “É óbvio que não ia dar certo, que tonta!” pois bem, só os tolos tentam e, ainda que raro, acho que são os tontos que aprendem a patinar....
Mal posso acreditar que mudei tao pouco em 4 anos...
Patinação
Levei meus sobrinhos para patinar, no último final de semana. Entramos, os 3, animados no ringue de patinação, mas logo vi que a coisa não era apenas divertida.
Eu, pessoalmente, comecei com aquele medo de todo mundo. Dei algumas voltas na pista segurando na barra. Não tinha tanta graça. Olhei as pessoas se arriscarem longe do apoio e ri com as que se estrepavam no chão molhado. Elas também riam. As vezes. Houveram as que choraram, as que ficaram sem jeito. Todas levantaram. Algumas desistiram. De qualquer forma elas tinham tentado.
De repente me dei conta de que o legal era tentar. Queria ficar com a calça molhada, encher-me de coragem e ir rumo ao meio da pista. Mas eu sentia medo. Sentia medo de cair e não levantar mais. Sentia medo de todo mundo rir. Sentia medo de doer meu bumbum, de dar mau-jeito na coluna. Sentia medo de cair, e voltava pra barra... sem perceber que poderia passar a minha vida inteira assim.
Quem é que não conhece alguém que vive a vida, sempre se segurando na barra? Sempre querendo o estável, o seguro, o previsível. Alguém que nunca está sem guarda chuva, não anda com os pés descalços, não fica sem um trocado no bolso, não troca nunca, o certo pelo duvidoso.
O meio da pista de patinação era o duvidoso. A barra, era o certo. Mas qual é a graça de viver sempre na barra? Era muito mais fácil.
É tão difícil nos jogarmos no sonho, nos atirarmos rumo ao risco, de peito aberto, sabendo que o chão está logo ali, nos atraindo para um tombo fenomenal...
Puxa vida, quanto tempo tenho até entender que não há nada demais em molhar minha calça? Cair não é tão grave assim, pensei num instante. Até os que desistiram e saíram da pista aos prantos, ganhavam a minha admiração. Só os covardes é que saiam de roupas secas. Só os covarde não dão mau-jeito na coluna.
Na vida afora, esses covardes não me inspiram, não me alimentam, não me animam.
Na vida afora, tenho sido um desses covardes.
Desejei, por um instante, ser brava e forte como uma criança, que, enorme, consegue tentar por uma deslizada só. Desejei ser uma gordona, que sai na video-cassetada, porque achou que ia dar certo. Desejei ser uma tonta, uma anta, dessas que a gente vê na TV e comenta: “É óbvio que não ia dar certo, que tonta!” pois bem, só os tolos tentam e, ainda que raro, acho que são os tontos que aprendem a patinar....
Friday, August 21, 2009
Os insetos
Eu fui na feira, comprar pastel. Logo que desci do carro um guardador se aproximou e, trêbado, perguntou se poderia olhar o carro. Nem repondi, mas ele riu, cantou, até dançou. Quando eu voltei, com o pastel em uma mãe e o caldo de cana na outra, fui surpreendida por uma abelha. "Ai!" gritei. E comecie a abanar, sem parar. Coloquei a bebida sobre o carro e me debatia contra a abelha. Tentava entrar no carro, ela entrava junto, eu saia, a danada saia, eu estava me sentindo em apuros até que notei, no outro lado da rua, o guardador as gargalhadas. Fixei os olhos nele, séria, e ele me perguntou, ainda sem parar de rir: "Que que foi que tu tomou hein??". "O que?? Moço, tem uma abelha aqui, nao tá vendo?" Ele ria e dizia: "Abelha, abelha, ela tá vendo abelha gente, eu também tô vendo abelha, é você minha abelha rainha....". Eu entrei em pãnico, ele achou que eu tinha tomado a cachaça dele e, enquanto eu respondia, falava entre as palavras: "Ai, ai, aqui, tá vendo, olha ela! Ai, peguei, quase. Ai, desgramada, aqui, Ai" e o homem se deliciando com a minha confusão. Lá pelas tantas, ele começou a chegar muito perto, mais perto que a própria abelha, e querendo me abraçar, repetia que eu era a abelha rainha. Corri e entrei no carro, abri o vidro, fechei o vidro, perguntei ra ele: "Ela entrou??" e ele respondeu: "Opa! Aqui, aqui" e, me imitando, dava tapinhas nele próprio, girava na rua fazendo a alegria de uma pequena platéia que se formara perto da gente. Quando eu fui embora, ainda ouvi o grito dele, rindo: "as formigas, gente, aqui, as formigas, pega, pega, pega"
Saturday, August 15, 2009
Nos e eles
Nosso “então” é o “olha só deles”. Nosso cara é o rapá deles. Nossa pizza é o camarão deles. Nosso shopping é a praia deles. Nosso terno é a regata deles e a nossa sapatilha a havaiana deles.
Nossa sisudez é a malandragem deles. Nossa seriedade a descontração deles. Nosso trânsito é o engarrafamento deles. Ok, nosso trânsito é maior que o engarrafamento deles.
É que nossa cidade é maior do que a deles também.
Mas eles são rede globo e a gente nunca que chega lá – e queremos?
Nós somos FHC eles são PT. Nós somos protetor solar, eles são óleo bronzeador.
Nós temos taxistas calados e discretos, os deles são falantes e espalhafatosos. Nós somos sucos de polpa, eles tem da própria fruta. Nós somos econômicos, inclusive no beijo, que basta sempre um. Eles gastam a beça e distribuem logo dois. Nas roupas é o oposto. Nós nos cobrimos de cinza e preto, eles se descobrem de vermelho e amarelo.
Nós somos Estadão e Folha, eles são o Globo.
Eles tem o jeitinho, nós temos as regras. Temos?
Eles são açaí e nós somos pizza.
Eles são chopp e nós café.
Eles são pretos e nós, brancos – amarelos.
Eles são artistas e nós, intelectuais.
Eles são verão, nós somos outono.
Eles são cheiox de x, enquanto nós cantamos bonito com nosso “r” leve.
Elas são loiras e gostosas, nós somos branquelas secas. Eles são musculosos, sarados e expertos, nós somos magrelos tímidos e inteligentes.
Eles corrida na praia, nós internet.
Eles musculação, nós, pilates.
Eles, elex, muito elex. Nós, nós. Apenas nós.
Nossa sisudez é a malandragem deles. Nossa seriedade a descontração deles. Nosso trânsito é o engarrafamento deles. Ok, nosso trânsito é maior que o engarrafamento deles.
É que nossa cidade é maior do que a deles também.
Mas eles são rede globo e a gente nunca que chega lá – e queremos?
Nós somos FHC eles são PT. Nós somos protetor solar, eles são óleo bronzeador.
Nós temos taxistas calados e discretos, os deles são falantes e espalhafatosos. Nós somos sucos de polpa, eles tem da própria fruta. Nós somos econômicos, inclusive no beijo, que basta sempre um. Eles gastam a beça e distribuem logo dois. Nas roupas é o oposto. Nós nos cobrimos de cinza e preto, eles se descobrem de vermelho e amarelo.
Nós somos Estadão e Folha, eles são o Globo.
Eles tem o jeitinho, nós temos as regras. Temos?
Eles são açaí e nós somos pizza.
Eles são chopp e nós café.
Eles são pretos e nós, brancos – amarelos.
Eles são artistas e nós, intelectuais.
Eles são verão, nós somos outono.
Eles são cheiox de x, enquanto nós cantamos bonito com nosso “r” leve.
Elas são loiras e gostosas, nós somos branquelas secas. Eles são musculosos, sarados e expertos, nós somos magrelos tímidos e inteligentes.
Eles corrida na praia, nós internet.
Eles musculação, nós, pilates.
Eles, elex, muito elex. Nós, nós. Apenas nós.
Wednesday, August 12, 2009
Na calada da noite
Antes de dormir, papeando na cama, eu aperto o nariz dele:
- Amor, sabia que você tem o nariz igual ao do Rubinho?
- Que Rubinho?? - Ele respondeu ainda sorridente.
- Do Rubinho Barriquelo. Esse nariz meio grandinho, narigudinho. - Ele ficou sério, e eu continuei, sorridente.
- É fofo, narigudinho. Vou te chamar de narigudinho agora! - Ele me olhou sério, mas deu um sorrisinho cínico e disse:
- Amoriznho, você já viu o tamanho da sua naroga?
- O que?
- É isso mesmo meu bem, você tem um nariz igual ao de um tucano, uma naroga enorme, e está falando do meu nariz??
- Que isso amor? Porque tá me agredindo agora??
- Não estou te agredindo, estou achando bonitinha, sua naroguinha. Na verdade, parece de uma calopsita. Vou te chamar de calopsita agora.
- Amor, sabia que você tem o nariz igual ao do Rubinho?
- Que Rubinho?? - Ele respondeu ainda sorridente.
- Do Rubinho Barriquelo. Esse nariz meio grandinho, narigudinho. - Ele ficou sério, e eu continuei, sorridente.
- É fofo, narigudinho. Vou te chamar de narigudinho agora! - Ele me olhou sério, mas deu um sorrisinho cínico e disse:
- Amoriznho, você já viu o tamanho da sua naroga?
- O que?
- É isso mesmo meu bem, você tem um nariz igual ao de um tucano, uma naroga enorme, e está falando do meu nariz??
- Que isso amor? Porque tá me agredindo agora??
- Não estou te agredindo, estou achando bonitinha, sua naroguinha. Na verdade, parece de uma calopsita. Vou te chamar de calopsita agora.
Wednesday, July 22, 2009
Das estrelas que ninguém vê
Já faz cerca de um mês que nos mudamos, mas foi há duas semanas atrás que notamos.
Estávamos quase dormindo, deitados na nossa cama, conversando qualquer bobagem, quando ele notou:
- Olha, tem uma estrela no teto.
Eu ri. Como assim, uma estrela no teto do quarto? A casa estava toda pintada – e fechada – não temos nenhum teto solar, e nem visão de raio-x, portanto, não vemos estrelas no sétimo andar de um apartamento em SP.
Ele insistiu: “Ali, ta vendo? Estrelas!” Eu olhei com um pouco mais de atenção e tomei um susto. Tinha estrelas no teto da nossa casa, e isso não era nenhuma alucinação ou nenhuma poesia barata. Eram aqueles adesivos fluorescentes que tínhamos nos quartos quando éramos crianças. Alguém, algum dia, tinha colado-os no teto desse quarto e, embora muitas mãos de tinta já foram passadas por ali, alguns pontos ainda estavam luminosos, de tal forma discretos, que pareciam ainda mais reais.
-Amor, tem estrelas no nosso quarto! – Eu disse, já cheia de alegria..
- Quem será que dormiu aqui? Esse sempre foi o quarto do casal.... – Ele lembrou.
- É verdade. Algum casal romântico queria ver as estrelas ao adormecer – Eu disse, e ele sorriu.
Passamos algum tempo notando os pequenos pontos luminosos acima de nós, e, aos poucos concluímos que eram muitos. Um céu de estrelas cobria a nossa noite e, talvez, ninguém nunca notasse.
Não importa se era uma alucinação, uma miragem, uma coincidência.
Para mim, a luz que nos cobria era só mais um sinal de que andávamos no caminho certo e de que nunca há escuridão quando há amor.
Talvez seja a gravidez, os hormônios me deixaram assim, meio emocionada, mas senti-me imensamente feliz quanto conclui que não poderíamos ter mudado para outro apartamento, nem mesmo vivido outra vida, ou escolhido outra pessoa.
Nossa vida sempre foi cheia de luz, pensei, quase adormecendo, enquanto observava as estrelas que nos cobriam....
Tuesday, July 14, 2009
Embuchada
E, antes da minha pequena Sofia nascer, ela já gera frutos.
Criei um blog novo, falando da gravidez e de como é estranho (lindo e louco) esse período que só nós, as fêmeas de todo o mundo, passamos. Quem puder, vai lá ler:
http://www.embuchada.blogspot.com/
Criei um blog novo, falando da gravidez e de como é estranho (lindo e louco) esse período que só nós, as fêmeas de todo o mundo, passamos. Quem puder, vai lá ler:
http://www.embuchada.blogspot.com/
Friday, July 10, 2009
O milagre
Um milagre, que eu contei aqui, mas que falarei sempre e sempre, aqui.
O milagre
Bem eu que nunca fui sorteada em nada. Bem eu que nunca ganhei em rifa, nem em bingo, nem em nada.
Bem eu, agora, recebi um milagre.
Tudo bem que é um milagre corriqueiro, acontece todos os dias, com muita gente, mas um milagre não deixa de ser milagre apenas por ser comum. O que faz de um milagre um verdadeiro milagre é a sua grandiosidade, seu fator incrível, sua enorme magia e encantamento, e não sua raridade, oras. O milagre pode ser freqüente mas, nunca, banal.
Na verdade, o milagre que me aconteceu não parecia tão milagroso assim, enquanto eu o via acontecer aos outros. A gente se acostuma aos milagres, não? No entanto, basta que eles aconteçam conosco para darmos a eles o devido valor, basta que o milagre seja nosso, seja em nós – e para nós – que, daí sim, o notamos e ficamos naquele estado de choque, um bocado anestesiados, outro tanto abobados, encantados por sermos premiados, sorteados, ganhadores da mega-sena acumulada que nos foi esse milagre.
O meu milagre aconteceu sem eu nem saber. Não faço idéia de quando se deu o fato. Fui notar muito tempo depois. Que coisa modesta é o milagre, né? Vem tão calado, na espreita, devagarzinho, muito, muito em silêncio. É na quietude que acontecem os milagres.
O meu, então, aconteceu em alguma noite qualquer. Eu não notei. Vim a saber depois, muito depois, quando percebi que havia algo diferente no meu corpo. Era o milagre.
Ainda assim não botei muita fé. Passei manteiga no meu pão, fui fazer a unha, mandei uns e-mails, tomei um copo de toddy – estava enjoativo. De novo, era o milagre dando as caras. Fiquei quieta no meu canto. Escrevi uma crônica, trabalhei um bocado, fiz um monte de xixi. Diacho, que tanto xixi que eu faço agora?, pensei comigo sem saber que era a dica, uma sutileza que passou despercebida, um recado do milagre que me acontecera.
Foi só de tarde, quase no final do dia, que resolvi aceitar a sugestão de uma colega e fazer um teste de farmácia. Ainda não tinha anoitecido. Estava sol aquele dia. O sol, certamente, era um milagre do inverno, como que me dizendo que não havia frio nem escuridão no milagre que já acontecia dentro de mim. Foi antes das 5 da tarde que eu soube do milagre. Ali, num teste de farmácia, que reluzia com duas listras diante de mim. Era um sinal de positivo. Um jóia, um ok, uma vida nova, me dizendo o quanto era positivo o fato da vida ainda ser repleta de milagres. Entre o susto e alegria, falei sozinha: “É um milagre!”. Calada, diante da prova irrefutável do milagre, não conseguia deixar de pensar o quanto era incrível que um óvulo, um único óvulo, um pequeno óvulo, tinha sido atingido por um espermatozóide, um micro espermatozóide, que eu nem sabia como era, uma explosão acontecera dentro de mim e, talvez, eu estivesse até dormindo. O milagre era maior do que eu, enfim.
E dentro da minha barriga, que assisto crescer todos os dias, um pequeno-enorme milagre cresce. À revelia do que eu faça ou do que eu coma, ou do que eu pense.
Eu nunca ganhei um sorteio, nem rifa, nem nada, mas, a mim, a vida deu um milagre. Que explodam os fogos, que chovam estrelas sobre nós, eu vou ter um bebê.
O milagre
Bem eu que nunca fui sorteada em nada. Bem eu que nunca ganhei em rifa, nem em bingo, nem em nada.
Bem eu, agora, recebi um milagre.
Tudo bem que é um milagre corriqueiro, acontece todos os dias, com muita gente, mas um milagre não deixa de ser milagre apenas por ser comum. O que faz de um milagre um verdadeiro milagre é a sua grandiosidade, seu fator incrível, sua enorme magia e encantamento, e não sua raridade, oras. O milagre pode ser freqüente mas, nunca, banal.
Na verdade, o milagre que me aconteceu não parecia tão milagroso assim, enquanto eu o via acontecer aos outros. A gente se acostuma aos milagres, não? No entanto, basta que eles aconteçam conosco para darmos a eles o devido valor, basta que o milagre seja nosso, seja em nós – e para nós – que, daí sim, o notamos e ficamos naquele estado de choque, um bocado anestesiados, outro tanto abobados, encantados por sermos premiados, sorteados, ganhadores da mega-sena acumulada que nos foi esse milagre.
O meu milagre aconteceu sem eu nem saber. Não faço idéia de quando se deu o fato. Fui notar muito tempo depois. Que coisa modesta é o milagre, né? Vem tão calado, na espreita, devagarzinho, muito, muito em silêncio. É na quietude que acontecem os milagres.
O meu, então, aconteceu em alguma noite qualquer. Eu não notei. Vim a saber depois, muito depois, quando percebi que havia algo diferente no meu corpo. Era o milagre.
Ainda assim não botei muita fé. Passei manteiga no meu pão, fui fazer a unha, mandei uns e-mails, tomei um copo de toddy – estava enjoativo. De novo, era o milagre dando as caras. Fiquei quieta no meu canto. Escrevi uma crônica, trabalhei um bocado, fiz um monte de xixi. Diacho, que tanto xixi que eu faço agora?, pensei comigo sem saber que era a dica, uma sutileza que passou despercebida, um recado do milagre que me acontecera.
Foi só de tarde, quase no final do dia, que resolvi aceitar a sugestão de uma colega e fazer um teste de farmácia. Ainda não tinha anoitecido. Estava sol aquele dia. O sol, certamente, era um milagre do inverno, como que me dizendo que não havia frio nem escuridão no milagre que já acontecia dentro de mim. Foi antes das 5 da tarde que eu soube do milagre. Ali, num teste de farmácia, que reluzia com duas listras diante de mim. Era um sinal de positivo. Um jóia, um ok, uma vida nova, me dizendo o quanto era positivo o fato da vida ainda ser repleta de milagres. Entre o susto e alegria, falei sozinha: “É um milagre!”. Calada, diante da prova irrefutável do milagre, não conseguia deixar de pensar o quanto era incrível que um óvulo, um único óvulo, um pequeno óvulo, tinha sido atingido por um espermatozóide, um micro espermatozóide, que eu nem sabia como era, uma explosão acontecera dentro de mim e, talvez, eu estivesse até dormindo. O milagre era maior do que eu, enfim.
E dentro da minha barriga, que assisto crescer todos os dias, um pequeno-enorme milagre cresce. À revelia do que eu faça ou do que eu coma, ou do que eu pense.
Eu nunca ganhei um sorteio, nem rifa, nem nada, mas, a mim, a vida deu um milagre. Que explodam os fogos, que chovam estrelas sobre nós, eu vou ter um bebê.
Friday, June 26, 2009
CABELOS AO VENTO >> Kika Coutinho
Na crônica do dia
Ela morava no 2º andar e eu no 4º. Ela tinha cabelos compridos e encaracolados. Eu tinha cabelos médios e lisos. Ela era mais cheinha, e eu, magricela. Mas ela era esperta e extrovertida. Eu era mais envergonhada e tola. Ela devia ter uns 6, e eu devia ter uns 7 quando tudo aconteceu.
Ela me chamou para ir brincar lá na casa dela, e eu fui. Quando entramos no quarto da TV, já estava tudo montado. Uma cadeira, tesouras, revistas. Eu era a cliente, ela era a cabeleireira. Sentei-me na minha cadeira enquanto ela, sempre muito falante, começou a me explicar sobre os cortes da moda, o estilo, a beleza. Eu aceitava, calada. No meio da falação, notei que a tesoura na mão dela era de verdade, mas não reagi. O natural aconteceu. Ela, a cabeleireira de 6 anos de idade, começou a cortar o meu cabelo. Eu sabia, dentro de mim, que aquilo não estava certo, mas não falava nada. Assistia cair no chão os longos chumaços de meus cabelos, com uma sensação de estranheza e impotência. Ela estava tão empolgada, e agia tão depressa, que eu não conseguia me expressar. Lembro-me que estava com o dente da frente mole, quase caindo, e só o que fazia era senti-lo balançar na minha língua, bem quietinha, enquanto minha amiga se esbaldava.
O corte foi radical, mas rápido. Ela tirou todo, todo o meu cabelo. Cortou até o talo, deixou só aquilo que uma tesoura não conseguia mesmo tirar.
Quando, no final, tal qual uma profissional dedicada, ela trouxe um espelho, eu tomei um susto. Quase que me lembro da minha cara assustada diante de uma menina sem cabelos que eu vira no meu reflexo.
“Você cortou tudo? Você cortou de verdade!” Eu disse, indignada.
Ela, com certo arrependimento, entregou-me a tesoura: “Corta o meu então?”. Sentou-se confortavelmente na cadeira e esperou que eu me vingasse. Mas eu, uma tola menina boa, não tinha coragem. Queria vingar-me, sentia dentro de mim uma enorme raiva, mas não era capaz de mover as minhas mãos para arrancar-lhe os cabelos também. “Vamos, corta! Pode cortar!” ela dizia, sabendo do meu sofrimento. Eu tentei obedecer, mas foram poucos e curtos os fios que lhe tirei. Nem aparecia nada. Era uma demonstração de covardia, aqueles ralos fios que saíam na tesoura, tão leves que eu nem os notava no chão, misturados aos meus.
Foi enquanto eu lutava comigo mesma, para ser esperta e vingativa, que a campainha tocou. Ouvi a voz da minha irmã mais velha, que dizia ter vindo me buscar.
Senti um alívio de encerrar aquela tortura, e corri para a sala. A expressão de horror dela quando eu apareci na porta está cravada na minha memória até hoje: “Kika!” ela gritou. Eu tentei explicar, mas fui logo dizendo que era ela, a outra, que tinha feito isso. A menina, safa, saiu retrucando que eu também tinha cortado o dela. Nada adiantava. Minha irmã berrava, talvez até chorasse de raiva e indignação. Pegou-me pelo braço e levou-me embora, fazendo um escândalo sem tamanho.
Ainda chamou a mãe da menina, brigou com ela, enquanto eu ficava calada, sentindo um dente mole na língua...
Logo o dente caiu e, quando outro nasceu no lugar, os cabelos já estavam crescendo, como que para mostrar-me que, ainda que seja doloroso, tudo pode, de fato, crescer de novo depois de lhe ser arrancado. Nunca mais esqueci a lição.
Ela morava no 2º andar e eu no 4º. Ela tinha cabelos compridos e encaracolados. Eu tinha cabelos médios e lisos. Ela era mais cheinha, e eu, magricela. Mas ela era esperta e extrovertida. Eu era mais envergonhada e tola. Ela devia ter uns 6, e eu devia ter uns 7 quando tudo aconteceu.
Ela me chamou para ir brincar lá na casa dela, e eu fui. Quando entramos no quarto da TV, já estava tudo montado. Uma cadeira, tesouras, revistas. Eu era a cliente, ela era a cabeleireira. Sentei-me na minha cadeira enquanto ela, sempre muito falante, começou a me explicar sobre os cortes da moda, o estilo, a beleza. Eu aceitava, calada. No meio da falação, notei que a tesoura na mão dela era de verdade, mas não reagi. O natural aconteceu. Ela, a cabeleireira de 6 anos de idade, começou a cortar o meu cabelo. Eu sabia, dentro de mim, que aquilo não estava certo, mas não falava nada. Assistia cair no chão os longos chumaços de meus cabelos, com uma sensação de estranheza e impotência. Ela estava tão empolgada, e agia tão depressa, que eu não conseguia me expressar. Lembro-me que estava com o dente da frente mole, quase caindo, e só o que fazia era senti-lo balançar na minha língua, bem quietinha, enquanto minha amiga se esbaldava.
O corte foi radical, mas rápido. Ela tirou todo, todo o meu cabelo. Cortou até o talo, deixou só aquilo que uma tesoura não conseguia mesmo tirar.
Quando, no final, tal qual uma profissional dedicada, ela trouxe um espelho, eu tomei um susto. Quase que me lembro da minha cara assustada diante de uma menina sem cabelos que eu vira no meu reflexo.
“Você cortou tudo? Você cortou de verdade!” Eu disse, indignada.
Ela, com certo arrependimento, entregou-me a tesoura: “Corta o meu então?”. Sentou-se confortavelmente na cadeira e esperou que eu me vingasse. Mas eu, uma tola menina boa, não tinha coragem. Queria vingar-me, sentia dentro de mim uma enorme raiva, mas não era capaz de mover as minhas mãos para arrancar-lhe os cabelos também. “Vamos, corta! Pode cortar!” ela dizia, sabendo do meu sofrimento. Eu tentei obedecer, mas foram poucos e curtos os fios que lhe tirei. Nem aparecia nada. Era uma demonstração de covardia, aqueles ralos fios que saíam na tesoura, tão leves que eu nem os notava no chão, misturados aos meus.
Foi enquanto eu lutava comigo mesma, para ser esperta e vingativa, que a campainha tocou. Ouvi a voz da minha irmã mais velha, que dizia ter vindo me buscar.
Senti um alívio de encerrar aquela tortura, e corri para a sala. A expressão de horror dela quando eu apareci na porta está cravada na minha memória até hoje: “Kika!” ela gritou. Eu tentei explicar, mas fui logo dizendo que era ela, a outra, que tinha feito isso. A menina, safa, saiu retrucando que eu também tinha cortado o dela. Nada adiantava. Minha irmã berrava, talvez até chorasse de raiva e indignação. Pegou-me pelo braço e levou-me embora, fazendo um escândalo sem tamanho.
Ainda chamou a mãe da menina, brigou com ela, enquanto eu ficava calada, sentindo um dente mole na língua...
Logo o dente caiu e, quando outro nasceu no lugar, os cabelos já estavam crescendo, como que para mostrar-me que, ainda que seja doloroso, tudo pode, de fato, crescer de novo depois de lhe ser arrancado. Nunca mais esqueci a lição.
Thursday, June 18, 2009
A mudança
Hoje, na crõnica do dia.
Talvez a humanidade se divida mesmo em dois grupos de pessoas.
E podemos separá-los em uma mudança - de casa, de cidade ou de vida.
Alguns são capazes de fazer de uma mudança, apenas uma mudança. Outros, os incapazes, fazem da mudança uma história, uma saudade, uma terapia - ou quase.
Os primeiros são os racionais. Conseguem encaixotar as coisas, limpar os armários, empacotar as roupas, separas as miudezas com a praticidade de um matemático: “Aqui, cabem mais 3 sapatos. Passa essa louça para mim, pega a etiqueta, essa cômoda cabe exatamente naquela parede, cadê a trena?”
Outros, os mais incapazes, são até mais lentos. Porque, cada vez que embalam um prato, embalam também o jantar: “Aquele, que fizemos aqui, lembra? Aquilo que a gente cozinhou juntos, aquele que queimou, aquele que rimos sem parar, aquele que estava ruim, aquele que estava bom, aquela noite que estava fria, aquela outra eu esquentou...”
São chatos, esses, os incapazes. Devem ter até alguma dificuldade de medir, calcular, compreender. Porque ali, onde cabe a cômoda, não tem só um metro. Tem aquela roupa nova, o seu sapato pisando no meu, meu paletó que enlaça o seu vestido, como era mesmo a música do Chico?
Para alguns a mudança é prática. Jogam tudo lá dentro e seguem em frente. A vida é para isso né? É para ser seguida. Caminhada que ora parece curta, ora longa demais “Vem, vamos embora, já tá tudo aqui, vem logo, o caminhão vai ser multado” É o racional chamando o incapaz. O tonto do incapaz que ficou lá dentro, achou um brinco embaixo da pia: “Meu Deus, tanto que procurei esse brinco, estava aqui então! Esse brinco que eu ganhei naquela manhã de sol, ainda na cama, quando ele fez aquele café da manhã de dia dos namorados”. Ai, essa tola irá encaixar o brinco na orelha, olhar-se mais uma vez no espelho e lembrar de cada acontecimento naquela casa já vazia, sentir-se mais uma vez uma princesa encantada em sua cabana romântica. Mas a cabana é um apartamentinho sem móveis, tão vazio e, ao mesmo tempo, tão cheio de lembranças.
Quando se muda, esse, leva consigo a nostalgia, a saudade, um pequeno pedaço de vida que viveu ali, numa casa tão cheia de histórias e vida. Pode até não ser tristeza, mas é um apego. Não, nenhum apego às roupas, aos sapatos, aos quadros. Disso, cuida o prático. Ele checa se tudo foi embalado bem, cuida para que não estraguem os móveis e olha atentamente para a quina da parede. Ele cuida do que existe e está certo. O outro, o romântico cuida do que nem existe mais. Cuida de guardar consigo os momentos melhores, as pequenas alegrias, os grandes alívios, o conforto e as conquistas celebradas ali, vividas ali, naquele pedaço de concreto, agora já vazio. O tolo tenta segurar com toda força cada instante de felicidade, cada pequena bobagem que formou esse tempo, tenta segurar a poeira, o invisível, aquilo que não se segura e nem se mede. Por isso, talvez por isso, o tolo seja o tolo. Tenta segurar entre os dedos a água, a areia que lhe escorrerá das mãos uma hora ou outra.
Enquanto o racional transfere a net, a eletropaulo e a telefônica, o incapaz procura os números para tentar transferir um bocado de emoção, uma pitada de surpresa, alguns quilos de alegria. O tolo pede o protocolo, tenta discar o nove para falar com o atendente, solicita aos céus, a Deus, ao Procon, que possa levar consigo aquilo que nunca, nunca, poderá ser guardado e nem embalado - ainda que na mais fina cristaleira.
Talvez a humanidade se divida mesmo em dois grupos de pessoas.
E podemos separá-los em uma mudança - de casa, de cidade ou de vida.
Alguns são capazes de fazer de uma mudança, apenas uma mudança. Outros, os incapazes, fazem da mudança uma história, uma saudade, uma terapia - ou quase.
Os primeiros são os racionais. Conseguem encaixotar as coisas, limpar os armários, empacotar as roupas, separas as miudezas com a praticidade de um matemático: “Aqui, cabem mais 3 sapatos. Passa essa louça para mim, pega a etiqueta, essa cômoda cabe exatamente naquela parede, cadê a trena?”
Outros, os mais incapazes, são até mais lentos. Porque, cada vez que embalam um prato, embalam também o jantar: “Aquele, que fizemos aqui, lembra? Aquilo que a gente cozinhou juntos, aquele que queimou, aquele que rimos sem parar, aquele que estava ruim, aquele que estava bom, aquela noite que estava fria, aquela outra eu esquentou...”
São chatos, esses, os incapazes. Devem ter até alguma dificuldade de medir, calcular, compreender. Porque ali, onde cabe a cômoda, não tem só um metro. Tem aquela roupa nova, o seu sapato pisando no meu, meu paletó que enlaça o seu vestido, como era mesmo a música do Chico?
Para alguns a mudança é prática. Jogam tudo lá dentro e seguem em frente. A vida é para isso né? É para ser seguida. Caminhada que ora parece curta, ora longa demais “Vem, vamos embora, já tá tudo aqui, vem logo, o caminhão vai ser multado” É o racional chamando o incapaz. O tonto do incapaz que ficou lá dentro, achou um brinco embaixo da pia: “Meu Deus, tanto que procurei esse brinco, estava aqui então! Esse brinco que eu ganhei naquela manhã de sol, ainda na cama, quando ele fez aquele café da manhã de dia dos namorados”. Ai, essa tola irá encaixar o brinco na orelha, olhar-se mais uma vez no espelho e lembrar de cada acontecimento naquela casa já vazia, sentir-se mais uma vez uma princesa encantada em sua cabana romântica. Mas a cabana é um apartamentinho sem móveis, tão vazio e, ao mesmo tempo, tão cheio de lembranças.
Quando se muda, esse, leva consigo a nostalgia, a saudade, um pequeno pedaço de vida que viveu ali, numa casa tão cheia de histórias e vida. Pode até não ser tristeza, mas é um apego. Não, nenhum apego às roupas, aos sapatos, aos quadros. Disso, cuida o prático. Ele checa se tudo foi embalado bem, cuida para que não estraguem os móveis e olha atentamente para a quina da parede. Ele cuida do que existe e está certo. O outro, o romântico cuida do que nem existe mais. Cuida de guardar consigo os momentos melhores, as pequenas alegrias, os grandes alívios, o conforto e as conquistas celebradas ali, vividas ali, naquele pedaço de concreto, agora já vazio. O tolo tenta segurar com toda força cada instante de felicidade, cada pequena bobagem que formou esse tempo, tenta segurar a poeira, o invisível, aquilo que não se segura e nem se mede. Por isso, talvez por isso, o tolo seja o tolo. Tenta segurar entre os dedos a água, a areia que lhe escorrerá das mãos uma hora ou outra.
Enquanto o racional transfere a net, a eletropaulo e a telefônica, o incapaz procura os números para tentar transferir um bocado de emoção, uma pitada de surpresa, alguns quilos de alegria. O tolo pede o protocolo, tenta discar o nove para falar com o atendente, solicita aos céus, a Deus, ao Procon, que possa levar consigo aquilo que nunca, nunca, poderá ser guardado e nem embalado - ainda que na mais fina cristaleira.
Thursday, June 11, 2009
Papel bolha
Na cônica do dia...
Acontece todo inverno. Os lábios ressecam, viram pelinhas duras e irresistíveis, tal qual papel-bolha. Quem consegue não estourar?
Eu passo inverno com a boca machucada, solta uma pelinha e sinto um misto de alegria e tristeza. Vai doer, mas vou puxar. Seguro devagar com meus dentes e, sem que ninguém note, arranco. “Ai” falo para mim mesma, para que fui fazer isso? Por estupidez, de certo. E é assim na vida, não é?
Quantas dores causamos a nós mesmos, em nome de um possível benefício?
É assim no amor. Principalmente no cruel e frio amor não correspondido.
Uma amiga de quem gosto muito vive essa dor. Sabe que não vale a pena, sabe que ele é um canalha, um cafajeste, mas dá-se sempre a chance de mais uma saída, mais uma tentada, um último telefonema. Sabe que vai doer. Talvez ele nem apareça, mas arruma-se toda e encanta-se com a imagem apaixonada no espelho. Os minutos ao lado de seu amor são doces e breves, um encanto, sempre seguido de uma dor. Ela vive um instante infinito de calma alegria quando está nos braços de seu príncipe, para, em seguida, ver o tempo bom já finito, e sofrer tal qual no inverno congelante, onde não há cobertas que cheguem. O amor não correspondido é o mais terrível dos frios, um inverno longo e gelado de onde, parece, nunca poderemos sair. Ela sofre, chora, por que fui fazer isso? Pergunta-se, diante do coração sangrando. Por que fui acreditar, por que fui me arrumar, por que gastei todo esse dinheiro com roupas, por que toda essa maquiagem, por que o perfume novo, porque a esperança, por que, por quem, por que? Ela maltrata-se e vê-se agora, estúpida diante do espelho. Burra como só uma mulher apaixonada pode ser. Burra como só uma ansiosa diante da pelinha solta no lábio...
Depois disso, sempre jura que vai evitar. Olha o telefone tocando e joga consigo própria: “Não vou atender, não vou atender”, diz firme, como se passasse manteiga de cacau na boca. Em seguida, quando ele liga de novo, já é o lábio seco, a pelinha, tentadora, muito perto dos dentes. Ela hesita: “se tocar mais uma vez, é porque é para eu atender, se tocar só mais essa vez, mais a próxima, é o destino se tocar de novo.... Alõ!” ela diz, já com o coração aos pulos. É a dor do amor. Mas, que duro é um amor de desencanto, um amor de sofrimento, um amor de mentira. Ela delicia-se com a voz dele, com os elogios, com as brincadeiras, mas sabe que, em seguida, estará sangrando arrependida.
Porque fazemos isso? Porque roemos unha, porque fumamos, porque nos entupimos de doce, porque diabos arrancando essa maldita pelinha toda vez, porque mordemos a língua, a boca, sempre naquele lugar já machucado, porque morremos de amor, sempre com aquele sonho, já tão cansado?
Talvez, porque sejamos otimistas. Mais do que qualquer animal, somos insistentemente tolos. Ainda bem que há manteiga de cacau e, ainda bem que há edredons... Cedo ou tarde, daremos valor ao que pode, em algum momento, nos curar...
Acontece todo inverno. Os lábios ressecam, viram pelinhas duras e irresistíveis, tal qual papel-bolha. Quem consegue não estourar?
Eu passo inverno com a boca machucada, solta uma pelinha e sinto um misto de alegria e tristeza. Vai doer, mas vou puxar. Seguro devagar com meus dentes e, sem que ninguém note, arranco. “Ai” falo para mim mesma, para que fui fazer isso? Por estupidez, de certo. E é assim na vida, não é?
Quantas dores causamos a nós mesmos, em nome de um possível benefício?
É assim no amor. Principalmente no cruel e frio amor não correspondido.
Uma amiga de quem gosto muito vive essa dor. Sabe que não vale a pena, sabe que ele é um canalha, um cafajeste, mas dá-se sempre a chance de mais uma saída, mais uma tentada, um último telefonema. Sabe que vai doer. Talvez ele nem apareça, mas arruma-se toda e encanta-se com a imagem apaixonada no espelho. Os minutos ao lado de seu amor são doces e breves, um encanto, sempre seguido de uma dor. Ela vive um instante infinito de calma alegria quando está nos braços de seu príncipe, para, em seguida, ver o tempo bom já finito, e sofrer tal qual no inverno congelante, onde não há cobertas que cheguem. O amor não correspondido é o mais terrível dos frios, um inverno longo e gelado de onde, parece, nunca poderemos sair. Ela sofre, chora, por que fui fazer isso? Pergunta-se, diante do coração sangrando. Por que fui acreditar, por que fui me arrumar, por que gastei todo esse dinheiro com roupas, por que toda essa maquiagem, por que o perfume novo, porque a esperança, por que, por quem, por que? Ela maltrata-se e vê-se agora, estúpida diante do espelho. Burra como só uma mulher apaixonada pode ser. Burra como só uma ansiosa diante da pelinha solta no lábio...
Depois disso, sempre jura que vai evitar. Olha o telefone tocando e joga consigo própria: “Não vou atender, não vou atender”, diz firme, como se passasse manteiga de cacau na boca. Em seguida, quando ele liga de novo, já é o lábio seco, a pelinha, tentadora, muito perto dos dentes. Ela hesita: “se tocar mais uma vez, é porque é para eu atender, se tocar só mais essa vez, mais a próxima, é o destino se tocar de novo.... Alõ!” ela diz, já com o coração aos pulos. É a dor do amor. Mas, que duro é um amor de desencanto, um amor de sofrimento, um amor de mentira. Ela delicia-se com a voz dele, com os elogios, com as brincadeiras, mas sabe que, em seguida, estará sangrando arrependida.
Porque fazemos isso? Porque roemos unha, porque fumamos, porque nos entupimos de doce, porque diabos arrancando essa maldita pelinha toda vez, porque mordemos a língua, a boca, sempre naquele lugar já machucado, porque morremos de amor, sempre com aquele sonho, já tão cansado?
Talvez, porque sejamos otimistas. Mais do que qualquer animal, somos insistentemente tolos. Ainda bem que há manteiga de cacau e, ainda bem que há edredons... Cedo ou tarde, daremos valor ao que pode, em algum momento, nos curar...
Saturday, June 6, 2009
O branco do tempo
Ele está cheio de cabelos brancos.
Não, não, a cabeça ainda é preta, mas, se olharmos bem, os fios prateados explodem aos montes, mostrando que, ao contrário do que parece, o tempo passa.
Ele odeia. Diz que vai tingir, que vai raspar, que vai cortar.
Não adianta meu bem. Nós não negamos quem somos e nem quando somos quem somos. Faz tempo que você é quem é, e o grisalho só vem avisar. Está ainda mais lindo, e mais esperto. Abandonou as gírias, aprendeu inglês, trocou de emprego. Mudou. E a cabeça muda junto.
Não, não, a cabeça ainda é preta, mas, se olharmos bem, os fios prateados explodem aos montes, mostrando que, ao contrário do que parece, o tempo passa.
Ele odeia. Diz que vai tingir, que vai raspar, que vai cortar.
Não adianta meu bem. Nós não negamos quem somos e nem quando somos quem somos. Faz tempo que você é quem é, e o grisalho só vem avisar. Está ainda mais lindo, e mais esperto. Abandonou as gírias, aprendeu inglês, trocou de emprego. Mudou. E a cabeça muda junto.
Thursday, May 28, 2009
A HEROÍNA
A mais moderna justiceira no Crônica do dia]
Era um típico sábado de verão em São Paulo.
O cenário era a praça Vilaboim, um lugar de calma e tranqüilidade dos descolados da cidade. Lá, nas mesinhas que ficam na calçada, jovens e famílias conversaram, petiscando e cervejando alegremente até que, como um típico dia de verão, o sol deu lugar à chuva e, num instante, grandes pingos caiam do céu. Foi aquela correria, todo mundo entrando nos bares, garçons levando as mesinhas, mulheres protegendo a chapinha, homens protegendo as cervejas. Nesse imbróglio, um pai foi correndo buscar o carro para a esposa e os bebês – gêmeos – que ela tentava esconder sobre a capa do carrinho.
Foi aí que o fato se deu. O homem chegou com o carro e estacionou na frente do bar, um lugar proibido, apenas para abrir o porta-malas, guardar o carrinho, ajeitar as crianças nas cadeiras pregadas no banco de trás e, por fim, abrigar a esposa que, a essa altura, já estava encharcada. No entanto, nesses rápidos segundos, uma senhora de amarelo apareceu com um bloco na mão. Sim, era a guarda do trânsito, uma CET, um amarelinho como dizemos nas bandas de cá. Ela começou a multar o carro do homem que, entre o carrinho e cadeirão tentava explicar, ele estava só buscando a família, era um minuto, estava chovendo, as crianças estavam gripadas, rapidinho, já estava acabando. Mas a senhora, estava irredutível e mantinha-se dizendo que lá era proibido e pronto, ele não poderia estacionar, nem por uns minutinhos e ela ia multar sim senhor.
Uma pequena multidão que se amontoava dentro dos bares começou a prestar atenção no assunto, alguns ousaram gritar, outros pediram paciência, a multidão estava definitivamente contra a lei e a favor da família, não importa o que a senhora dissesse. A coisa foi tomando proporções maiores, enquanto uma moça jovem que se escondia da chuva embaixo de um orelhão, observava tudo com um olhar diferente. Ela cutucou um manobrista, murmurou qualquer coisa e decidiu agir. Foi rápida como um raio. Num instante, numa fração de segundo correu em direção à senhora CET que, bem nessa hora, gesticulava os braços para cima, empunhada de seu bloco de multas maquiavélico. Não foi possível contar até três. Um, dois e pronto, a menina simplesmente arrancou o bloco da mão da senhora e continuou correndo, sumindo dentro das árvores da praça. A multidão, atônita, fez um segundo de silêncio e, antes que a dona do bloco conseguisse abaixar as mãos (já vazias) o público começou a aplaudir: “Uhu, boa, boa, é isso aí!!” gritavam, rindo, eufóricos enquanto a senhora de amarelo saiu também correndo, atrás da menina. Mas não havia mais jeito. A multidão já havia se manifestado e muitos correram juntos, no meio da chuva, confundindo a vilã e tornando-se cúmplices daquela desconhecida, cúmplices daqueles dois bebês e daquela pequena família que, a essa altura ria com gosto abrigada dentro do carro, ainda no lugar proibido.
Soube depois que a menina se escondeu em uma farmácia da praça. Parece que o farmacêutico levou a moça para aquela casinha da injeção e ela ficou lá, trancada, vendo todas aquelas multas que nunca se concretizariam, por quase uma hora.
Ainda hoje, ela continua a passear na praça e ficou famosa. Todo mundo a cumprimenta, pergunta o que houve com o tal bloco de notas e ela jura que jogou no lixo, mas, claro, no lixo reciclável do pão de açúcar ali do lado. Porque, afinal de contas, ela é uma menina, muito, muito correta e afeiçoada às boas práticas sociais. Ninguém discorda.
Era um típico sábado de verão em São Paulo.
O cenário era a praça Vilaboim, um lugar de calma e tranqüilidade dos descolados da cidade. Lá, nas mesinhas que ficam na calçada, jovens e famílias conversaram, petiscando e cervejando alegremente até que, como um típico dia de verão, o sol deu lugar à chuva e, num instante, grandes pingos caiam do céu. Foi aquela correria, todo mundo entrando nos bares, garçons levando as mesinhas, mulheres protegendo a chapinha, homens protegendo as cervejas. Nesse imbróglio, um pai foi correndo buscar o carro para a esposa e os bebês – gêmeos – que ela tentava esconder sobre a capa do carrinho.
Foi aí que o fato se deu. O homem chegou com o carro e estacionou na frente do bar, um lugar proibido, apenas para abrir o porta-malas, guardar o carrinho, ajeitar as crianças nas cadeiras pregadas no banco de trás e, por fim, abrigar a esposa que, a essa altura, já estava encharcada. No entanto, nesses rápidos segundos, uma senhora de amarelo apareceu com um bloco na mão. Sim, era a guarda do trânsito, uma CET, um amarelinho como dizemos nas bandas de cá. Ela começou a multar o carro do homem que, entre o carrinho e cadeirão tentava explicar, ele estava só buscando a família, era um minuto, estava chovendo, as crianças estavam gripadas, rapidinho, já estava acabando. Mas a senhora, estava irredutível e mantinha-se dizendo que lá era proibido e pronto, ele não poderia estacionar, nem por uns minutinhos e ela ia multar sim senhor.
Uma pequena multidão que se amontoava dentro dos bares começou a prestar atenção no assunto, alguns ousaram gritar, outros pediram paciência, a multidão estava definitivamente contra a lei e a favor da família, não importa o que a senhora dissesse. A coisa foi tomando proporções maiores, enquanto uma moça jovem que se escondia da chuva embaixo de um orelhão, observava tudo com um olhar diferente. Ela cutucou um manobrista, murmurou qualquer coisa e decidiu agir. Foi rápida como um raio. Num instante, numa fração de segundo correu em direção à senhora CET que, bem nessa hora, gesticulava os braços para cima, empunhada de seu bloco de multas maquiavélico. Não foi possível contar até três. Um, dois e pronto, a menina simplesmente arrancou o bloco da mão da senhora e continuou correndo, sumindo dentro das árvores da praça. A multidão, atônita, fez um segundo de silêncio e, antes que a dona do bloco conseguisse abaixar as mãos (já vazias) o público começou a aplaudir: “Uhu, boa, boa, é isso aí!!” gritavam, rindo, eufóricos enquanto a senhora de amarelo saiu também correndo, atrás da menina. Mas não havia mais jeito. A multidão já havia se manifestado e muitos correram juntos, no meio da chuva, confundindo a vilã e tornando-se cúmplices daquela desconhecida, cúmplices daqueles dois bebês e daquela pequena família que, a essa altura ria com gosto abrigada dentro do carro, ainda no lugar proibido.
Soube depois que a menina se escondeu em uma farmácia da praça. Parece que o farmacêutico levou a moça para aquela casinha da injeção e ela ficou lá, trancada, vendo todas aquelas multas que nunca se concretizariam, por quase uma hora.
Ainda hoje, ela continua a passear na praça e ficou famosa. Todo mundo a cumprimenta, pergunta o que houve com o tal bloco de notas e ela jura que jogou no lixo, mas, claro, no lixo reciclável do pão de açúcar ali do lado. Porque, afinal de contas, ela é uma menina, muito, muito correta e afeiçoada às boas práticas sociais. Ninguém discorda.
Saturday, May 23, 2009
Perguntas contemporâneas
Fumante ou não fumante? Carta de vinhos? Água pra acompanhar? Light ou normal? Pequeno ou grande? Gelo e limão no copo? É pra comer aqui ou pra levar? Sobremesa? Café? Tem carro no estacionamento? Posso incluir o serviço? Crédito ou débito?
Convênio ou particular? Qual convênio? De manhã ou a tarde? Com recibo ou sem recibo? Gota ou comprimidos? Tem cartão fidelidade Drogão?
Encontrou tudo o que procurava? O que faltou? Participa do programa mais? Precisa de ajuda até o carro?
Tem cartão amigo siciliano? Só isso mesmo? Não quer ver um pra você? É pra presente? É no débito?
Precisa de cartão zonazul aí amigo? Tem mais trocadinho não?
Vai passar claro ou escuro? Francesinha? Óleo ou spray? Tem um real?
Teve algum consumo do frigobar? Precisa de ajuda com as malas? Vai despachar bagagem?
Pode vir um pouquinho mais pra frente? Álcool ou gasolina? Comum ou aditivada? Pode completar? Água, óleo, quer que olhe? Ta baixo hein, vamos completar? Quer calibrar os pneus? Cheque?
Endereço comercial ou residencial? Conhece as vantagens do nosso cartão? Pode confirmar alguns dados?
Posso te ligar depois? É urgente?
Convênio ou particular? Qual convênio? De manhã ou a tarde? Com recibo ou sem recibo? Gota ou comprimidos? Tem cartão fidelidade Drogão?
Encontrou tudo o que procurava? O que faltou? Participa do programa mais? Precisa de ajuda até o carro?
Tem cartão amigo siciliano? Só isso mesmo? Não quer ver um pra você? É pra presente? É no débito?
Precisa de cartão zonazul aí amigo? Tem mais trocadinho não?
Vai passar claro ou escuro? Francesinha? Óleo ou spray? Tem um real?
Teve algum consumo do frigobar? Precisa de ajuda com as malas? Vai despachar bagagem?
Pode vir um pouquinho mais pra frente? Álcool ou gasolina? Comum ou aditivada? Pode completar? Água, óleo, quer que olhe? Ta baixo hein, vamos completar? Quer calibrar os pneus? Cheque?
Endereço comercial ou residencial? Conhece as vantagens do nosso cartão? Pode confirmar alguns dados?
Posso te ligar depois? É urgente?
Wednesday, May 20, 2009
20 de maio
Foi em 20 de maio de 2006. Era uma manhã nublada de sábado, dia de meu casamento. Por conta disso, eu estava dormindo na casa da minha mãe, mesmo já tendo saído de casa há algum tempo. Lembro-me que, assim que acordei, senti a garganta pegando e notei que um resfriado estava a caminho. Os vírus deveriam respeitar mais as noivas, não é? Foi um dia nublado e lindo. Na minha memória, aquele era um dia de sol e alegria.
Hoje, 20 de maio de 2009, acordei e - estranhamente - estava na casa da minha mãe. A primeira sensação que tive foi a garganta pegando, um resfriado alojando-se em mim. Foi então que, em uma fração de segundo, eu comemorei: "Viva, devo estar repetindo o dia do meu casamento! É isso! Eu gostei tanto daquele dia que os Deuses me atenderam e me deram o mesmo dia de novo, por isso estou aqui, nesse quarto da minha infância, com essa garganta meio ruim..." Eu já estava quase levantando da cama para encontrar toda a família na sala, alguns arranjos de flores espalhados, a caixa de bem-casados sobre a mesa, estaria tudo - tudo - lá, de novo, um dia repetido como prêmio, por qualquer bom trabalho que eu tenha feito. A vida é mesmo muito generosa comigo, foi o que eu pensei, quando, num instante toda essa alegria foi substituída por uma chuva de realidade. Em um segundo, como uma flecha, me veio a lembrança da real razão de eu estar ali. Hoje era um dia comum. Eu dormira na minha mãe porque estava adoentada e meu marido passara a semana fora de SP, à trabalho. Pronto, alegria desfeita, não havia quase ninguém na casa, nenhum docinho e a sala estava vazia e organizada. Não haveria um casamento. Eu não veria o meu marido diante do padre, não dançaríamos a primeira valsa, nem descobriríamos - encantados - os detalhes de um quarto luxuoso de hotel... Sequer nos encontraríamos hoje.
Ainda assim, não senti tristeza. Nos encontramos um dia, nos achamos e nos escolhemos um dia e, depois de novo, todos os dias que se seguiram... Sim, ainda que sem repetir os melhores dias uma porção de vezes, a vida é mesmo muito generosa comigo.
Hoje, 20 de maio de 2009, acordei e - estranhamente - estava na casa da minha mãe. A primeira sensação que tive foi a garganta pegando, um resfriado alojando-se em mim. Foi então que, em uma fração de segundo, eu comemorei: "Viva, devo estar repetindo o dia do meu casamento! É isso! Eu gostei tanto daquele dia que os Deuses me atenderam e me deram o mesmo dia de novo, por isso estou aqui, nesse quarto da minha infância, com essa garganta meio ruim..." Eu já estava quase levantando da cama para encontrar toda a família na sala, alguns arranjos de flores espalhados, a caixa de bem-casados sobre a mesa, estaria tudo - tudo - lá, de novo, um dia repetido como prêmio, por qualquer bom trabalho que eu tenha feito. A vida é mesmo muito generosa comigo, foi o que eu pensei, quando, num instante toda essa alegria foi substituída por uma chuva de realidade. Em um segundo, como uma flecha, me veio a lembrança da real razão de eu estar ali. Hoje era um dia comum. Eu dormira na minha mãe porque estava adoentada e meu marido passara a semana fora de SP, à trabalho. Pronto, alegria desfeita, não havia quase ninguém na casa, nenhum docinho e a sala estava vazia e organizada. Não haveria um casamento. Eu não veria o meu marido diante do padre, não dançaríamos a primeira valsa, nem descobriríamos - encantados - os detalhes de um quarto luxuoso de hotel... Sequer nos encontraríamos hoje.
Ainda assim, não senti tristeza. Nos encontramos um dia, nos achamos e nos escolhemos um dia e, depois de novo, todos os dias que se seguiram... Sim, ainda que sem repetir os melhores dias uma porção de vezes, a vida é mesmo muito generosa comigo.
Saturday, May 16, 2009
Do baú
Escrevi isso em 2003. E me surpreendo de ver como eu era corajosa...
12/09/2003
Medos
Eu tenho medos. Isso mesmo, no plural: medos.
Talvez, fique mais claro se eu escrever assim: MEDOS. São muitos e são grandes.
Ocupam espaços enormes dentro de mim. Espaços que deveriam estar preenchidos com
amor, estão lotados de medos.
Os medos travam os lugares para que ali, não entre nada. Os medos agem como se
houvesse dentro de mim, espaços confinados, escuros, desertos. Só as infinitas
possibilidades que o medo cria é que podem adentrar essas portas...
São milhares de medos, de todas as cores e formas, alguns, indizíveis até.
Além dos normais, os proibidos. Além dos banais, os ridículos.
Tenho medo de bichos pequenos, tenho medo de ralo entupido, tenho medo de
trovão, medo de gente muito alta e mais medo ainda de anão.
Tenho medo de lugares desconhecidos, tenho medo de altura, mas o medo maior é do chão.
Tenho medo de luz muito forte, medo de ficar gorda, medo de ficar velha, medo de
ficar sozinha, medo de ficar - para todo o sempre - acompanhada.
Tenho medo de tropeçar na frente de todo mundo, medo de gaguejar na hora da
apresentação, de cuspir o chiclete sem querer, de babar no sofá dos outros, de
chorar sem saber porquê.
Tenho medo de blecaute, medo de assalto, medo de dor-de-dente, medo de dor de
gente também.
Tenho medo de nunca entender, medo de sonhar alto. Mas tenho medo
de deixar de sonhar, de ser real.
Tenho medo de viver acordada para sempre.
Como posso ter tanto medo de morrer, se me apavoro tanto quando penso em viver?
Tenho medos estranhos... Medo de ficar maluca e medo de manter-me sempre lúcida.
Medo de frio e medo do fogo.
Os medos esdrúxulos também me acompanham. E se a minha língua crescer e, ficar dependurada para fora, enorme? E se eu achar um corpo no porta-malas, e todo mundo disser que fui em quem matei? E se tiver sido, mesmo?
Tenho medo ver um anjo no teto do quarto ou de morar um demônio debaixo da cama.
Medo de gente famosa, medo de gente bonita, medo de gente grande, em geral.
Tenho medo de polícia, medo de doença, medo de terremoto e de atentado
terrorista. Tenho medo que alguém morra, tenho medo que todo mundo morra, tenho
medo de nunca morrer, mas muito, muito, muito mais medo, de morrer um dia, ou
então de matar alguém - mas eu não esconderia o corpo no porta-malas.
Tenho medo de gostar, e medo de não ser gostada. Tremo de pavor quando penso que
talvez, posso gostar e ser igualmente gostada, para sempre.
Como será a penitência de uma paixão correspondida?
Tenho medo da solidão, medo do escuro, medo das sombras... Medo do fracasso e
medo do sucesso. Medo de ficar muito, muito, muito pobre e um medo igual de
ficar muito, muito, muito rica.
Fora o medo do telefone tocar e de não tocar. O medo da internet falhar, o medo
da tv apagar, de todas as luzes apagarem, de todos os sons se calarem... Fora o
medo que tenho de mim, e o medo que tenho do medo.
12/09/2003
Medos
Eu tenho medos. Isso mesmo, no plural: medos.
Talvez, fique mais claro se eu escrever assim: MEDOS. São muitos e são grandes.
Ocupam espaços enormes dentro de mim. Espaços que deveriam estar preenchidos com
amor, estão lotados de medos.
Os medos travam os lugares para que ali, não entre nada. Os medos agem como se
houvesse dentro de mim, espaços confinados, escuros, desertos. Só as infinitas
possibilidades que o medo cria é que podem adentrar essas portas...
São milhares de medos, de todas as cores e formas, alguns, indizíveis até.
Além dos normais, os proibidos. Além dos banais, os ridículos.
Tenho medo de bichos pequenos, tenho medo de ralo entupido, tenho medo de
trovão, medo de gente muito alta e mais medo ainda de anão.
Tenho medo de lugares desconhecidos, tenho medo de altura, mas o medo maior é do chão.
Tenho medo de luz muito forte, medo de ficar gorda, medo de ficar velha, medo de
ficar sozinha, medo de ficar - para todo o sempre - acompanhada.
Tenho medo de tropeçar na frente de todo mundo, medo de gaguejar na hora da
apresentação, de cuspir o chiclete sem querer, de babar no sofá dos outros, de
chorar sem saber porquê.
Tenho medo de blecaute, medo de assalto, medo de dor-de-dente, medo de dor de
gente também.
Tenho medo de nunca entender, medo de sonhar alto. Mas tenho medo
de deixar de sonhar, de ser real.
Tenho medo de viver acordada para sempre.
Como posso ter tanto medo de morrer, se me apavoro tanto quando penso em viver?
Tenho medos estranhos... Medo de ficar maluca e medo de manter-me sempre lúcida.
Medo de frio e medo do fogo.
Os medos esdrúxulos também me acompanham. E se a minha língua crescer e, ficar dependurada para fora, enorme? E se eu achar um corpo no porta-malas, e todo mundo disser que fui em quem matei? E se tiver sido, mesmo?
Tenho medo ver um anjo no teto do quarto ou de morar um demônio debaixo da cama.
Medo de gente famosa, medo de gente bonita, medo de gente grande, em geral.
Tenho medo de polícia, medo de doença, medo de terremoto e de atentado
terrorista. Tenho medo que alguém morra, tenho medo que todo mundo morra, tenho
medo de nunca morrer, mas muito, muito, muito mais medo, de morrer um dia, ou
então de matar alguém - mas eu não esconderia o corpo no porta-malas.
Tenho medo de gostar, e medo de não ser gostada. Tremo de pavor quando penso que
talvez, posso gostar e ser igualmente gostada, para sempre.
Como será a penitência de uma paixão correspondida?
Tenho medo da solidão, medo do escuro, medo das sombras... Medo do fracasso e
medo do sucesso. Medo de ficar muito, muito, muito pobre e um medo igual de
ficar muito, muito, muito rica.
Fora o medo do telefone tocar e de não tocar. O medo da internet falhar, o medo
da tv apagar, de todas as luzes apagarem, de todos os sons se calarem... Fora o
medo que tenho de mim, e o medo que tenho do medo.
Friday, May 15, 2009
Das irritações cotidianas >> Kika Coutinho
Da crônica do dia
Você está lá, comendo o seu pão de queijo delicioso, talvez recheado de requeijão, talvez puro, mas o momento é de absoluto prazer. Chega alguém. Um amigo, um parente, um inimigo. Você, gentilmente, oferece um pedaço. Pausa. Parem a cena um instante e avaliem, qual a pior resposta que podem receber desse visitante incômodo que veio só lhe dizer um “oi”? “Aceito, claro”, seguido de um esticar de mãos e uma babada no que sobrar do seu quitute. Pode parecer ruim, mas, o meu mais profundo pavor não é esse. O que me gela o coração, nessas horas, é se a pessoa pegar o pão de queijo e disser, quase que solidária, “Ah, você não quer mais?”. Pronto. Você terá de dizer: “Não, não, eu quero sim, te ofereci só um pedaço.” Ou, se for mais tímido e resignado, aceitará: “É, não queria mais mesmo”, e terá seu dia arrasado por perder o melhor pedaço dele.
Mas o sol nasceu para todos e, um dia, você experimentará o contrário. Saia para jantar com o marido, com um amigo, ou amiga, tanto faz. A noite está ótima, o cardápio é tentador, você fica em dúvida entre um prato ou outro, pede um, ele pede outro. Tudo corre bem, até que chega o jantar. O garçom vem, erguendo os pratos no alto, a sua boca começa a salivar quando ele desce aquele mais saboroso, mais apetitoso, hum, era bem isso que eu queria, você pensa quando - de repente - nota que esse é o do seu parceiro e, na sua frente, é colocado aquela pasta sem graça. “O que foi mesmo que eu pedi?” é a pergunta que não quer calar diante de uma noite sem conserto.
Embora tolas, são muitas, muitas, as bobagens que estragam o nosso dia. Telemarketing é clássico. Mas alguns comentários impertinentes e inevitáveis começam com a nossa ação. Você liga para o seu banco para fazer uma transferência. Depois de digitar milhares de números, o banco te identifica e, solícito, sai falando o seu saldo disponível, cheque especial e etc. Quem perguntou? Você pode até não querer saber, oras. E, falando em impertinente, quer coisa pior que vendedora que fica atrás de você na loja, o tempo inteiro, para depois concluir, sem ser chamada: “É calça social que você quer, né?”. Ainda nessa caso, você pode dizer que não e sair da loja. No entanto, há irritações diárias e inevitáveis para as quais apenas uma atitude muito drástica teria algum efeito.
Uma amiga me contou que tem uma colega de trabalho, uma menina nova e linda, que, um belo dia, resolveu deixar um cachinho de seu cabelo solto, caído na testa, como um pega-rapaz mesmo. Era para ser um dia bom, minha amiga estava entrando no escritório feliz, quando se deparou com a menina ali, sentada no seu computador, sorridente, com o cacho caído na testa. Parou, olhou e teve vontade de avisar, como se acabasse de ver uma alface no dente da colega, mas, em menos de um segundo notou que o pega-rapaz estava ali de propósito, saltando aos olhos escuros da menina que, certamente, estava orgulhosa da grande invenção do dia. Acontece que isso tornou-se um incômodo. A menina bonita ficara feia e cafona, agredira-se com os próprios cachos e não se pode ficar passivo diante disso. Minha amiga, coitada, levantou diversas vezes durante aquele dia, ensaiou um jeito de avisar a menina que aquilo não era certo, pensou mesmo em cortar a mecha como que por engano, ou como que surtada, ou fingindo que tinha TOC, ou qualquer coisa assim. Não conseguiu. Todos os dias, entra no escritório preocupada e tenta evitar o contato visual com a outra, de forma que não se sinta tão mal pelo constrangimento voluntário que a pobre menina se impôs. Ela, a minha pobre amiga, jura que o restaurante. o pão de queijo perdido ou a vendedora são fichinhas perto daquela mecha molenga e irritante, no rosto de sua vizinha de mesa...
Você está lá, comendo o seu pão de queijo delicioso, talvez recheado de requeijão, talvez puro, mas o momento é de absoluto prazer. Chega alguém. Um amigo, um parente, um inimigo. Você, gentilmente, oferece um pedaço. Pausa. Parem a cena um instante e avaliem, qual a pior resposta que podem receber desse visitante incômodo que veio só lhe dizer um “oi”? “Aceito, claro”, seguido de um esticar de mãos e uma babada no que sobrar do seu quitute. Pode parecer ruim, mas, o meu mais profundo pavor não é esse. O que me gela o coração, nessas horas, é se a pessoa pegar o pão de queijo e disser, quase que solidária, “Ah, você não quer mais?”. Pronto. Você terá de dizer: “Não, não, eu quero sim, te ofereci só um pedaço.” Ou, se for mais tímido e resignado, aceitará: “É, não queria mais mesmo”, e terá seu dia arrasado por perder o melhor pedaço dele.
Mas o sol nasceu para todos e, um dia, você experimentará o contrário. Saia para jantar com o marido, com um amigo, ou amiga, tanto faz. A noite está ótima, o cardápio é tentador, você fica em dúvida entre um prato ou outro, pede um, ele pede outro. Tudo corre bem, até que chega o jantar. O garçom vem, erguendo os pratos no alto, a sua boca começa a salivar quando ele desce aquele mais saboroso, mais apetitoso, hum, era bem isso que eu queria, você pensa quando - de repente - nota que esse é o do seu parceiro e, na sua frente, é colocado aquela pasta sem graça. “O que foi mesmo que eu pedi?” é a pergunta que não quer calar diante de uma noite sem conserto.
Embora tolas, são muitas, muitas, as bobagens que estragam o nosso dia. Telemarketing é clássico. Mas alguns comentários impertinentes e inevitáveis começam com a nossa ação. Você liga para o seu banco para fazer uma transferência. Depois de digitar milhares de números, o banco te identifica e, solícito, sai falando o seu saldo disponível, cheque especial e etc. Quem perguntou? Você pode até não querer saber, oras. E, falando em impertinente, quer coisa pior que vendedora que fica atrás de você na loja, o tempo inteiro, para depois concluir, sem ser chamada: “É calça social que você quer, né?”. Ainda nessa caso, você pode dizer que não e sair da loja. No entanto, há irritações diárias e inevitáveis para as quais apenas uma atitude muito drástica teria algum efeito.
Uma amiga me contou que tem uma colega de trabalho, uma menina nova e linda, que, um belo dia, resolveu deixar um cachinho de seu cabelo solto, caído na testa, como um pega-rapaz mesmo. Era para ser um dia bom, minha amiga estava entrando no escritório feliz, quando se deparou com a menina ali, sentada no seu computador, sorridente, com o cacho caído na testa. Parou, olhou e teve vontade de avisar, como se acabasse de ver uma alface no dente da colega, mas, em menos de um segundo notou que o pega-rapaz estava ali de propósito, saltando aos olhos escuros da menina que, certamente, estava orgulhosa da grande invenção do dia. Acontece que isso tornou-se um incômodo. A menina bonita ficara feia e cafona, agredira-se com os próprios cachos e não se pode ficar passivo diante disso. Minha amiga, coitada, levantou diversas vezes durante aquele dia, ensaiou um jeito de avisar a menina que aquilo não era certo, pensou mesmo em cortar a mecha como que por engano, ou como que surtada, ou fingindo que tinha TOC, ou qualquer coisa assim. Não conseguiu. Todos os dias, entra no escritório preocupada e tenta evitar o contato visual com a outra, de forma que não se sinta tão mal pelo constrangimento voluntário que a pobre menina se impôs. Ela, a minha pobre amiga, jura que o restaurante. o pão de queijo perdido ou a vendedora são fichinhas perto daquela mecha molenga e irritante, no rosto de sua vizinha de mesa...
Thursday, May 7, 2009
Ele me ensinou
Não foi uma crônica, mas saiu lá, na crônica do dia...
Ele ensinou a gostar de salada, eu o ensinei a não recusar a sobremesa.
Ele me ensinou a usar tênis, eu o ensinei a usar camisa pólo
Ele me ensinou a assoviar, eu o ensinei a gritar.
Ele me ensinou a ser forte, eu o ensinei a ser calmo
Ele me ensinou a correr, eu o ensinei a andar um pouco mais devagar.
Ele me ensinou a achar todos os caminhos da cidade, eu o ensinei a perder-se um pucadinho...
Ele me ensinou a fazer musculação, eu o ensinei a dormir até mais tarde.
Ele me ensinou a persistir, eu o ensinei a boa prática de, vez outra, desistir
Ele me ensinou a gostar de trabalhar, eu o ensinei a gostar de estudar.
Ele me ensinou a ser pontual, eu o ensinei a perder a hora.
Ele me ensinou a usar o excel, eu o ensinei a ler blogs.
Ele me ensinou a comer queijo trancinha, graviola, e rúcula.
Mas eu o apresentei os sorvetes Rochinhas - e sei que ele será grato por isso, até o fim dos tempos.
Eu o ensinei Fabio Jr e ele me mostrou Jack Johnson.
Ele me ensinou toda a matemática que eu sei, mas eu o ensinei um pouco do meu português.
Ele me ensinou sobre a bolsa de valores e eu sobre as bolsas de couro.
Ele me ensinou a entender o caderno de economia e eu o ensinei poesia...
Ele me ensinou a conhecer o mundo, eu apresentei-lhe a própria casa...
Ele ensinou a gostar de salada, eu o ensinei a não recusar a sobremesa.
Ele me ensinou a usar tênis, eu o ensinei a usar camisa pólo
Ele me ensinou a assoviar, eu o ensinei a gritar.
Ele me ensinou a ser forte, eu o ensinei a ser calmo
Ele me ensinou a correr, eu o ensinei a andar um pouco mais devagar.
Ele me ensinou a achar todos os caminhos da cidade, eu o ensinei a perder-se um pucadinho...
Ele me ensinou a fazer musculação, eu o ensinei a dormir até mais tarde.
Ele me ensinou a persistir, eu o ensinei a boa prática de, vez outra, desistir
Ele me ensinou a gostar de trabalhar, eu o ensinei a gostar de estudar.
Ele me ensinou a ser pontual, eu o ensinei a perder a hora.
Ele me ensinou a usar o excel, eu o ensinei a ler blogs.
Ele me ensinou a comer queijo trancinha, graviola, e rúcula.
Mas eu o apresentei os sorvetes Rochinhas - e sei que ele será grato por isso, até o fim dos tempos.
Eu o ensinei Fabio Jr e ele me mostrou Jack Johnson.
Ele me ensinou toda a matemática que eu sei, mas eu o ensinei um pouco do meu português.
Ele me ensinou sobre a bolsa de valores e eu sobre as bolsas de couro.
Ele me ensinou a entender o caderno de economia e eu o ensinei poesia...
Ele me ensinou a conhecer o mundo, eu apresentei-lhe a própria casa...
Thursday, April 30, 2009
Sunday, April 26, 2009
O milagre
Foi hoje que aconteceu. Eu fiz um milagre. Ou, talvez não tenha sido eu, mas um milagre me aconteceu. Devia ser cerca de 7 horas da manhã; eu acordei e vi que era segunda-feira. Me deu um tristeza profuuuuunda, uma preguiça enooorme, e eu comecei a pensar, com toda a força da minha mente: "Por favor seja domingo, por favor seja domingo, seja domingo, seja domingo, seja domingo, seja domingo, seja domingo, seja domingo, seja domingo, por favor, seja domingo, só dessa vez, por favor seja domingo!". E daí, pensando isso continuamente, adormeci. Quando acordei de novo, lá pelas 9, supresa: Era domingo! Fiquei encantada com o meu poder e, enquanto meu marido diz que sempre foi domingo, que eu devo ter sonhado, eu comemoro um domingo novinho que, todos nós vivemos, graças ao poder da minha mente. Não é incrível?
A propósito, porque eu não pedi pra ser sábado hein?
Monday, April 20, 2009
Na rua
O que eu mais gosto de sairmos juntos é que, inevitavelmente, ele conversa com os homens, e eu, com as mulheres.
Quando voltamos, já no caminho, é como se a saída começasse de novo. Ele contando as impressões e conversas dele, e eu as minhas.
Assim, em uma única noite, vivemos muito mais do que uma única pessoa.
Por isso que os casais saem tão pouco, entenderam?
Quando voltamos, já no caminho, é como se a saída começasse de novo. Ele contando as impressões e conversas dele, e eu as minhas.
Assim, em uma única noite, vivemos muito mais do que uma única pessoa.
Por isso que os casais saem tão pouco, entenderam?
Thursday, April 16, 2009
Crônica do dia
O blog dela me inspirou e eu escrevi no blog dele. E assim caminha a humanidade...
REMAR E BOIAR
Não fui eu que inventei a expressão. Achei no site dela, em algum momento em que ela falava sobre o desgaste de um trabalho duro, e a alegria de um dia a mercê do vento.
Acontece que nunca mais me esqueci da soma dessas duas palavras e, vira e mexe, enquanto estou remando, remando muito, imploro que o vento me ajude e deixe-me boiar por alguns segundos. Explico: Remar e boiar. Remar é trabalhar, boiar é descansar. Remar é fazer força, boiar é relaxar. Remar é enfrentar chefe, boiar é brincar com o filho. Remar é fila no supermercado, boiar é o sofá. Remar é o Jornal Nacional, boiar é TV Fama. Remar é pensar, boiar é esvaziar-se...
Há casamentos que são mais remar, outros, deliciosos, são feitos de boiar. Mas todos os relacionamentos, todos, exigem as duas atividades. Na hora de ceder, brigar, ou simplesmente aturar, somos remadores fortes. Remamos quando respiramos fundo mesmo diante da toalha molhada sobre a cama, remamos quando damos explicações longas para problemas pequenos, remamos quando disfarçamos os gastos, ou quando murchamos a barriga. Já na hora de brincar, rir e rachar uma pizza, costumamos boiar encantados. Boiamos quando nos aconchegamos no braço alheio, boiamos quando rimos de uma piada idiota, boiamos quando dançamos, sozinhos, numa pequena sala vazia...
E no trabalho, não é diferente. Normalmente trabalho é remar arduamente, mas, alguns trabalhos têm longos períodos boiando. Não é o meu caso. No meu trabalho, sinto-me remar até arder os braços. Fazer planilha no excel é remar, reportar relatórios mirabolantes é remar, dar explicações de horário é remar muito. As vezes, algumas vezes, tenho um almoço tão leve e divertido com as amigas que, mesmo no escritório dos campeões de remo, sinto-me boiar por uma curta hora. Acontece. Mas há um ou outro sortudo que vive de boiar. Sério, existe gente que ganha para boiar e, esses, devem ter os braços fracos, mas o coração aquecido. Outro dia ouvi dizer de uma moça que a profissão dela é “conversadora”. Sim, ela organiza e realiza conversas. Aquilo que a gente faz no cafezinho, correndo, é o dia-a-dia dela. Boiar levemente, sob águas mornas - inclusive.
Mas esses representam uma pequena minoria. Há também aqueles que nem trabalham, mas esforçam-se tanto em tudo o que fazem, que chegam ao fim da vida sentindo seus braços dormentes de tanto remar. Tantos que passam a vida toda remando, com o filhos, com a família, com a casa, com o trabalho, seja lá o que for trabalho. Tornam-se cansados e, nos casos mais tristes, desaprendem a boiar. Viram amargurados e mesquinhos. Se, por ventura, pegam-se boiando num almoço de domingo, quase que assustam-se com o peso leve do corpo, dentro da água. Não raro voltam a mastigar a sua alface com a mesma apatia de antes. Sim, porque comer alface, para a maior parte das pessoas, é remar. Já chocolate, hambúrguer, sorvete e macarrão, isso é boiar com sabedoria. Curtir é boiar. Preocupar-se é remar. Navegar sem destino na net, lendo blogs até perder a hora, é boiar um pucadinho. Fazer imposto de renda é remar. Achar um eletricista, um encanador, um marceneiro, é ser um mestre do remo. Quase que primeiro lugar. Eu ando estou a milhas de distância desses atletas. Mas aprendia a boiar com uma leveza sem tamanho.
Sim, porque, se remar precisa ser aprendido, boiar também. É outro aprendizado, outro formato, mas é necessário aprender, porque não é qualidade de todo mundo boiar. A felicidade, essa danada, é dom de alguns, conquista de outros, e utopia para tantos. Já o remo, ah o remo é dado a todos, em algum momento da vida.... Se você ainda não recebeu o seu, atente-se. Logo terá um remo nos braços e, quando a correnteza estiver forte, você só pode remar ou boiar. Caso contrário, é afogar-se na certa...
REMAR E BOIAR
Não fui eu que inventei a expressão. Achei no site dela, em algum momento em que ela falava sobre o desgaste de um trabalho duro, e a alegria de um dia a mercê do vento.
Acontece que nunca mais me esqueci da soma dessas duas palavras e, vira e mexe, enquanto estou remando, remando muito, imploro que o vento me ajude e deixe-me boiar por alguns segundos. Explico: Remar e boiar. Remar é trabalhar, boiar é descansar. Remar é fazer força, boiar é relaxar. Remar é enfrentar chefe, boiar é brincar com o filho. Remar é fila no supermercado, boiar é o sofá. Remar é o Jornal Nacional, boiar é TV Fama. Remar é pensar, boiar é esvaziar-se...
Há casamentos que são mais remar, outros, deliciosos, são feitos de boiar. Mas todos os relacionamentos, todos, exigem as duas atividades. Na hora de ceder, brigar, ou simplesmente aturar, somos remadores fortes. Remamos quando respiramos fundo mesmo diante da toalha molhada sobre a cama, remamos quando damos explicações longas para problemas pequenos, remamos quando disfarçamos os gastos, ou quando murchamos a barriga. Já na hora de brincar, rir e rachar uma pizza, costumamos boiar encantados. Boiamos quando nos aconchegamos no braço alheio, boiamos quando rimos de uma piada idiota, boiamos quando dançamos, sozinhos, numa pequena sala vazia...
E no trabalho, não é diferente. Normalmente trabalho é remar arduamente, mas, alguns trabalhos têm longos períodos boiando. Não é o meu caso. No meu trabalho, sinto-me remar até arder os braços. Fazer planilha no excel é remar, reportar relatórios mirabolantes é remar, dar explicações de horário é remar muito. As vezes, algumas vezes, tenho um almoço tão leve e divertido com as amigas que, mesmo no escritório dos campeões de remo, sinto-me boiar por uma curta hora. Acontece. Mas há um ou outro sortudo que vive de boiar. Sério, existe gente que ganha para boiar e, esses, devem ter os braços fracos, mas o coração aquecido. Outro dia ouvi dizer de uma moça que a profissão dela é “conversadora”. Sim, ela organiza e realiza conversas. Aquilo que a gente faz no cafezinho, correndo, é o dia-a-dia dela. Boiar levemente, sob águas mornas - inclusive.
Mas esses representam uma pequena minoria. Há também aqueles que nem trabalham, mas esforçam-se tanto em tudo o que fazem, que chegam ao fim da vida sentindo seus braços dormentes de tanto remar. Tantos que passam a vida toda remando, com o filhos, com a família, com a casa, com o trabalho, seja lá o que for trabalho. Tornam-se cansados e, nos casos mais tristes, desaprendem a boiar. Viram amargurados e mesquinhos. Se, por ventura, pegam-se boiando num almoço de domingo, quase que assustam-se com o peso leve do corpo, dentro da água. Não raro voltam a mastigar a sua alface com a mesma apatia de antes. Sim, porque comer alface, para a maior parte das pessoas, é remar. Já chocolate, hambúrguer, sorvete e macarrão, isso é boiar com sabedoria. Curtir é boiar. Preocupar-se é remar. Navegar sem destino na net, lendo blogs até perder a hora, é boiar um pucadinho. Fazer imposto de renda é remar. Achar um eletricista, um encanador, um marceneiro, é ser um mestre do remo. Quase que primeiro lugar. Eu ando estou a milhas de distância desses atletas. Mas aprendia a boiar com uma leveza sem tamanho.
Sim, porque, se remar precisa ser aprendido, boiar também. É outro aprendizado, outro formato, mas é necessário aprender, porque não é qualidade de todo mundo boiar. A felicidade, essa danada, é dom de alguns, conquista de outros, e utopia para tantos. Já o remo, ah o remo é dado a todos, em algum momento da vida.... Se você ainda não recebeu o seu, atente-se. Logo terá um remo nos braços e, quando a correnteza estiver forte, você só pode remar ou boiar. Caso contrário, é afogar-se na certa...
Thursday, April 9, 2009
O Computador >> Ana Coutinho
Querendo ser macaca, na crônica do dia. Hoje.
Eu devia ter uns 11 anos, não mais do que isso. Era década de 80 e meu cunhado, que acabara de voltar de uma viagem de trabalho à Alemanha, relatava a todos os familiares, na mesa de jantar: “Lá, todo mundo tem um computador. Sabe, um desses, pequenos??” as pessoas se entreolhavam, incrédulas: “Como assim? Computador, desses que a gente vê nos escritórios, em uma sala longe?”. Isso - Ele respondia com uma empolgação contagiante – “Isso, cada um tem uma daqueles nas suas mesas. Cada um tem um, todo mundo tem um computador, entende??”.
As pessoas ficaram impressionadas enquanto ele continuava, prevendo que, um dia, isso aconteceria no Brasil. Cada um teria o seu próprio computador, as pessoas sentariam em mesas longas e o papel iria acabar. Eu, calada, comendo ovo frito, pensava para que serviria isso. Um troço tão pesado, porque não dividir? Para mim, era a mesma coisa que cada um ter a sua televisão, imagine o transtorno disso... Mesas longas com as televisões enfileiradas, para que cada um pudesse ver o seu canal predileto, sentados em filas também, mãos baixas, olhares fixos.
Acontece que eu estava errada e ele certo. Com exceção do término do papel, as previsões dele se concretizaram muito mais rápido do que qualquer um poderia imaginar. Quando, 10 anos depois, eu entrei no mercado de trabalho, já tinha o meu próprio computador, e era apenas uma estagiária. Os chefes tinham notebooks, as máquinas incríveis que olhávamos meio de rabo de olho, porque queríamos fingir que era natural. Não era. Aliás, até hoje, não acho natural que cada um tenha o seu computador. Não acho nada, nada natural aquele escritório lotado, as mulheres fantasiadas de saltos e os homens fantasiados de gravata. Se tinha um traje obrigatório, porque não pijamas? Ou, se era pra ser fantasia, porque não e piratas e princesas? Ou, muito melhor, bruxas.
Hoje, quando assisto à vida nos escritórios, ao stress, às mentiras, às aparências, sempre penso que é ridículo nos enquadramos na raça animal. Que animal?? Que animal, por mais estúpido que seja, iria chorar escondido numa casinha apertada do banheiro? Que animal, iria lotar a cara de pó pra parecer mais jovem? Qual deles iria querer a caneta mais chique, ou iria dependurar gravata nos seus pescoços, todo santo dia, sem que fossem obrigados a isso? Eles são mais inteligentes do que nós. Nunca aceitariam esses faróis imbecis que a cidade insiste em colocar para piorar ainda mais o trânsito. Sempre que vejo um novo farol, com a típica fila de carros a espera da luz verde, desejo ser um gorila, pular sobre todos os carros da frente e, escalando o poste do farol, arrancar a luz vermelha com minhas grossas patas e babar em todo mundo que estiver abaixo... Normalmente, quando chego nessa parte do pensamento, o farol abre e ando um pucadinho. Bem pouquinho mesmo. Apenas o suficiente para desviar o pensamento e lembrar que, talvez, tenhamos até certa grandeza. Quem sabe, sejamos mesmo superiores em algumas coisas até porque, nenhum animal, nunca, suportaria buzina e coca-cola e ar-condicionado por tanto tempo, como só nós - os inteligentes - somos capazes de fazer.
Eu devia ter uns 11 anos, não mais do que isso. Era década de 80 e meu cunhado, que acabara de voltar de uma viagem de trabalho à Alemanha, relatava a todos os familiares, na mesa de jantar: “Lá, todo mundo tem um computador. Sabe, um desses, pequenos??” as pessoas se entreolhavam, incrédulas: “Como assim? Computador, desses que a gente vê nos escritórios, em uma sala longe?”. Isso - Ele respondia com uma empolgação contagiante – “Isso, cada um tem uma daqueles nas suas mesas. Cada um tem um, todo mundo tem um computador, entende??”.
As pessoas ficaram impressionadas enquanto ele continuava, prevendo que, um dia, isso aconteceria no Brasil. Cada um teria o seu próprio computador, as pessoas sentariam em mesas longas e o papel iria acabar. Eu, calada, comendo ovo frito, pensava para que serviria isso. Um troço tão pesado, porque não dividir? Para mim, era a mesma coisa que cada um ter a sua televisão, imagine o transtorno disso... Mesas longas com as televisões enfileiradas, para que cada um pudesse ver o seu canal predileto, sentados em filas também, mãos baixas, olhares fixos.
Acontece que eu estava errada e ele certo. Com exceção do término do papel, as previsões dele se concretizaram muito mais rápido do que qualquer um poderia imaginar. Quando, 10 anos depois, eu entrei no mercado de trabalho, já tinha o meu próprio computador, e era apenas uma estagiária. Os chefes tinham notebooks, as máquinas incríveis que olhávamos meio de rabo de olho, porque queríamos fingir que era natural. Não era. Aliás, até hoje, não acho natural que cada um tenha o seu computador. Não acho nada, nada natural aquele escritório lotado, as mulheres fantasiadas de saltos e os homens fantasiados de gravata. Se tinha um traje obrigatório, porque não pijamas? Ou, se era pra ser fantasia, porque não e piratas e princesas? Ou, muito melhor, bruxas.
Hoje, quando assisto à vida nos escritórios, ao stress, às mentiras, às aparências, sempre penso que é ridículo nos enquadramos na raça animal. Que animal?? Que animal, por mais estúpido que seja, iria chorar escondido numa casinha apertada do banheiro? Que animal, iria lotar a cara de pó pra parecer mais jovem? Qual deles iria querer a caneta mais chique, ou iria dependurar gravata nos seus pescoços, todo santo dia, sem que fossem obrigados a isso? Eles são mais inteligentes do que nós. Nunca aceitariam esses faróis imbecis que a cidade insiste em colocar para piorar ainda mais o trânsito. Sempre que vejo um novo farol, com a típica fila de carros a espera da luz verde, desejo ser um gorila, pular sobre todos os carros da frente e, escalando o poste do farol, arrancar a luz vermelha com minhas grossas patas e babar em todo mundo que estiver abaixo... Normalmente, quando chego nessa parte do pensamento, o farol abre e ando um pucadinho. Bem pouquinho mesmo. Apenas o suficiente para desviar o pensamento e lembrar que, talvez, tenhamos até certa grandeza. Quem sabe, sejamos mesmo superiores em algumas coisas até porque, nenhum animal, nunca, suportaria buzina e coca-cola e ar-condicionado por tanto tempo, como só nós - os inteligentes - somos capazes de fazer.
Saturday, April 4, 2009
Diferenças
Mal posso acreditar que já faz 5 anos que escrevi isso. Eu existia, há 5 anos?
14/12/2003
Tenho diferenças entre mim e mim mesma...
Meu pé esquerdo é mais esparramado que o direito,
Meu peito direito é menor do que o esquerdo,
Já entre as mãos há diferentes habilidades:
Com a esquerda eu escrevo, com a direita arremesso.
A sombrancelha direita tem mais pelo, a esquerda, porém, é mais longa.
Quando sorrio nasce uma covinha do lado esquerdo, enquanto o outro permanece inteiro e cheio.
Quando choro é só um olho que derrama lágrimas. O outro fica fingindo que chora enquanto vê o mundo claro.
Quando sinto cheiro é pelo lado direito, que o esquerdo anda sempre entupido.
Tenho diferenças entre mim e mim mesma.
Como se aqui morassem duas,
A da esquerda é mais gorda, a da direita mais seca,
Um lado com muitos pelos, outro, com muitas falhas,
Uma parte esparramada a outra espremida.
Alguém que respira, alguém que sufoca.
Ninguém sabe, ninguém nota que as duas, teimosas, crescem para lados diferentes, enxergam as coisas de forma distintas e sofrem ou alegram-se sozinhas, cada uma do seu lado, cada uma do seu jeito.
As duas fazem as diferenças que tenho de mim, comigo mesma.
Por culpa delas sou assim, contraditória. Grande e pequena, cheia e vazia.
Por culpa delas não sou nada, sou tudo, muito e pouco, céu e inferno, barulho e silêncio.
Quem, com pés diferentes, não tropeça?
Quem com mãos opostas, consegue segurar firme?
Nem eu, que conheço as duas e traço o caminho, sigo o rumo, passo a vida tentando apresentá-las uma a outra, suas metades, esperando que digam: “Olá, muito prazer, somos vizinhas, quer entrar?”
Mas não. Ora sou uma, ora outra. Ora acho isso, ora isso é uma tontice. Ora avanço, ora recuo. Não sou sempre eu. Sou eu e, do outro lado, aqui, em algum lugar, eu mesma.
14/12/2003
Tenho diferenças entre mim e mim mesma...
Meu pé esquerdo é mais esparramado que o direito,
Meu peito direito é menor do que o esquerdo,
Já entre as mãos há diferentes habilidades:
Com a esquerda eu escrevo, com a direita arremesso.
A sombrancelha direita tem mais pelo, a esquerda, porém, é mais longa.
Quando sorrio nasce uma covinha do lado esquerdo, enquanto o outro permanece inteiro e cheio.
Quando choro é só um olho que derrama lágrimas. O outro fica fingindo que chora enquanto vê o mundo claro.
Quando sinto cheiro é pelo lado direito, que o esquerdo anda sempre entupido.
Tenho diferenças entre mim e mim mesma.
Como se aqui morassem duas,
A da esquerda é mais gorda, a da direita mais seca,
Um lado com muitos pelos, outro, com muitas falhas,
Uma parte esparramada a outra espremida.
Alguém que respira, alguém que sufoca.
Ninguém sabe, ninguém nota que as duas, teimosas, crescem para lados diferentes, enxergam as coisas de forma distintas e sofrem ou alegram-se sozinhas, cada uma do seu lado, cada uma do seu jeito.
As duas fazem as diferenças que tenho de mim, comigo mesma.
Por culpa delas sou assim, contraditória. Grande e pequena, cheia e vazia.
Por culpa delas não sou nada, sou tudo, muito e pouco, céu e inferno, barulho e silêncio.
Quem, com pés diferentes, não tropeça?
Quem com mãos opostas, consegue segurar firme?
Nem eu, que conheço as duas e traço o caminho, sigo o rumo, passo a vida tentando apresentá-las uma a outra, suas metades, esperando que digam: “Olá, muito prazer, somos vizinhas, quer entrar?”
Mas não. Ora sou uma, ora outra. Ora acho isso, ora isso é uma tontice. Ora avanço, ora recuo. Não sou sempre eu. Sou eu e, do outro lado, aqui, em algum lugar, eu mesma.
Sunday, March 29, 2009
Are Baba
Essa novela das 8 tem muitas coisas engraçadas. Adoro o tal do Hatcha... Nem sei o que é, mas a Maya vive dizendo Hatcha, sussurando bem baixinho, com voz sexy, Haaatcha, ela diz como se fosse um segredo inviolável... Também adoro aquilo que é auspicioso e não auspicioso, mas, o mais engraçado é essa coisa de beijar os pés dos mais velhos. Se tivéssemos esse costume aqui no Brasil, eu, pessoalmente, sempre ficaria na dúvida. Eu tenho 31 e sou normal, mas ta cheio de quarentona que parece mais nova que eu. E aí? Eles nunca ficam na dúvida? Eu ficaria ofendidíssima se, de repente, uma quarentona sarada dessas se abaixasse pra beijar meu pé. Já pensou? Pronto, faleci!
E, quase que pior, se eu me abaixo pra beijar os pés de alguém, e a pessoa é 5 anos mais nova que eu? Como eles fazem pra saber? E será que sempre tem que fazer? até o fim da vida? Tipo, a Hebe encontra a Dercy Gonçalvez. E aí? Hebe se abaixa e pode não subir mais. Não tá certo isso.
Se bem que eu, 50 anos a menos que a Gracinha, acho que travaria no joelho de alguém e lá ficaria, fingindo que coçava o meu pé, ou que tinha um respeito tão imensurável pela pessoa, que sequer conseguiria me levantar. Pronto, danou-se, travei e ainda sou jovem. Os outros é que se abaixem se quiser. E, como diria Katylene, Hare Baba Brasil!
E, quase que pior, se eu me abaixo pra beijar os pés de alguém, e a pessoa é 5 anos mais nova que eu? Como eles fazem pra saber? E será que sempre tem que fazer? até o fim da vida? Tipo, a Hebe encontra a Dercy Gonçalvez. E aí? Hebe se abaixa e pode não subir mais. Não tá certo isso.
Se bem que eu, 50 anos a menos que a Gracinha, acho que travaria no joelho de alguém e lá ficaria, fingindo que coçava o meu pé, ou que tinha um respeito tão imensurável pela pessoa, que sequer conseguiria me levantar. Pronto, danou-se, travei e ainda sou jovem. Os outros é que se abaixem se quiser. E, como diria Katylene, Hare Baba Brasil!
Thursday, March 26, 2009
A CRISE
A pior crise de todos os tempo. Na crônica do dia.
Todo mundo fala tanto na crise, que eu sinto-me um pouco constrangida de dizer que não a conheço. Ou, talvez, ela sempre tenha vivido comigo, a danada, e por isso não a estranho.
Perguntei para o meu marido da nossa crise. Ele insiste em dizer que nunca tivemos. Mas já tivemos sim. Só eu, contabilizo duas. E sou especialista na mais grave dela, que carinhosamente chamo de crise da tosse.
Começou uma noite qualquer, uma noite normal, quando ele não conseguiu dormir: “estou com uma tossinha chata” disse, se levantando na madrugada.
Voltou em alguns minutos e eu achei que estivesse melhor, mas quando meus olhos já estavam fechados, lá vinha: “cof, cof, cof”. Eu, como uma boa esposa, sugeri um mel, me ofereci para fazer um chá, falei doce e calmamente com ele, esperando que adormecesse, mas não aconteceu. Durou horas, talvez a noite inteira, mas acabamos por adormecer, quase de manhã. Dia seguinte, fui logo perguntando:
- Ô, que tosse essa noite hein amorzão?
- Pois é. Mas já passou, viu? Não tô com nada.
Ufa. Meus ombros até relaxaram, eu dormiria, enfim.
Porém, quando a noite chegou, qual foi a minha surpresa ao notar que o homem curado, são, inteiraço, voltou a tossir. E – pior – a tosse era ainda mais alta. Levantava, voltava, tossia, virava pra um lado, pra outro, tossia mais, enquanto eu enlouquecia, tentando meditar: “Dalai Lama, Dalai Lama, Dalai Lama”. Nada funcionou. Eu só tinha duas opções, bater na cabeça dele com o abajur, ou levantar. Escolhi a segunda. Ofereci chá, mel, massagem, até dinheiro eu ofereci pra ele, mas nada – nada resolvia. Foi uma noite inteira em claro. De dia, com olheiras, esbravejei: “Pó meu, assim não dá né Lin!” Ele, resignado, disse que estava morto de cansaço, mas sentia a tosse curada. “Sei..” resmunguei sem saber o que me esperava. Comprei um xarope, por via das dúvidas. A caixa prometia alívio imediato. Imediato é que não seria, porque eu só descansaria a noite. Acontece que, ainda naquela noite, ele tossiu. E o xarope que produzia alívio imediato quase foi lançado pela janela. Alívio imediato pro bolso do fabricante né? Eu esbravejava enquanto ele tossia. A tortura continuou, noite após noite esse homem tossia, tossia, tossia. Eu não sabia mais o que fazer. Já tinha sido educada, carinhosa, sedutora, louca, já tinha gritado e saído do quarto. Houve uma noite, inclusive, que comecei a chorar. Ele tossia e eu chorava: “o que foi amor?” dizia entre um cof-cof e outro. “Nadaaaaaa” eu respondia, entre lágrimas, torturada pela privação de sonos e pensando que, meu Deus, as pessoas diziam que casamento era difícil, porque foi que eu não acreditei?! As estatísticas sempre haviam escancarado o número de divórcios e eu, no meio da madrugada, me via como mais um número, dos jornais. “Tivemos uma crise” diria aos amigos. “Todos os casais tem crises, eu sei. Mas essa, essa foi muito grave” se perguntassem se foi traição ou tóxico, eu responderia, lamentando: “Quem dera....” foi muito pior.
Em alguma madrugada qualquer, fomos até farmácia e, em pânico, imploramos algum remédio que funcionasse. Eu sei que o certo era ir ao médico, mas a gente precisava de alívio IMEDIATO entende? O farmacêutico nos entregou uma caixinha, e advertiu: “Esse remédio é muito forte, tem de ter cuidado”. Cuidado quem tinha que ter era o meu marido. Eu já havia pulado da hipótese do divórcio para a hipótese do assassinato, o que não ocorreu, graças ao remedinho maravilhoso. Foi a minha primeira noite de sono em semanas. Ele tomou o comprimidinho, e, menos de uma hora depois, capotou. Fiquei tão impressionada que cheguei a checar se ele não tinha morrido, coitado. Será que assassinei, sem nem saber? Não, ufa... Era só o começo do fim da pior crise de todos os tempos. Essa sim, não foi marolinha não...
Todo mundo fala tanto na crise, que eu sinto-me um pouco constrangida de dizer que não a conheço. Ou, talvez, ela sempre tenha vivido comigo, a danada, e por isso não a estranho.
Perguntei para o meu marido da nossa crise. Ele insiste em dizer que nunca tivemos. Mas já tivemos sim. Só eu, contabilizo duas. E sou especialista na mais grave dela, que carinhosamente chamo de crise da tosse.
Começou uma noite qualquer, uma noite normal, quando ele não conseguiu dormir: “estou com uma tossinha chata” disse, se levantando na madrugada.
Voltou em alguns minutos e eu achei que estivesse melhor, mas quando meus olhos já estavam fechados, lá vinha: “cof, cof, cof”. Eu, como uma boa esposa, sugeri um mel, me ofereci para fazer um chá, falei doce e calmamente com ele, esperando que adormecesse, mas não aconteceu. Durou horas, talvez a noite inteira, mas acabamos por adormecer, quase de manhã. Dia seguinte, fui logo perguntando:
- Ô, que tosse essa noite hein amorzão?
- Pois é. Mas já passou, viu? Não tô com nada.
Ufa. Meus ombros até relaxaram, eu dormiria, enfim.
Porém, quando a noite chegou, qual foi a minha surpresa ao notar que o homem curado, são, inteiraço, voltou a tossir. E – pior – a tosse era ainda mais alta. Levantava, voltava, tossia, virava pra um lado, pra outro, tossia mais, enquanto eu enlouquecia, tentando meditar: “Dalai Lama, Dalai Lama, Dalai Lama”. Nada funcionou. Eu só tinha duas opções, bater na cabeça dele com o abajur, ou levantar. Escolhi a segunda. Ofereci chá, mel, massagem, até dinheiro eu ofereci pra ele, mas nada – nada resolvia. Foi uma noite inteira em claro. De dia, com olheiras, esbravejei: “Pó meu, assim não dá né Lin!” Ele, resignado, disse que estava morto de cansaço, mas sentia a tosse curada. “Sei..” resmunguei sem saber o que me esperava. Comprei um xarope, por via das dúvidas. A caixa prometia alívio imediato. Imediato é que não seria, porque eu só descansaria a noite. Acontece que, ainda naquela noite, ele tossiu. E o xarope que produzia alívio imediato quase foi lançado pela janela. Alívio imediato pro bolso do fabricante né? Eu esbravejava enquanto ele tossia. A tortura continuou, noite após noite esse homem tossia, tossia, tossia. Eu não sabia mais o que fazer. Já tinha sido educada, carinhosa, sedutora, louca, já tinha gritado e saído do quarto. Houve uma noite, inclusive, que comecei a chorar. Ele tossia e eu chorava: “o que foi amor?” dizia entre um cof-cof e outro. “Nadaaaaaa” eu respondia, entre lágrimas, torturada pela privação de sonos e pensando que, meu Deus, as pessoas diziam que casamento era difícil, porque foi que eu não acreditei?! As estatísticas sempre haviam escancarado o número de divórcios e eu, no meio da madrugada, me via como mais um número, dos jornais. “Tivemos uma crise” diria aos amigos. “Todos os casais tem crises, eu sei. Mas essa, essa foi muito grave” se perguntassem se foi traição ou tóxico, eu responderia, lamentando: “Quem dera....” foi muito pior.
Em alguma madrugada qualquer, fomos até farmácia e, em pânico, imploramos algum remédio que funcionasse. Eu sei que o certo era ir ao médico, mas a gente precisava de alívio IMEDIATO entende? O farmacêutico nos entregou uma caixinha, e advertiu: “Esse remédio é muito forte, tem de ter cuidado”. Cuidado quem tinha que ter era o meu marido. Eu já havia pulado da hipótese do divórcio para a hipótese do assassinato, o que não ocorreu, graças ao remedinho maravilhoso. Foi a minha primeira noite de sono em semanas. Ele tomou o comprimidinho, e, menos de uma hora depois, capotou. Fiquei tão impressionada que cheguei a checar se ele não tinha morrido, coitado. Será que assassinei, sem nem saber? Não, ufa... Era só o começo do fim da pior crise de todos os tempos. Essa sim, não foi marolinha não...
Tuesday, March 24, 2009
Idéia
Toda vez é a mesma coisa.
Check-in, mala, correria, fila de embarque... E, toda vez, enquanto espero a minha vez de embarcar, vejo os cariocas que desembarcam por aqui, logo cedo, no começo da semana. Vêm trabalhar, claro...
Por isso, toda vez, tenho a mesma idéia mirabolante. Toda vez que os assisto, descerem cabisbaixos com suas malas e preguiças, penso em fazer-lhes a proposta mais óbvia. um dia ainda vou ter coragem.
Devo esperá-los descer, vou até o portão de desembarque e, logo que tiver um grupinho, anunciarei: "Ei! Ei pessoal! Vocês aí que estão chegando do Rio, pra trabalhar em SP...Isso, vocês mesmo!" eles me olhariam, talvez até um pouco assustados, mas eu me manteria firme e, então, faria a proposta: "Alguém, alguém de vocês quer trocar de emprego comigo??".
Pois eu duvido, duvideodó, que não tem ninguém, ninguénzinho naquela gente toda, que poderia fazer o meu trabalho no Rio, enquanto eu, alegrinha, faria o trabalho dele, lá da minha São Paulo adorada...
Um dia anda crio coragem...
Check-in, mala, correria, fila de embarque... E, toda vez, enquanto espero a minha vez de embarcar, vejo os cariocas que desembarcam por aqui, logo cedo, no começo da semana. Vêm trabalhar, claro...
Por isso, toda vez, tenho a mesma idéia mirabolante. Toda vez que os assisto, descerem cabisbaixos com suas malas e preguiças, penso em fazer-lhes a proposta mais óbvia. um dia ainda vou ter coragem.
Devo esperá-los descer, vou até o portão de desembarque e, logo que tiver um grupinho, anunciarei: "Ei! Ei pessoal! Vocês aí que estão chegando do Rio, pra trabalhar em SP...Isso, vocês mesmo!" eles me olhariam, talvez até um pouco assustados, mas eu me manteria firme e, então, faria a proposta: "Alguém, alguém de vocês quer trocar de emprego comigo??".
Pois eu duvido, duvideodó, que não tem ninguém, ninguénzinho naquela gente toda, que poderia fazer o meu trabalho no Rio, enquanto eu, alegrinha, faria o trabalho dele, lá da minha São Paulo adorada...
Um dia anda crio coragem...
Wednesday, March 18, 2009
Excursão
Tenho ido viajar, toda semana, a trabalho.
Normalmente meu vôo sai muito cedo, de modo que entro no elevador do meu prédio as 5:20 da matina.
É sempre com uma pitada de preguiça e tristeza que enfrento essas viagens. Não me dá prazer viajar nessas condições tão impositivas e desajeitadas.
Essa manhã, quando estava no táxi, bocejando e procurando a lua, lembrei-me da minha infância. As pouquíssimas vezes em que tinha de acordar tão cedo, eram alegres e festivas, porque, normalmente era um passeio da escola que me obrigava a madrugar.
Eram as excursões que mudavam a minha rotina, e faziam-me levantar cedo, com o coração cheio de inquietude e alegria. Não importava o passeio. Podia ser a um museu, ao zoológico ou à Estação Ciência, eu mal conseguia dormir de ansiedade. Apreciava cada pequeno momento daqueles dias que anteviam o passeio. A preparação do lanche especial, as recomendações em folha sulfite, um dinheirinho a mais que eu ganhava para “qualquer coisa”... Tudo tinha um gosto especial, diferente e fascinante. Eu era uma menina descobrindo o mundo e o mundo, as 5 da manhã, mesmo quando escuro, era claro pra mim.
As ruas vazias, o friozinho da manhã, cada pequeno pedaço daquele dia que amanhecia me foi cravado na memória, com um gosto absolutamente especial.
Mas essa manhã, enquanto eu estava no táxi indo ao aeroporto, não sentia nada parecido com aquela alegria e inquietação e, de repente, senti uma enorme saudade do mundo encantado da minha meninice e desejei, ainda que por um instante, ser apenas, apenas e somente isso: Uma menina indo ao zoológico...
Normalmente meu vôo sai muito cedo, de modo que entro no elevador do meu prédio as 5:20 da matina.
É sempre com uma pitada de preguiça e tristeza que enfrento essas viagens. Não me dá prazer viajar nessas condições tão impositivas e desajeitadas.
Essa manhã, quando estava no táxi, bocejando e procurando a lua, lembrei-me da minha infância. As pouquíssimas vezes em que tinha de acordar tão cedo, eram alegres e festivas, porque, normalmente era um passeio da escola que me obrigava a madrugar.
Eram as excursões que mudavam a minha rotina, e faziam-me levantar cedo, com o coração cheio de inquietude e alegria. Não importava o passeio. Podia ser a um museu, ao zoológico ou à Estação Ciência, eu mal conseguia dormir de ansiedade. Apreciava cada pequeno momento daqueles dias que anteviam o passeio. A preparação do lanche especial, as recomendações em folha sulfite, um dinheirinho a mais que eu ganhava para “qualquer coisa”... Tudo tinha um gosto especial, diferente e fascinante. Eu era uma menina descobrindo o mundo e o mundo, as 5 da manhã, mesmo quando escuro, era claro pra mim.
As ruas vazias, o friozinho da manhã, cada pequeno pedaço daquele dia que amanhecia me foi cravado na memória, com um gosto absolutamente especial.
Mas essa manhã, enquanto eu estava no táxi indo ao aeroporto, não sentia nada parecido com aquela alegria e inquietação e, de repente, senti uma enorme saudade do mundo encantado da minha meninice e desejei, ainda que por um instante, ser apenas, apenas e somente isso: Uma menina indo ao zoológico...
Saturday, March 14, 2009
O alfaiate
Mas um texto da Crônica do dia do ano passado, que esqueci de trazer pra cá. Onde eu estava com a cabeça, o ano passado?
Me deparei outro dia com a imagem acima, e tive um instante de susto. Eu sabia da história, mas nunca tinha me dado conta dela. Eu sabia que um homem, um humilde alfaiate austríaco em 1919, achou que seria capaz de voar e criou o seu próprio aparato para isso. Vestiu-se, como quem veste seu melhor terno e foi para o alto da Torre Eiffel. Subiu a torre, cheio de coragem e força, chegou ao topo, olhou para baixo, titubeou, respirou, pensou, andou um pouquinho para o lado, talvez até tenha cogitado desistir, mas, quem sabe pela multidão que o assistia lá de baixo, ou quem sabe pela própria fé, inventou de não desistir e saltou. Saltou do alto da torre Eiffel achando que iria voar. Ele acreditou, piamente, que iria pairar sobre aqueles que o assistiam, deve ter se imaginando voando, batendo os braços tal qual um pássaro, enquanto a platéia o aplaudiria.
Ah, quanta fé... Quanta coragem e — ao mesmo tempo — quanta ingenuidade. É quase uma criança o senhor alfaiate. Só a infância e a paixão nos permitem essa esperança insana de um suicídio. É um apaixonado, um homem e um menino, um humano que não se sabe humano, um humano que, ao contrario de nós mortais, se crê Deus. O alfaiate me despertou uma espécie de inveja, uma compaixão misturada com encantamento.
Quantas vezes me vi diante do abismo e desejei saltar? Quantas vezes senti que precisaria de um pouco mais de fé para enfrentar uma situação e, no entanto, recuei? Quantas vezes me paramentei de força e coragem, me preparei e desejei ardentemente um vôo baixo, nem precisava ser tão arriscado quanto o do alfaiate, mas, ao me ver humana e falível, desisti com medo do erro, do fracasso, da humilhação.
Para o alfaiate, a queda era pior do que uma humilhação. A queda era a morte. Errar não causaria apenas o desconforto e a falta de jeito que causaria a mim. Errar para o alfaiate representaria o fim das chances, das possibilidades de acertos e — inclusive — de novos erros.
Ainda assim ele saltou. Ainda assim o alfaiate se arriscou. Talvez preferisse a morte ao vexame que seria a falta de aplausos, a crítica e a crueldade alheia. Talvez... Mas não lhe foi perguntado. Ninguém tentou lhe tirar dali, ninguém lhe puxou pelo braço e disse: “Ei, meu amigo, venha cá. Vamos conversar, isso pode não dar certo...” Não... Uma multidão assistiu ao sonho desse homem. Várias pessoas, como eu, você, nossos pais, assistiam àquela tragédia em forma de poesia. É uma poesia torta, um sonho encantado e cheio de sangue, a doçura tonta do alfaiate.
Eu o invejo, sim. Todos os dias em que meus pés rateiam diante do desconhecido. Eu o invejo sempre que sinto minhas pernas bambas ao caminhar para o novo, ou quando minha voz não sai por medo de ser tola. A vida se fez tão cheia de regras e obrigações que não vejo espaço para essa esperança tão fora de propósito e irracional do alfaiate. Talvez por isso eu não consiga deixar de invejá-lo, ao menos um pouco. Porque ele deve ter sido o último tolo corajoso que já existiu. Tolo, corajoso e determinado, como eu quis ser tantas vezes, mesmo que depois me estatelasse no chão como, aliás, aconteceu com o pobre alfaiate.
Thursday, March 12, 2009
DUAS RODAS >> Ana Coutinho
Hoje, na crônica do dia. Andei sem rodinhas.
Já tinha passado da hora. Eu já era grande demais para precisar das rodinhas traseiras da bicicleta. Então, alguém – que não lembro quem – tirou as rodinhas da minha bicicleta e anunciou, para quem quisesse ouvir que, a partir de agora eu só andaria de bicicleta se fosse como gente grande – ou ao menos não tão pequena. Eu, boba como sempre, fiquei calada e abandonei a bicicleta. Abandonei porque me sabia fadada ao tombo, ao fracasso, a uma inevitável e dolorosa queda, a qual eu evitaria o quanto fosse possível. Mas, o marasmo da infância faz mesmo maravilhas...
Era um dia de sol em São Paulo quando eu passava horas sem fazer nada no térreo. Estava entregue ao ócio há tempo demais, o que me impulsionou a descer à garagem e buscar a minha bicicleta, sem nem saber bem o que eu iria fazer com ela. Não precisou muito tempo paquerando a minha magrela, para que eu resolvesse tentar. Foi num susto, um enorme e longo susto que notei: Eu conseguia andar sem as rodinhas. Ainda me lembro da emoção desmedida que tomou conta de mim. Eu mal conseguia controlar a minha respiração, andava em círculos sem parar, encantada com a minha habilidade, como se, de repente, eu estivesse falando fluentemente inglês ou – melhor – como se tivesse me sido dada enormes asas e eu pudesse, num instante, voar.
Mas eu estava sozinha e qual é a graça de conseguir voar se ninguém pode te ver? Comecei imediatamente a gritar, lá do térreo: “Mããããããããe!”. Ela não ouvia. Tentei de novo e de novo, sem sair de cima da bicicleta, sem parar de pedalar em círculos pequenos, como se parando por alguns segundos, eu pudesse perder o encantamento de saber e, talvez, não conseguisse mais repetir aquele feito incrível. Demorou um pouco para que a minha mãe aparecesse na janela acenando quando eu, imediatamente gritei com uma euforia sem tamanho: “Olha mããããe! Eu estou andando sem rodinhas, sem rodinhas mããããe!”. Ela deve ter dito qualquer coisa como parabéns, deve ter sorrido e acenado para mim, enquanto eu esforçava-me para andar e olhar para cima, equilibrar-me e exibir-me.
A alegria continuou, mesmo quando eu comecei a notar que havia algo estranho. Talvez tenham sido os círculos, talvez o fato de ter ficado olhando pra cima, talvez a conquista inédita e preciosa, mas aconteceu que eu comecei a sentir-me mal. Subi correndo e, muito depressa, comecei a vomitar. Nunca mais na vida vomitei com tanto gosto e alegria. Ainda lembro-me da empolgação, mal contendo o riso, enquanto a minha mãe dizia: “Tá vendo, foi ficar rodando, olhando pra cima, isso que dá!” e eu, sorridente, só sabia repetir abaixada no chão frio do banheiro: “Eu consegui mãe, eu consegui, você viu? Eu consegui!”
Hoje, tantos anos depois, muitas vezes sinto-me como aquela menina quando alcanço uma conquista. É bem verdade que poucas conquistas foram tão importantes quanto essa, mas ainda as pequenas, ainda as conquistas tolas do dia a dia, me dão vontade de gritar e anunciar.
Acho mesmo bem provável que passemos a vida toda tentando ter a atenção e o amor que recebemos quando criança. Talvez, independente da nossa idade, todos – absolutamente todos – queremos nos descobrir capazes e vencedores, apenas para poder gritar, com toda a força de seu pulmão: “Olha mãããããããe, eu consegui!”
Já tinha passado da hora. Eu já era grande demais para precisar das rodinhas traseiras da bicicleta. Então, alguém – que não lembro quem – tirou as rodinhas da minha bicicleta e anunciou, para quem quisesse ouvir que, a partir de agora eu só andaria de bicicleta se fosse como gente grande – ou ao menos não tão pequena. Eu, boba como sempre, fiquei calada e abandonei a bicicleta. Abandonei porque me sabia fadada ao tombo, ao fracasso, a uma inevitável e dolorosa queda, a qual eu evitaria o quanto fosse possível. Mas, o marasmo da infância faz mesmo maravilhas...
Era um dia de sol em São Paulo quando eu passava horas sem fazer nada no térreo. Estava entregue ao ócio há tempo demais, o que me impulsionou a descer à garagem e buscar a minha bicicleta, sem nem saber bem o que eu iria fazer com ela. Não precisou muito tempo paquerando a minha magrela, para que eu resolvesse tentar. Foi num susto, um enorme e longo susto que notei: Eu conseguia andar sem as rodinhas. Ainda me lembro da emoção desmedida que tomou conta de mim. Eu mal conseguia controlar a minha respiração, andava em círculos sem parar, encantada com a minha habilidade, como se, de repente, eu estivesse falando fluentemente inglês ou – melhor – como se tivesse me sido dada enormes asas e eu pudesse, num instante, voar.
Mas eu estava sozinha e qual é a graça de conseguir voar se ninguém pode te ver? Comecei imediatamente a gritar, lá do térreo: “Mããããããããe!”. Ela não ouvia. Tentei de novo e de novo, sem sair de cima da bicicleta, sem parar de pedalar em círculos pequenos, como se parando por alguns segundos, eu pudesse perder o encantamento de saber e, talvez, não conseguisse mais repetir aquele feito incrível. Demorou um pouco para que a minha mãe aparecesse na janela acenando quando eu, imediatamente gritei com uma euforia sem tamanho: “Olha mããããe! Eu estou andando sem rodinhas, sem rodinhas mããããe!”. Ela deve ter dito qualquer coisa como parabéns, deve ter sorrido e acenado para mim, enquanto eu esforçava-me para andar e olhar para cima, equilibrar-me e exibir-me.
A alegria continuou, mesmo quando eu comecei a notar que havia algo estranho. Talvez tenham sido os círculos, talvez o fato de ter ficado olhando pra cima, talvez a conquista inédita e preciosa, mas aconteceu que eu comecei a sentir-me mal. Subi correndo e, muito depressa, comecei a vomitar. Nunca mais na vida vomitei com tanto gosto e alegria. Ainda lembro-me da empolgação, mal contendo o riso, enquanto a minha mãe dizia: “Tá vendo, foi ficar rodando, olhando pra cima, isso que dá!” e eu, sorridente, só sabia repetir abaixada no chão frio do banheiro: “Eu consegui mãe, eu consegui, você viu? Eu consegui!”
Hoje, tantos anos depois, muitas vezes sinto-me como aquela menina quando alcanço uma conquista. É bem verdade que poucas conquistas foram tão importantes quanto essa, mas ainda as pequenas, ainda as conquistas tolas do dia a dia, me dão vontade de gritar e anunciar.
Acho mesmo bem provável que passemos a vida toda tentando ter a atenção e o amor que recebemos quando criança. Talvez, independente da nossa idade, todos – absolutamente todos – queremos nos descobrir capazes e vencedores, apenas para poder gritar, com toda a força de seu pulmão: “Olha mãããããããe, eu consegui!”
Tuesday, March 10, 2009
No Trenzinho da alegria
Uma crônica do ano passado, que ficou perdida no crônica do dia. Coitada...
No Trenzinho da alegria
O programa se chamava Bambalalão e a apresentadora, Gigi. Passava na Cultura, um canal que as crianças da minha época adoravam porque as propagandas eram muito curtas. Eu, como fã da Gigi, não consegui me conter de alegria quando a minha vizinha convidou-me para ir com ela e mais algumas crianças assistir à gravação do programa.
Ver a Gigi de perto? – ou seria Silvana? – eu pulei de alegria.
No dia, éramos umas quatro crianças no carro da vizinha que, embora vivesse num corpo de adulta, parecia uma criança como nós.
Lembro-me da musiquinha que repetia incessantemente: bambalalão, bambalalão, bambalalão, bambalalão - para por fim concluir - bambalalão é o trenzinho da alegria, que carrega todo dia dentro do seu coração. Talvez não fosse isso - hoje não tem importância - a música, naquele dia, estava cravada na minha cabeça e eu não cansava de repeti-la a todo instante.
Lá chegando fomos acomodadas no que seria a platéia, um nível abaixo do palco. Não demorou muito e elas apareceram, cantando – Eu disse elas? Eram duas?
Um mundo de crianças levantou-se e, todos juntos, cantávamos eufóricos, pulando e dançando como as apresentadoras – sim, eram duas.
Se eu fechar os olhos, quase posso ouvir meu coração disparado de emoção dentro daquele pequeno corpo, que já sabia o que era ter um ídolo. Eu, uma menina franzina, sentia-me um gigante naquele pequeno estúdio, misturada a tantas crianças com os mesmos gostos e sonhos que os meus.
No entanto, o passeio não foi só feito de alegria para mim. A coisa começou a complicar quando iniciaram as brincadeiras, que contavam com a participação das crianças. Eu, menina e tola, havia sonhado com isso nas noites anteriores. Iria participar de tais e tais jogos, ganhar um brinde e mandar um beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você. Ensaiei na frente do espelho e tudo. Quando chegou a primeira brincadeira, porém, fui esmagada por uma infinidade de crianças que, muito mais espertas e rápidas do que eu, correram perto do palco e gritaram: “Eu, eu, eu, escolhe eu, Gigi, escolhe eu!” O palco, um nível acima de onde estávamos, ficava infestado daquelas pequenas mãos implorando por um instante de visibilidade. Claro que eu não fui escolhida para a brincadeira. Mas uma das meninas que tinha ido comigo, minha vizinha de porta, parecia ter mais sorte. Robertinha era um ano mais nova do que eu, e muito mais esperta e desinibida. Logo na segunda brincadeira, correu para o palco e agarrou a mão de uma das apresentadoras que, num instante, levou-a para cima, onde ela apareceu triunfante sob os holofotes. Eu, lá debaixo, senti-me absolutamente infeliz, uma profunda fracassada assistindo à vencedora no pódium. Robertinha ganhou o jogo e desceu saltitante com seu presente, exibindo-se para nós. Lembro-me, ainda com dor, que sorri fingindo felicidade, enquanto abracei a minha amiga.
Mais alguns jogos aconteceram, eu corria para perto do palco, juro que tentava gritar como as outras, mas parecia invisível aos olhos das apresentadoras. As crianças que tinham ido comigo pareciam todas milagrosamente iluminadas, subindo ao palco uma a uma, enquanto eu vacilava no andar debaixo. Lá pelas tantas, a minha vizinha adulta me chamou de canto e disse, com muita firmeza: “Kika, presta atenção, você tem que agarrar no braço delas, entendeu? Igual a Robertinha, agarre e grite, eu, sou eu, eu, eu, eu, não pode ficar assim, meio sem-jeito de fazer isso, senão você não vai ser escolhida!” Ela, a minha querida amiga, tinha posto seus olhos em mim e via minha angústia.
Lá fui eu então, na próxima rodada, seguir ordens da minha adulta. Tentei gritar, tentei pegar na mão da Gigi, mas aconteceu em um instante: eu me senti ridícula, fora de propósito gritando aquilo, e tive vergonha. A voz embargou, as mãos não eram tão firmes como as dos outros e minha amiga Robertinha - que se jogou impetuosa na minha frente - foi mais uma vez escolhida. Quase que posso vê-la, hoje ainda, subindo sorridente para o palco, um pé após o outro, impulsionada pelas mãos de fada da Gigi.
O passeio para mim estava encerrado. Sentei-me longe, afastada da multidão, sentindo uma mistura de humilhação, tristeza e vergonha. Eu não era como eles. Eu era mais fraca, infinitamente menos capaz e muitíssimo mais tola. Assisti à vitória da Robertinha ali, do lado de baixo do palco, prendendo os lábios para não chorar.
Nunca me esqueço da volta do programa. Todos esfuziantes com os seus brindes, enquanto eu permanecia calada no banco de trás, sentindo - talvez pela primeira vez na minha vida - como pode ser doloroso sermos, irremediavelmente, quem somos.
No Trenzinho da alegria
O programa se chamava Bambalalão e a apresentadora, Gigi. Passava na Cultura, um canal que as crianças da minha época adoravam porque as propagandas eram muito curtas. Eu, como fã da Gigi, não consegui me conter de alegria quando a minha vizinha convidou-me para ir com ela e mais algumas crianças assistir à gravação do programa.
Ver a Gigi de perto? – ou seria Silvana? – eu pulei de alegria.
No dia, éramos umas quatro crianças no carro da vizinha que, embora vivesse num corpo de adulta, parecia uma criança como nós.
Lembro-me da musiquinha que repetia incessantemente: bambalalão, bambalalão, bambalalão, bambalalão - para por fim concluir - bambalalão é o trenzinho da alegria, que carrega todo dia dentro do seu coração. Talvez não fosse isso - hoje não tem importância - a música, naquele dia, estava cravada na minha cabeça e eu não cansava de repeti-la a todo instante.
Lá chegando fomos acomodadas no que seria a platéia, um nível abaixo do palco. Não demorou muito e elas apareceram, cantando – Eu disse elas? Eram duas?
Um mundo de crianças levantou-se e, todos juntos, cantávamos eufóricos, pulando e dançando como as apresentadoras – sim, eram duas.
Se eu fechar os olhos, quase posso ouvir meu coração disparado de emoção dentro daquele pequeno corpo, que já sabia o que era ter um ídolo. Eu, uma menina franzina, sentia-me um gigante naquele pequeno estúdio, misturada a tantas crianças com os mesmos gostos e sonhos que os meus.
No entanto, o passeio não foi só feito de alegria para mim. A coisa começou a complicar quando iniciaram as brincadeiras, que contavam com a participação das crianças. Eu, menina e tola, havia sonhado com isso nas noites anteriores. Iria participar de tais e tais jogos, ganhar um brinde e mandar um beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você. Ensaiei na frente do espelho e tudo. Quando chegou a primeira brincadeira, porém, fui esmagada por uma infinidade de crianças que, muito mais espertas e rápidas do que eu, correram perto do palco e gritaram: “Eu, eu, eu, escolhe eu, Gigi, escolhe eu!” O palco, um nível acima de onde estávamos, ficava infestado daquelas pequenas mãos implorando por um instante de visibilidade. Claro que eu não fui escolhida para a brincadeira. Mas uma das meninas que tinha ido comigo, minha vizinha de porta, parecia ter mais sorte. Robertinha era um ano mais nova do que eu, e muito mais esperta e desinibida. Logo na segunda brincadeira, correu para o palco e agarrou a mão de uma das apresentadoras que, num instante, levou-a para cima, onde ela apareceu triunfante sob os holofotes. Eu, lá debaixo, senti-me absolutamente infeliz, uma profunda fracassada assistindo à vencedora no pódium. Robertinha ganhou o jogo e desceu saltitante com seu presente, exibindo-se para nós. Lembro-me, ainda com dor, que sorri fingindo felicidade, enquanto abracei a minha amiga.
Mais alguns jogos aconteceram, eu corria para perto do palco, juro que tentava gritar como as outras, mas parecia invisível aos olhos das apresentadoras. As crianças que tinham ido comigo pareciam todas milagrosamente iluminadas, subindo ao palco uma a uma, enquanto eu vacilava no andar debaixo. Lá pelas tantas, a minha vizinha adulta me chamou de canto e disse, com muita firmeza: “Kika, presta atenção, você tem que agarrar no braço delas, entendeu? Igual a Robertinha, agarre e grite, eu, sou eu, eu, eu, eu, não pode ficar assim, meio sem-jeito de fazer isso, senão você não vai ser escolhida!” Ela, a minha querida amiga, tinha posto seus olhos em mim e via minha angústia.
Lá fui eu então, na próxima rodada, seguir ordens da minha adulta. Tentei gritar, tentei pegar na mão da Gigi, mas aconteceu em um instante: eu me senti ridícula, fora de propósito gritando aquilo, e tive vergonha. A voz embargou, as mãos não eram tão firmes como as dos outros e minha amiga Robertinha - que se jogou impetuosa na minha frente - foi mais uma vez escolhida. Quase que posso vê-la, hoje ainda, subindo sorridente para o palco, um pé após o outro, impulsionada pelas mãos de fada da Gigi.
O passeio para mim estava encerrado. Sentei-me longe, afastada da multidão, sentindo uma mistura de humilhação, tristeza e vergonha. Eu não era como eles. Eu era mais fraca, infinitamente menos capaz e muitíssimo mais tola. Assisti à vitória da Robertinha ali, do lado de baixo do palco, prendendo os lábios para não chorar.
Nunca me esqueço da volta do programa. Todos esfuziantes com os seus brindes, enquanto eu permanecia calada no banco de trás, sentindo - talvez pela primeira vez na minha vida - como pode ser doloroso sermos, irremediavelmente, quem somos.
Sunday, March 8, 2009
Recordar é viver
Um texto antiiiiigo, mas absolutamente atual, em mim.
Insônia
Tenho tido dificuldades de dormir.
Tento todas as técnicas, mas diariamente tenho vivido a mesma coisa. É só deitar a cabeça no travesseiro que os problemas do dia começam a passear pela minha cabeça. Eu tento me livrar, mas eles insistem e, tranquilamente nadam - como peixes - no meu pensamento, bem na hora em que teria de esvaziar tudo...
Já me ensinaram a estratégia da bolha. Vou pondo cada problema dentro de uma bolha e visualizo a tal bolha saindo pela janela do quarto, devagar e, por fim, indo embora pelo céu. As vezes tento essa, mas passo horas até por cada item dentro de diferentes bolhas. Meu marido sugeriu que eu pusesse todos os problemas de uma vez, em uma única bolha, mas é super confuso. Ele sugeriu até que eles fizessem uma fila, como se fosse um check-in pra entrar na bolha, mas nem todos os problemas ou pessoas se conhecem, e, na fila, já tive muitos problemas de discussões, gente querendo passar na frente do outro, enfim, por isso são problemas.
Acabava passando as primeiras horas da minha noite arrumando as bolhas e inserindo cada pessoa, (ou problema) dentro de cada bolha. Já inseri até um prédio inteiro numa bolha uma vez. E as pessoas, nessa noite, começaram a pular pela janela desesperadas, caindo na própria bolha, coitadas, uma confusão.
Talvez eu tenha usado a técnica de forma errada, e ela começou a perder o efeito. Resolvi, na noite passada, tentar a técnica mais universal de todas: Os carneirinhos.
Me disseram que temos que visualizar os carneirinhos pulando a cerca de diferentes formas, pra não viciar o cérebro. Fiz o teste. Imaginei uma fila enoooooorme de carneirinhos brancos, todos aguardando a sua vez de pular a cerca. Veio o primeiro: Yupi! Pulou. Veio o seguno, pulou de costas. “O próximo” eu indicava que era a vez do outro, que deu uma pirueta no ar, e caiu de mal jeito. Lembrei daquele grupo de “puladores” que vivem por aí, pulando prédios, casas, barras, não sei, vi uma reportagem esses dias no GNT, pensei neles, e em quanto eu também sou malabarista no meu dia a dia, nossa, no meu trabalho, na minha vida, lembra aquela vez que... Pronto, devem ter se passado séculos, eu tinha me esquecido das puladas, e ainda estava desperta. Voltei aos carneirinhos, eles estavam emburrados: “Pô, bem na minha vez você mudou o pensamento??” Reclamou o que, agora, era o primeiro da fila. Olhei a longa linha e eles estavam todos emburrados. Eu tinha esquecido os pobrezinhos enquanto viajava nos skatistas. Eu disse skatistas?? “Eeeeeei, voltaaa!”. Eles fizeram um coro me chamando antes que eu os deixasse de novo. Um coro da voz dos carneiros, isso não pode ser normal. “Que carneirinhos abusados!” Eu pensei calada. Resolvi que tinha que baixar a bola deles e por alguém para que eles respeitassem, senão, iam se voltar contra mim e eram uma multidão de carneiros! Instalei ali, ao lado da fila, um enorme lobo-mau. Segurando um cajado ele daria as ordens: “Ei pessoal, o negócio é o seguinte, um por vez e só quando eu chamar. Trata de fazer diferente do colega da frente, hein?! E nada de reclamações! Quem manda aqui agora sou eu!” Pronto. Agora sim ia funcionar. Eles voltaram a pular, cada um pulava de um jeito enquanto o lobo ia gritando: “Próximo, próximo, próximo”. Resolvi olhar pra onde eles iam depois de pular. Não consegui ver, mas fiquei curiosa. Tinham uns que faziam pulos excepcionais, umas piruetas, como aquela menina do pan, aquela ginasta. Isso, eles deveriam estar no Pan, esses danados. Mas pra onde iam? Será que eles voltava para o fim da fila? A fila nunca acabava, coitados! O lobo achou ruim comigo: “Ei madame, a senhora vai ficar dispersando e me deixando de lado, ou vai assistir diretinho aqui o nosso trabalho???” Tentei me concentrar, mas, de repente, pensei: “Poxa, até o lobo?” Não é possível, eu tenho que obedecer até os meus próprios monstros?? Vou exercer a hierarquia aqui, pelo menos dentro de mim, oras! Olhei bem para o lobo, para os carneiros, todos estavam virados para mim, olhos assustados. Eu os peguei com cuidado, todos de uma vez, e inseri numa bolha. Deixei todo mundo se debatendo lá, dentro da bolha, enquanto ela saia pela janela do meu quarto, devagar, até sumir no céu de São Paulo, bem quando eu adormeci.
Insônia
Tenho tido dificuldades de dormir.
Tento todas as técnicas, mas diariamente tenho vivido a mesma coisa. É só deitar a cabeça no travesseiro que os problemas do dia começam a passear pela minha cabeça. Eu tento me livrar, mas eles insistem e, tranquilamente nadam - como peixes - no meu pensamento, bem na hora em que teria de esvaziar tudo...
Já me ensinaram a estratégia da bolha. Vou pondo cada problema dentro de uma bolha e visualizo a tal bolha saindo pela janela do quarto, devagar e, por fim, indo embora pelo céu. As vezes tento essa, mas passo horas até por cada item dentro de diferentes bolhas. Meu marido sugeriu que eu pusesse todos os problemas de uma vez, em uma única bolha, mas é super confuso. Ele sugeriu até que eles fizessem uma fila, como se fosse um check-in pra entrar na bolha, mas nem todos os problemas ou pessoas se conhecem, e, na fila, já tive muitos problemas de discussões, gente querendo passar na frente do outro, enfim, por isso são problemas.
Acabava passando as primeiras horas da minha noite arrumando as bolhas e inserindo cada pessoa, (ou problema) dentro de cada bolha. Já inseri até um prédio inteiro numa bolha uma vez. E as pessoas, nessa noite, começaram a pular pela janela desesperadas, caindo na própria bolha, coitadas, uma confusão.
Talvez eu tenha usado a técnica de forma errada, e ela começou a perder o efeito. Resolvi, na noite passada, tentar a técnica mais universal de todas: Os carneirinhos.
Me disseram que temos que visualizar os carneirinhos pulando a cerca de diferentes formas, pra não viciar o cérebro. Fiz o teste. Imaginei uma fila enoooooorme de carneirinhos brancos, todos aguardando a sua vez de pular a cerca. Veio o primeiro: Yupi! Pulou. Veio o seguno, pulou de costas. “O próximo” eu indicava que era a vez do outro, que deu uma pirueta no ar, e caiu de mal jeito. Lembrei daquele grupo de “puladores” que vivem por aí, pulando prédios, casas, barras, não sei, vi uma reportagem esses dias no GNT, pensei neles, e em quanto eu também sou malabarista no meu dia a dia, nossa, no meu trabalho, na minha vida, lembra aquela vez que... Pronto, devem ter se passado séculos, eu tinha me esquecido das puladas, e ainda estava desperta. Voltei aos carneirinhos, eles estavam emburrados: “Pô, bem na minha vez você mudou o pensamento??” Reclamou o que, agora, era o primeiro da fila. Olhei a longa linha e eles estavam todos emburrados. Eu tinha esquecido os pobrezinhos enquanto viajava nos skatistas. Eu disse skatistas?? “Eeeeeei, voltaaa!”. Eles fizeram um coro me chamando antes que eu os deixasse de novo. Um coro da voz dos carneiros, isso não pode ser normal. “Que carneirinhos abusados!” Eu pensei calada. Resolvi que tinha que baixar a bola deles e por alguém para que eles respeitassem, senão, iam se voltar contra mim e eram uma multidão de carneiros! Instalei ali, ao lado da fila, um enorme lobo-mau. Segurando um cajado ele daria as ordens: “Ei pessoal, o negócio é o seguinte, um por vez e só quando eu chamar. Trata de fazer diferente do colega da frente, hein?! E nada de reclamações! Quem manda aqui agora sou eu!” Pronto. Agora sim ia funcionar. Eles voltaram a pular, cada um pulava de um jeito enquanto o lobo ia gritando: “Próximo, próximo, próximo”. Resolvi olhar pra onde eles iam depois de pular. Não consegui ver, mas fiquei curiosa. Tinham uns que faziam pulos excepcionais, umas piruetas, como aquela menina do pan, aquela ginasta. Isso, eles deveriam estar no Pan, esses danados. Mas pra onde iam? Será que eles voltava para o fim da fila? A fila nunca acabava, coitados! O lobo achou ruim comigo: “Ei madame, a senhora vai ficar dispersando e me deixando de lado, ou vai assistir diretinho aqui o nosso trabalho???” Tentei me concentrar, mas, de repente, pensei: “Poxa, até o lobo?” Não é possível, eu tenho que obedecer até os meus próprios monstros?? Vou exercer a hierarquia aqui, pelo menos dentro de mim, oras! Olhei bem para o lobo, para os carneiros, todos estavam virados para mim, olhos assustados. Eu os peguei com cuidado, todos de uma vez, e inseri numa bolha. Deixei todo mundo se debatendo lá, dentro da bolha, enquanto ela saia pela janela do meu quarto, devagar, até sumir no céu de São Paulo, bem quando eu adormeci.
Thursday, March 5, 2009
Crônica do dia
Saí na crônica do dia hoje. Imaginando o inimaginável.
Eu imagino
Então fomos viajar no carnaval. E fomos para um lugar frio. Não, não um pouco frio, muito, mas muito, muito frio. Saímos do verão brasileiro de 30 e tantos graus e descemos no inverno americano, em algo como 6 graus negativos. Passamos 7 dias lá, aquele frio horrível, o corpo chegando a doer tamanho o gelo que entra por qualquer buraquinho dos seus mil casacos e, quando eu falava com alguém no Brasil, e dizia como estava frio, a pessoa me respondia: “Eu imagino”.
A cada vez que eu ouvia esse “eu imagino”, lembrava-me de uma amiga e de uma história que aconteceu há muitos anos: Essa minha grande amiga perdeu o pai numa morte muito trágica (que morte não é trágica?). No enterro as pessoas a abraçavam, diziam que sabiam da sua dor, que sabiam do que ela estava passando, que entendiam o que era aquilo e, lá pelas tantas, ela virou pra mim e disse: “As pessoas podem até entender o que eu sinto. Mas ninguém – ninguém – sente o que eu sinto”. Isso me marcou profundamente e, desde então, nunca mais consolei alguém com palavras automáticas como: “Eu sei que você está sofrendo, posso imaginar a sua dor, etc, etc”. A verdade é que não, não podemos imaginar o quanto está frio em outro país quando derretemos nesse calor insuportável que se faz no Brasil. E eu tive vontade de dizer isso aos meus interlocutores brasileiros: “Não, você não imagina, não. Você não sabe como é sentir isso, agora, nesse instante. Ter o seu corpo inteiro congelando, o nariz rachado, os lábios todos cortados, até o relógio de seu pulso parado, tamanho o frio que se instalou aqui.” O frio não era uma perda, um sofrimento, um lamento. Mas, como minha amiga, tive vontade de dizer: “Você não sabe da minha dor.”
A verdade é que nunca sabemos. Às vezes nem mesmo a nossa dor nos é clara, quiçá a dor alheia.
Quantas vezes não menosprezamos o sentimento de alguém, não padronizamos as nossas palavras, como fazem os atendentes de telemarketing: “Eu sei, senhora. Sinto muito, senhora. Esse é o procedimento, senhora”. Não, minha amiga, eu não sei da sua dor. Eu não sei e não consigo imaginar o que você está sentindo, e, mesmo isso sendo muito pouco, a minha dedicação em te ouvir e te acolher é enorme. Seria mais simples e verdadeiro, não?
A pedra no sapato alheio, a pimenta nos olhos dos outros, é sempre um mistério para nós. E uma das coisas mais difíceis da vida é aceitar o nosso desconhecimento, as nossas misérias, a nossa falta de noção ao lidar com quem está em apuros. Por isso, admiro os psicólogos. Admiro alguém capaz de assistir ao outro chorando por meia hora seguida sem sentir-se afobado, sem dar uma desculpa, um tapinha no ombro, saindo logo dali.
Admiro quem se cala quando não tem palavras. Admiro quem assume sua impotência, suas falhas, suas covardias, talvez. Num mundo cheio de falsos heróis e grandes gurus, admiro quem se identifica como humano, simplesmente humano.
Eu imagino
Então fomos viajar no carnaval. E fomos para um lugar frio. Não, não um pouco frio, muito, mas muito, muito frio. Saímos do verão brasileiro de 30 e tantos graus e descemos no inverno americano, em algo como 6 graus negativos. Passamos 7 dias lá, aquele frio horrível, o corpo chegando a doer tamanho o gelo que entra por qualquer buraquinho dos seus mil casacos e, quando eu falava com alguém no Brasil, e dizia como estava frio, a pessoa me respondia: “Eu imagino”.
A cada vez que eu ouvia esse “eu imagino”, lembrava-me de uma amiga e de uma história que aconteceu há muitos anos: Essa minha grande amiga perdeu o pai numa morte muito trágica (que morte não é trágica?). No enterro as pessoas a abraçavam, diziam que sabiam da sua dor, que sabiam do que ela estava passando, que entendiam o que era aquilo e, lá pelas tantas, ela virou pra mim e disse: “As pessoas podem até entender o que eu sinto. Mas ninguém – ninguém – sente o que eu sinto”. Isso me marcou profundamente e, desde então, nunca mais consolei alguém com palavras automáticas como: “Eu sei que você está sofrendo, posso imaginar a sua dor, etc, etc”. A verdade é que não, não podemos imaginar o quanto está frio em outro país quando derretemos nesse calor insuportável que se faz no Brasil. E eu tive vontade de dizer isso aos meus interlocutores brasileiros: “Não, você não imagina, não. Você não sabe como é sentir isso, agora, nesse instante. Ter o seu corpo inteiro congelando, o nariz rachado, os lábios todos cortados, até o relógio de seu pulso parado, tamanho o frio que se instalou aqui.” O frio não era uma perda, um sofrimento, um lamento. Mas, como minha amiga, tive vontade de dizer: “Você não sabe da minha dor.”
A verdade é que nunca sabemos. Às vezes nem mesmo a nossa dor nos é clara, quiçá a dor alheia.
Quantas vezes não menosprezamos o sentimento de alguém, não padronizamos as nossas palavras, como fazem os atendentes de telemarketing: “Eu sei, senhora. Sinto muito, senhora. Esse é o procedimento, senhora”. Não, minha amiga, eu não sei da sua dor. Eu não sei e não consigo imaginar o que você está sentindo, e, mesmo isso sendo muito pouco, a minha dedicação em te ouvir e te acolher é enorme. Seria mais simples e verdadeiro, não?
A pedra no sapato alheio, a pimenta nos olhos dos outros, é sempre um mistério para nós. E uma das coisas mais difíceis da vida é aceitar o nosso desconhecimento, as nossas misérias, a nossa falta de noção ao lidar com quem está em apuros. Por isso, admiro os psicólogos. Admiro alguém capaz de assistir ao outro chorando por meia hora seguida sem sentir-se afobado, sem dar uma desculpa, um tapinha no ombro, saindo logo dali.
Admiro quem se cala quando não tem palavras. Admiro quem assume sua impotência, suas falhas, suas covardias, talvez. Num mundo cheio de falsos heróis e grandes gurus, admiro quem se identifica como humano, simplesmente humano.
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