Thursday, July 12, 2007

Direto do túnel do tempo

Se hoje não escrevo, já o fiz tanto...
Pra isso que as pessoas estocam comida, não? Pra usar qdo falta... aliás, estoquei outras dessas crônicas aqui

Minha inspiração em 27/07/2004

Do amor e do susto

Marcia encontrou Rodolfo em um dia tão nublado e feio que parecia impossível ter pessoas boas debaixo de nuvens espessas como aquelas...
Mas eles se encontraram. Entre pilhas de papel, uma impressora, um bebedouro, os telefones que não paravam de tocar. Não se notaram de imediato, ela o achou estranho com esse nome cheio de “os”, e ele a achou neurótica porque espirrava sem parar.
Vez ou outra se esbarravam nos corredores... Uma vez, um dia não tão escuro, eles se notaram. Talvez porque ele estivesse com os olhos molhados, talvez porque ela sentisse suas pernas cansadas... Eles se notaram e se abrigaram.
Imediatamente, alguma coisa dela pulou pra dentro dele e vice-versa. Algo estranho mesmo, como se fossem pulgas saltitando de um para o outro, em segundos. Mas não era. Era uma certa identificação, uma empatia, uma afinidade maior do que afinidade, um querer bem, um querer mais, qualquer coisa assim, sem nome, sem explicação...
Andaram pra longe, tendo estado tão perto. Eram as mesas e os computadores que dividiam aqueles dois. Entre os óculos eles se viam, e se falavam sem mover os lábios. Marcaram um cinema, quase que sem se falar, debateram o filme em profundo silêncio, sabiam o que havia acontecido ali, naquele espaço vazio entre eles, sem que falassem ou sem que se tocassem.
Viveram nos dias frios que se seguiram o tempo mais quente entre todos os tempos. Amaram-se, riram, conheceram-se e amaram-se de novo, dia após dias, mês após mês. No ambiente frio em que se viam, as luzes pareciam terem se acendido. Entre papéis e telefones e barulho que os outros viviam, eles fingiam que viviam, e que participavam, acordados em um outro mundo, um mundo de flores e cheiros, que só os apaixonados conheciam.
Ah, tudo aconteceu com beleza e ternura, mas não importa agora...
O que importa, nesta narrativa, foi o nada que veio em seguida. O tempo leve e alegre que dividiram juntos, não tem tanto peso quando a dureza da separação que se impuseram em seguida...
Foi numa noite comum, quando dividiam uma pizza, que Rodolfo olhou longamente pela janela da pizzaria, respirou fundo e ela notou: Ele havia fugido. Tentou pegar na sua mão, antes que ele fosse de todo, mas não deu tempo. Aquela mão ali, que retribuiu ao aperto da sua, não era mais dele, mas de outro que entrou naquele corpo vazio tão logo seu amor havia ido embora.
Não, não se trata de uma possessão diabólica e muito menos santa. Trata-se de seres-humanos assustados, um homem enorme que se porta como um menino, uma voz grave que se calou diante do pavor de ver-se, novamente, enredado pelas teias do amor, essa doçura que tantas vezes já lhe embriagara levando-o a uma dor que lhe consumiram os ossos, sem que ele tivesse escapado a tempo...
Ele fugiu, mas fisicamente manteve-se ali, pedindo mais um pedaço de pizza. Sorrindo sem-graça para Márcia que se calou, rosto branco de pavor diante do homem novo e distante que se apresentava ali, perguntando se podia pedir a conta...
Pediram. Pagaram juntos, como sempre, mas não era mais como sempre.
Ai não, ele esta fugindo, Márcia pensava quando olhava o novo homem ali, dirigindo doce e terno como sempre. Mas não era mais como sempre.
Ele havia fugido e - que pena - fisicamente tinha ficado.
Rodolfo sentia tanto pavor das cordas quentes do amor que não as suportara e, sem saber bem, saíra quando estava quase tomado...
Márcia tentou achar que estava enganada. Beijou-lhe seu melhor beijo e disse até amanhã com sua melhor entonação. Mas não tinha jeito. Ele havia fugido.
Os próximos dias foram uma sucessão de encontros e desencontros. Perseguições e sustos, perdas e surpresas, correria e cansaço.
Ela queria sair ele queria ficar, ela queria beijar, ele queria dormir... Ela queria tentar, insistentemente tentar e ele queria fugir, assustadoramente fugir....
Pois foi quando se consumou um dia o que ela já sabia: “Não sei o que houve, vamos dar um tempo, esperar, parar...” ela ouvia sabendo de antemão cada palavra do outro. Não respondeu nada.
Queria gritar, queria lhe sacodir pra trazer de volta o outro, o forte, o que se entregava, o menino que havia vivido ali, no corpo adulto já com marcas e mágoas demais para continuar...
Márcia não conseguiu. Dentro de si, dizia tudo o que queria: “Mas escuta, eu amo você, eu te faço rir, eu te faço calmo, eu faço feliz, eu te faço seguro, eu sei, eu te faço bem... Ei, olhe pra mim, eu te faço chá noite se você tiver gripe, eu te faço massagem quando você se cansar, eu te faço carinho e eu não te faço nada quando você quer silêncio...Ai, ai, olha aqui Rodolfo, Rô, sou eu a Má, sua linda que você chamava assim, que você morria de rir, que você queria ver toda hora, que você abraçava forte e esquentava no frio...” Ah ela falou tudo por dentro, gritou por dentro, mas na hora de sair uma palavra, respondeu que tudo bem, que entendia, que concordava. Respondeu o que uma outra responderia, porque ali, com o rosto branco de pavor, a pele gelada de susto, já não era ela que falava. Da mesma forma que os olhos opacos que a olhavam, os pés cansados que partiram, não era mais do homem que ela conhecera...
Despediram-se os dois, sem saber que já haviam se perdido há tempos. Quando sentiram medo, quando se lembraram, quando sentiram fraqueza... Deram adeus, sem saber que já o haviam feito, que já o haviam dito, no silêncio, nas entrelinhas, nas ausências... há tanto tempo, quando sequer se conhecia, quando sequer sonhavam um com o outro, quando temeram, quando choraram, quando um amor negado foi o frio arrebatador que congelou um deles até lhe doer os ossos.
Se perderam, se despediram, e Rodolfo seguiu vivendo uma vida morna, porque ela sim, era mais segura que o calor aconchegante do amor incerto.

4 comments:

Anonymous said...

Adorei o texto. E gosto de rotina, principalmente quando se consegue encará-la com doçura e não com desprezo... por isso linkei teu blog no meu.

Mari Monici said...

Como se tivesse mais opção pra fuga do que o pavor...Pobre Rodolfo na verdade, que não soube estar ali.
beijo querida e que bom que foi só um estoque de letras e não a realidade né?

Anonymous said...

Também tenho "resgatado" escritos antigos. Não escrevo como escrevia antes, a vida está bem melhor do que as letras. Antes nós escrevíamos porque havia o desejo. Hoje vivemos nossos sonhos.
"Viver é melhor que sonhar..."
Beijos, querida

Mariana said...

Então..saindo do tinel do tempo...vai mais escrever não? rsrs
Saudade
beijo