Sunday, January 27, 2008

O gelo que nos move

Eu devia ter uns 10, 11 talvez até 12 anos quando um dia, de presente, uma tia me deu uma bolsa.
Sim, uma bolsa dessas de meninas, uma bolsinha pequena, coloridinha, para usar a tiracolo. Olhei o presente e lembro de não tê-lo compreendido bem. Por um instante pensei que fora um engano. Para que aquilo me serviria? Por que eu não ganhara uma boneca, como sempre? Por que não me deram um Lego, uma fita de vídeo game, o que queriam me dizer com aquela bolsa? Eu não tinha carteira, não tinha dinheiro, nem mesmo um batom faria sentido pra mim, então, aquela bolsa ali me pareceu totalmente fora de propósito, embora eu não soubesse explicar isso muito bem. Fiz portanto, o que minha mãe mandou e disse obrigada à tia simpática.
Daí em diante as coisas pareceram mudar com uma velociadade estonteante. Não demorou muito e alguém me deu um brilhinho para os lábios. Mais algum tempo e minha mãe pediu que a manicure pintasse as minhas unhas. Eu, menina, nunca tinha sido lá um poço de vaidade e não estava percebendo o que o mundo já notara: Eu crescia e me transformava numa mulher.
Para mim o processo foi demorado, eu certamente tive um atraso em relação as outras meninas da minha idade. No elevador, as senhorinhas simpáticas já me diziam que eu estava uma moça e eu não entendia bem a o que elas se referiam. Seria ao meu cabelo? À minha altura, àquela sainha florida que a tia Neide fez? Nunca sabia e saia andando serelepe, sentando sem modos e correndo feito um moleque.
Recebi inúmeras dicas, avisos, alertas, de que o tempo estava passando mas eu demorei a notar.
Foi numa noite, numa festinha boba num salão de festas quase vazio, com uma brincadeira de beijo, abraço, aperto de mão e um tal passeio no bosque. Eu me coloquei numa fila de poucas meninas, fechei meus olhos e estendi a minha mão, quando senti um dedo frio encostar no meu dedo quente, e soube que precisava escolher uma das opções. Ali, naquela fração de segundo, antes que eu dissesse qualquer coisa, senti pela primeira vez um gelo estranho na minha barriga. Quando o gelo veio, estranhamente eu comecei a suar e talvez por isso tenha dito rápido em voz alta: Passeio no bosque, passeio no bosque!
Foi essa noite que, inesperadamente, uma onda de emoção me invadiu e eu soube (sem saber que sabia) que nunca mais estaria livre dessa onda de emoção. Desse dia em diante a vida mudaria de fato e as bolsas, os esmaltes, os batons, fariam parte da minha realidade de tal forma que eu não mais viveria sem essas pequenas futilidades.
As previsões não seriam mais tão simples, os dias não seriam mais tão longos, o tempo viria ágil, veloz e levaria num grande tufão o que restava de uma infância longa e ingênua.
A vida então, começaria de fato. Sim porque a vida não começa exatamente quando somos pequenos bebês, mas um pouco mais tarde com a grande descoberta que se dá, ali, pela adolescência. É lá, depois de uma bolsa, de um esmalte ou de um brilhinho, que passamos a enteder o mundo de outra forma, com outras cores...
Depois desses pequenos símbolos que o mundo nos oferta, não nos livramos mais. Em seguida você começa a passar perfume, nota que uma calça deixa sua pequena barriga mais ou menos saliente, pede pra fazer a sobrancelha, pra depilar os pêlos ainda finos da axila, percebe que um lápis de olho te deixa com o rosto mais vivo, começa a querer determinada sandália, bota, e descobre que o secador da sua mãe é muito fraco e que você precisa de uma escova daquelas grandes, quanto maior melhor.
Pronto, você ficou refém. Você se tornou uma pequena mulher e descobriu a maior entre todas as descobertas, o maior entre todos os poderes: O da conquista. Não sabe ainda que sabe tudo isso, mas já arrisca tentar conquistar o menino da 6ª B e, assim, já sabe que pode conquistar o mundo.
O que você fará daí por diante, vai ser repetir o que eu fiz na noite do salão de festas. Você vai ser movida pelo gelo na barriga. Primeiro o gelo se dá por um menino, depois por um homem feito e, um dia, você percebe que sente um gelo na barriga quando pensa naquele projeto esquecido, e aí parte para sua próxima consquista.
É isso, será sempre isso que faremos na vida, conquistamos. Diferentemente dos homens, não conquistamos porque queremos riquezas e reconhecimento, conquistamos pelo enorme prazer de conquistar. Consquistamos porque é o que sabemos fazer melhor e, quando você ganhou uma bolsa de alça longa, pra usar atravessado, era isso que a sua mãe queria te dizer. Que você, dali pra frente, conquistaria não só a ela e ao seu pai. Conquistaria um namorado, um amante, um emprego, um chefe, uma chefa, conquistaria um dia ao seu próprio filho e o levaria também pelos caminhos encantados da sedução e da conquista.
Eu recebi o sinal junto com a bolsa, mas foi um pouco depois, em um inocente passeio no bosque que eu ultrapassei as fronteiras da minha família, e vi, ainda de forma nebulosa, que a escolha melhor seria sempre um passeio. No bosque, na rua, no centro ou em qualquer lugar de um mundo que só precisava agora, enfim, ser conquistado.
Ah, a infância era boa, mas, embora eu temesse, passei a acreditar que – talvez - o melhor ainda estava por vir...

5 comments:

Amor amor said...

Vc acha mesmo que o homem só consquista pelo reconhecimento e por riquezas? Bem, existem aqueles que conquistam só pra conquistar, mas nesse caso, sempre estão se referindo às mulheres. A mulher (eu acho que a diferença está é aí), qdo conquista só por conquistar, não pensa só nos homens, mas em tudo o mais. Hmmm, que bom que nossa mente amadurece mais rápido. Mas, por outro lado, o que fazer qdo o cara que vc ama, ainda não amadureceu tanto qto vc? :0S
Já o meu atraso em relação às meninas foi no tamanho mesmo. Só começaram a notar que eu estava mocinha qdo eu já tinha uns 13, 14 anos. Eu sempre fui pequena, e cresci bem lenta. Desabrochei devagar...mas taí: gostei! A minha bolsa veio em ordem contrária à sua. Sempre fui vaidosa, com 8, já usava um batonzinho leve, um brilhinho, e como não tinha onde colocar, pedi a minha mãe pra comprar um bolsa, hahaha!
Seus textos como sempre, impecáveis, e trazendo aquela nostalgia tão gostosa!

Beijos doces cristalizados!!!

Mari Monici said...

Que bonito post amiga! Tudo assim comigo! SEmpre vou escolher o passeio, por mais medo que tenha. E olha, aqui, beirando os 30 (e de repente 30!) ando sentindo este primeiro frio an barriga... tão bom...no cinema assim qd encontramos outra mão para segurar...
E como tem bolsas lindas hoje em dia né? rs Que as tias se lembrem do nosso aniversario e da Corello! haha

Débora Böttcher said...

Valha-me... Mas tu escreves, hein? De onde 'recebes' tanta inspiração? Ela mata até eventuais comentários... :)
Beijo e saudade.
Vai estar por aqui no Carnaval?

Amor amor said...

Minha querida, depois passa lá no Rosa, deixei mais 3 prsentes virtuais pra vc lá!!!

Beijos e pétalas de cristal!!!

Anonymous said...

Como é bommmm reencontrar esse jeito tão especial e único que vc tem de escrever...!
Estava com saudades!!! =D

Bjo grande,
Caty =*