Quando eu era criança acreditava – e acreditava piamente – que os brinquedos, todos, acordavam quando eu ia dormir. As vezes, se demorava a dormir chegava a ficar com pena dos brinquedos que, coitados, estavam ansiosos para se verem sozinhos e a dona, aquela fedelha, não pregava logo os olhos. Fedelha não, que eu era uma mãe pra esses brinquedos. Quase que literalmente falando.
Pois hoje, que cresci, tenho pensado que as minhas insônias não atrapalham ninguém. Visto que não há brinquedos nessa casa, ninguém precisa muito que eu durma, e estar acordada ou não, é absolutamente indiferente para todos os objetos da casa. Para a mesinha de centro, para os porta-retratos, para os talheres na gaveta, para os clips, para o grampeador, o cesto de lixo, todos eles objetos mortos, sem vida, nada se esforça para que eu durma e, de repente, me dei conta que isso pode ser um indício de que a coisa está ficando braba.
Enquanto eu rolo de um lado para o outro, penso bobagens intermináveis, pra ver se elas me consomem mais energia, eu me cansaria mais e conseguiria dormir. Fico desejando ter brinquedos porque eles torceriam pelo meu sono.
Ao meu lado dorme um homem vivo que, sim, se interessa fortemente pelo meu sono, mas normalmente, ele se interessa enquanto dorme o que é absolutamente compreensível, já que qualquer pessoa viva quer dormir em algum momento do dia e, fora ele, não há nada que possa ter vida nessa casa. Tem uma orquídea na sala mas morreu. Os sapatos não acordariam, nem as saias, todas emboladas no guarda-roupa, se tivessem vida eu as teria matado sufocadas. Foi quando, num instante, lembrei do computador... opa, o computador. Lá dentro mora vida, claro! É lá, lá mesmo que eles torcem para que o expediente se encerre e possam estar livres, tirar a carcaça de megabytes e enfim se movimentar, requebrar o quadril, espreguiçar, balançar o esqueleto, como dizem por aí. Tudo bem, tudo bem, não vou falar das pastas, dos sites, dos arquivos... Eles talvez não, mas temos o MSN! O MSN, claro! Aqueles bonequinhos idiotas, todos estáticos, sem braços nem pernas, apenas cabeça e tronco. Todos eles, os bonequinhos panacas talvez sejam mais espertos do que possamos pensar e acordem a noite, agora mesmo que eu estou aqui, tentando dormir, com a casa silenciosa, eles podem estar fazendo a maior festa, gritando, tocando pandero, se livrando daqueles únicos ruídos secos de pe-pen, pum, tum, no máximo um trrrrr quando a gente clica em “chamar a atenção” não é isso? A idéia me despertou ainda mais. Os bonequinhos, que só vemos verdinhos ou cinzas, devem vestir cores diferentes, usar neon, brilhos, até acessórios talvez, quando enfim a tela fica negra para nós. É aí, nesse instante de alegria que temos ao final do dia, que eles se aliviam. Ufa, diz o primeiro mais ansioso, estava nervoso aqui, como ela trabalhou hoje... E eu ando engordando, tive que ficar o dia inteiro murchando a barriga pra não dar bandeira, não aguentava mais... Logo outra se acende, de laranja: Ai é mesmo, também dei uma engordadinha e os padrões estão muito antigos, não conseguimos mais mantê-los. O 38 virou 40, que virou 42, que virou 44, onde andará o manequim 46? Assim não dá! E outros vão se colorindo, se pintando, chamam os bonequinhos dos amigos, acordam os que ficam abandonados durante o dia, esses pobres que nem online ficam, os que estão bloqueados, coitados, tem que passar o dia com uma placa na cara, isso não está certo, o cara fica meio estranho, meio tonto, a noite pra compensar têm de ir a forra...
A idéia me animou. Quem sabe eles, quem sabe os bonequinhos do MSN me salvariam da solidão de mais uma noite em claro? Arquitetei um plano, com cuidado. Eu ligaria o computador quase sem abrí-lo, para que eles não notassem. Quem sabe um mais desavisado ainda estivesse andando pela tela, distraído, ou então aqueles dois, os amantes, poderiam tentar se esconder atrás de um ícone do desktop, mas eu moveria todos, mudaria tudo e, um, pelo menos um deles, eu conseguiria pegar.
Cheguei a levantar, mas, numa fração de segundo, antes de ficar de pé, lembrei dos meus brinquedos. Eu tentei isso tantas vezes. Acordei, menina esperta, ligeira que eu era e, mais de uma dezena de vezes fui ao quarto de brinquedos, sorrateiramente, quando abria a porta, ágil, veloz, certa de que dessa vez não passaria, pronto, eles tinha se calado, se ajeitado e eu nunca, nem por uma vez sequer, consegui flagrá-los em um momento de balbúrdia. Se eles que eram de plástico, de madeira, velhos e bocós eu nunca peguei, pensei sentada na cama do meu quarto escuro, imagine esses do MSN, que são muito mais modernos, versão 7.0, eles é que eu não vou conseguir pegar mesmo, concluí enquanto deitava de novo, virando pro lado e bocejando pela primeira vez na noite. Talvez pensar bobagens gaste mesmo mais energia do que o normal, foi meu último pensamento antes de adormecer...
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4 comments:
Se procura vida nas noites insônes encontrou aqui nesta amiga! Não sei se me comovi ou se achei graça do post, mas sei que este Mundo de Bob me arrepiou de ler..e lembrar dos nossos tempos BOb...um beijo querida
Ai, que saudade dos tempos que eu achava que cada uma das minhas bonecas tinham personalidade. E eu ficava a imaginar o que elas estavam pensando, hahaha! Espero que elas tenham gostado do nome que dei pra elas, hahaha, eu me lembro até hoje.
Hmmm, que legal! Se os bonequinhos do msn tb tivessem vida própria...sabe que você me deu asas à imaginação? Acompanhei a linha de raciocínio, e até voltei a ser criança de novo, que gostoso isso!!! Me diverti muito lendo esse post; não disse que vc não tinha esquecido sua inspiração nas malas de viagem? :0>
Beijocas doces cristalizantes!!!
Aninha, depois passa lá no Rosa, tem um selinho pra você!!!
Beijocas doces cristalizadas!!!
Kika, estou sentindo falta de seus textos, tenho entrado todo dia procurando os novos..... e aí????? , eu sei que vc está trabalhando muito... mas eu gosto tanto de lê-los .... Logo vem o carnaval , vamos ver se vc acha tempo!!!!!Beijinhos saudosossss
Célia
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