Thursday, January 8, 2009

SAI DA FRENTE QUE ATRÁS VEM GENTE

Saiu no CDD hoje cedo. O que significa que agora, já estou ainda mais velha...

Eu estava fazendo compras de natal quando percebi. Enquanto a vendedora ia me trazendo os modelos de biquínis senti uma estranheza nela, mas não sabia ainda o que era. A menina tinha uma pele muito lisa, grandes olhos azuis e algumas sardas na bochecha bronzeada. A voz dela era muito particular, uma voz fina, bastante infantilizada e foi aí que dei conta: eu estava diante de uma criança. Tomei um susto inicialmente, mas disfarcei. Não era à toa que ela me trazia os modelos maiores, com as laterais mais larguinhas e comportadas, claro, eu era uma velha, seria uma ousadia pedir um biquíni de lacinho, nem sei porque não pedi um maiô preto de uma vez por todas. Resolvi experimentar as peças e entrei no provador, me refazendo discretamente do choque. Quantos anos aquela menina tinha? 18? 19? Meu Deus, são adultos esses que recém-nasceram, pouco antes do novo milênio que - não acabou de começar afinal?
Lembrei-me, na hora, de uma brincadeira da minha infância – no século passado – onde as crianças que vinham correndo, gritavam para as mais lerdinhas: “Sai da frente que atrás vem gente!”. Nossa, como correram esses jovens. Eu devo ter sido derrubada mais de uma vez, lerda do jeito que sou, nem sei como foi que me levantei...
O passar dessa raposa, a quem chamamos de tempo, é quase que uma piada. Uma enorme gozação. Não nos damos conta de que os anos estão se esvaindo, escorrendo por entre nossas mãos frouxas e calejadas. O tempo, ah o tempo. Que grande vilão ele se tornou.
Olhei-me no espelho luminoso do provador. Não havia dúvidas, os biquínis de lacinhos já estavam proibidos há algum tempo. As tirinhas, essas apertadas, são crimes bárbaros, como a legislação não fala nada a respeito? Olhei de relance a criança que me trazia mais um modelo, dessa vez inteiro em preto, sorridente, cheia de si. Ah, ela não sabia, coitada. Quase que senti pena da menina. Porque me vi ali, nos olhos dela. Eu também fui uma menina cheia de vida, cheia de encantos, magra e insatisfeita com tudo o que a vida me dava absolutamente de graça. Era grátis aquela pele, era grátis o corpitcho, era grátis a agilidade, eram grátis todos aqueles dias longos, horas compridas enquanto eu assistia a novela das 6, depois a das 7, pulava pra outro canal no jornal e, então, voltava para pegar a das 8. Era grátis a alegria ingênua, quase que tola, das amigas que riam sem parar por uma noite inteira, trancadas num quarto qualquer, enquanto falavam de meninos ridículos que eram príncipes aos nossos olhos de plebéias. Era grátis, tudo o que hoje me sai por um preço - muitas vezes - bastante salgado.
Hoje, custa-me manter a balança antes dos 60, custa-me correr até a esquina, custa-me subir dois lances de escada, custa-me até o prazer. Sim, o prazer, esse bicho fugaz e efêmero que já foi até um pouco inconveniente, fora de hora e propósito, agora pede-me um dia calmo, pede horas tranqüilas e a cabeça vazia, para então - talvez- dar o ar da graça.
Aquilo que era prêmio virou castigo. O sol, de grande amigo passou a ser bandido. E eu que ficava horas e horas deitada, pensando na vida e passando óleo enquanto rachava debaixo do sol do meio-dia. Óleo, vejam o pecado. Hoje, óleo é crime inafiançável. Nem sei se é permitido vender isso ainda, deve ficar na prateleira dos fuzis de guerra, claro.
A menina me observava pela fresta e arriscou palpitar: “O preto ficou lindo!” ela disse, genuína. O preto era mesmo a melhor opção. Peguei sem pestanejar e, quando disse adeus àquela jovem criança, o mundo já me parecia diferente. Não que seja triste ou penoso, ao contrário. Sei que há mais para se ver, há mais de nós mesmos por dentro das nossas roupas, e agora eu sei como o tempo, esse danado, embora nos tire os biquínis estampados de lacinhos, nos oferece os pretos acompanhados de um chapéu de palha, entre algumas outras gentilezas que essa velha raposa, ainda nos oferece se mantivermos os olhos atentos...

7 comments:

Karina said...

Daqui apoco as meninas chamada Yasmim serão mães, daí sim eu saberei que invelheci, eu era pré adolescente e menias com esse nome estavam nascendo ou aprendendo a andar, muitas já estão pensano que carreira seguir... é um absurdo as coisas andarem nessa velocidade.

Mariana said...

quase cruel....mas chapeu de palha tb é legal vai...quem vai querer usar boné ou torrar o cabelo pra sempre?!

Carla S.M. said...

Ah, Ana! Lembrei-me das minhas aluninhas que são ainda mais velhas que estas meninas da loja, de pele lisa. Isto, sim, é que é cruel!

Re said...

Realmente a vida passa, para todos. Lembro qdo era criança, minha mae fez faculdade, e achava seus colegas tão mais velhos..pasme, eles só tinham 18 anos...hj já passei dos 30..saber envelhecer eh uma dadiva. Bjs

... said...

voce nao vai acreditar por que eu nao te liguei. porque sou uma imbecil e nao guardei seu telefone. e nao tenho mais o de ninguem... nao tinha nem por onde ir. saldo: nao comi pizza nem fiz nada. eu mereco. sou burra. como foi?

Amor amor said...

Aninha, senti até um friozinho na barriga agora, hehehehe, eu que já estou quase nos 30. Vou aproveitar pra usar meus maiôs altamente coloridos e chamativos, enqto posso...

Beijinhos doces cristalizados!!! ;o*

Anonymous said...

Ana, pois passei exatamente por esta situação na semana que passou. Estava aplicando provas da federal daqui e, numa das conferências das identidades dos candidatos levei um susto enorme! Era a vez da conferência de um rapagão, grandão, malhadão e bonitão, na identidade dele estava a data de nascimento: 1991! Olhei de novo para ver se não eram os meus olhos que tinham embaçado, talvez uma faísca tivesse caído... não... estava correto. Aquele "homem" na minha frente, fazendo a prova rapidamente, todo cheio de si, nascera em 1991. Então, comecei a observar com mais cuidado as identidades e datas de nascimento: uns 50% dos jovens que estavam na sala tinham nascido em 1991 os outros 50% em 1990...
Por um momento, após a conferência, fiquei olhando aqueles rostos compenetrados escrevendo, escrevendo. Alguns até com satisfação, outros mais apreensivos e todos eles, sem exceção, eram muito, muito mais jovens do que eu! Meu Deus, foi ontem, ontem que também estava numa sala fazendo provas do vestibular, foi ontem que vestia um biquíni "cortininha" e me sentia ótima. Senti um frio na barriga, um mal estar. Hoje me sinto ridícula até com uma blusa de costas de fora... Aquelas moças que eu tinha olhado "de igual para igual" na entrada, eram todas elas mais jovens que eu, talvez falassem 3 línguas, talvez tivessem rodado o mundo e estavam ali, lindas e magras disputando uma vaga para fazer parte do corpo de magistrados do país.
Ana, o tempo é uma raposa sim, uma raposa veloz e silenciosa que não avisa nem dá conselhos, apenas passa e leva um tanto do que somos ou fomos.
Beijos