Wednesday, October 31, 2007

O pernilongo e nós

As minhas noites insones têm sido grandes descobertas. Tenho apreciado com outros olhos coisas abolutamente ridículas como, por exemplo, os pernilongos.
Quem, no mundo, não odeia os pernilongos? Lembro-me que, há tempos atrás, falando dos animais chatos, o pernilongo foi alvo do meu maior aborrecimento: “Se eu pudesse exterminar da terra, apenas uma espécie entre todas, escolheria, sem sombra de dúvidas, que os pernilongos desaparecessem.” Falei isso em uma discussão acirrada sobre os insetos e outros tipos de bichos, num almoço qualquer do ano passado... Mas hoje, hoje não.
Hoje, depois que me deito, demoro pelo menos 1 hora para dormir. Isso nos dias bons. Esse período fico pensando na vida, enrolando, desenrolando, enfim. As vezes tento falar com o meu marido, que dorme ao lado, sem que nada – exceto eu - o perturbe.
As vezes falo qualquer coisa como: “A entrevista da Marília Gabriela foi ótima, você deveria ter visto”. E ele, sem nem saber o que eu disse, resmunga algo que não tem nada a ver como: “Brigado”. Daí gosto de fazer alguns testes. Falo, por exemplo: “Eu te amo tanto seu narigudo!” E ele reponde: “Desculpa”. As vezes também, ele reaje com um “amém”. Acho engraçado, esse “amém” tão fora de contexto... E, quando eu fico muito insistente, ele vira para o lado falando, muitas vezes, todas as palavras juntas: “Desculpa, brigado, amém”. Eu rio sozinha, admirando a noite silenciosa, minha cama quentinha, meu bem falando bobagens que nem sabe, ali, ao meu lado... Até, que, de repente, ele aparece: zzzzzzzzzzzz. Pronto, eu não espero nenhum minuto. Sacudo o Bruno, falando alto: “Amor, amor, acorda, tem pernilongo”. Ele resmunga alguma coisa, mas vai devagar tirando o cobertor das pernas, e, ainda de olhos fechados, levanta. Acende a luz e vai dizendo com a testa franzida: “Tem certeza?” - “Tenho claro, ele me picou, falou no meu ouvido! Ele está aqui, juro!”
E ele vai desfranzindo a testa, abrindo os olhos, as mãos na cintura, olhando ao redor. Sacode o cobertor, fecha o armário, bate atrrás do criado-mudo. Eu fico ali, deitada, quieta, observando. Fico querendo tanto achar o pernilongo, só pra gritar: “Achei!!”. Que prazer é maior do que quando você acha aquilo que procura? Ah, é tão delicioso encher o peito, apontar para o que todo mundo está procurando e gritar, sozinha: “Achei!!”.
Mas aí, é de repente que percebo, ele ganhou o prazer que eu queria. Em voz baixa, mas já com um brilho nos olhos, ele diz: “Achei!”. E daí que começa a melhor parte. Obstinado, ele fica na ponta dos pés, ergue os braços, bate palmas no ar, sobe na cama, bate nas pareces, até em mim, as vezes ele bate, tentando pegar o maldito, e nada. As vezes ele xinga: “Filho da puta!”, outras ele murmura: “Quase...” “Putz”... E eu fico deitada, dentro do cobertor, as vezes sento e assisto, as vezes ajudo: “Ele foi atrás da TV!” e ele corre pra achá-lo. Ficamos assim por um tempo, uma diversão ridícula que pra ele é um aborrecimento enorme, ganhou outro gosto nessas minhas noites insones. Não demora muito quando noto, ele vai ficando mais devagar, olha para um ponto fixo e se aproxima em câmera lenta. É chegada a hora, um milésimo de segundo e: PÁ!
“Aha!!”ele me olha, com um novo olhar, feliz, mostrando a mão com o bicho morto: “Matei!” Diz ele, como se dissesse: “Venci!”. É um “matei”, com orgulho, com uma alegria nova, desconhecida, uma prazer probido, uma vingança, há tempos esperada.
Sai do quarto, lava a mão e volta, adormece em 5 segundos.
Eu, permaneço acordada, refletindo sobre o efeito terapêutico do pernilongo e, vez ou outra, torcendo para o ruído incômodo do inseto voltar a agir e nos tornar, mais uma vez, crianças tolas, uma equipe de dois amigos, que trabalham juntos, apaixonadamente, numa missão especial, enquanto o mundo todo, dorme em São Paulo...

6 comments:

Anonymous said...

Queria adorei o texto, a unica coisa que eu não sabia é que eu era NARIGUDO!

Te amo
Bjs
Bruno

Anonymous said...

KIKA gostei muito desse tbem, so p/ te ajudar tem uma raquete eletrica que pega facil, facil os detestáveis, assim o Bruno pode continuar dormindo, tadinhoooooo.... Celinha

Mari Monici said...

Ai Ki....mas é pra tomar uns tapas merecidos esta de acordar o pobre pra matar o outro pobre...rsrs brincadeira...mas que até isto, esta missão especial seja doce nesta sua rotina. beijo Má

Anonymous said...

Que gosto arteiro e bom de te ler! Sempre que passo por aqui é uma aventura deliciosa!

Anonymous said...

Ana,
Como pode um ser tão pequeno e insignificante importunar tanto? Eu que fico toda vermelha quando levo uma mordida sei disso... rs
Adorei está "doce rotina"... agora já sei o que fazer nas minhas noites de insônia...rsrsrs
Beijos!

. said...

Não tem coisa pior mesmo do que pernilongo.Eu quando deito desmaio,ele pode cantar até,que nem escuto,mas meu marido...não dorme de jeito nenhum,enquanto não mata o bicho.Às vzs acordo de madrugada com ele procurando o danado...rsss...eu abro um olho,viro puxo o cobertor e tchau...e ele fica lá tentando pegar o bicho...kkkk...mas de manhã,às vzs acordo picada,principalmente na nuca.Aqui no lugar que moramos em Campinas,tem muitas árvores e um Lago da UNICAMP,então já viu,né?
Mas seu relato foi engraçado...rsss...
Bjs
Sonia Novaes