Da crônica do dia
Você está lá, comendo o seu pão de queijo delicioso, talvez recheado de requeijão, talvez puro, mas o momento é de absoluto prazer. Chega alguém. Um amigo, um parente, um inimigo. Você, gentilmente, oferece um pedaço. Pausa. Parem a cena um instante e avaliem, qual a pior resposta que podem receber desse visitante incômodo que veio só lhe dizer um “oi”? “Aceito, claro”, seguido de um esticar de mãos e uma babada no que sobrar do seu quitute. Pode parecer ruim, mas, o meu mais profundo pavor não é esse. O que me gela o coração, nessas horas, é se a pessoa pegar o pão de queijo e disser, quase que solidária, “Ah, você não quer mais?”. Pronto. Você terá de dizer: “Não, não, eu quero sim, te ofereci só um pedaço.” Ou, se for mais tímido e resignado, aceitará: “É, não queria mais mesmo”, e terá seu dia arrasado por perder o melhor pedaço dele.
Mas o sol nasceu para todos e, um dia, você experimentará o contrário. Saia para jantar com o marido, com um amigo, ou amiga, tanto faz. A noite está ótima, o cardápio é tentador, você fica em dúvida entre um prato ou outro, pede um, ele pede outro. Tudo corre bem, até que chega o jantar. O garçom vem, erguendo os pratos no alto, a sua boca começa a salivar quando ele desce aquele mais saboroso, mais apetitoso, hum, era bem isso que eu queria, você pensa quando - de repente - nota que esse é o do seu parceiro e, na sua frente, é colocado aquela pasta sem graça. “O que foi mesmo que eu pedi?” é a pergunta que não quer calar diante de uma noite sem conserto.
Embora tolas, são muitas, muitas, as bobagens que estragam o nosso dia. Telemarketing é clássico. Mas alguns comentários impertinentes e inevitáveis começam com a nossa ação. Você liga para o seu banco para fazer uma transferência. Depois de digitar milhares de números, o banco te identifica e, solícito, sai falando o seu saldo disponível, cheque especial e etc. Quem perguntou? Você pode até não querer saber, oras. E, falando em impertinente, quer coisa pior que vendedora que fica atrás de você na loja, o tempo inteiro, para depois concluir, sem ser chamada: “É calça social que você quer, né?”. Ainda nessa caso, você pode dizer que não e sair da loja. No entanto, há irritações diárias e inevitáveis para as quais apenas uma atitude muito drástica teria algum efeito.
Uma amiga me contou que tem uma colega de trabalho, uma menina nova e linda, que, um belo dia, resolveu deixar um cachinho de seu cabelo solto, caído na testa, como um pega-rapaz mesmo. Era para ser um dia bom, minha amiga estava entrando no escritório feliz, quando se deparou com a menina ali, sentada no seu computador, sorridente, com o cacho caído na testa. Parou, olhou e teve vontade de avisar, como se acabasse de ver uma alface no dente da colega, mas, em menos de um segundo notou que o pega-rapaz estava ali de propósito, saltando aos olhos escuros da menina que, certamente, estava orgulhosa da grande invenção do dia. Acontece que isso tornou-se um incômodo. A menina bonita ficara feia e cafona, agredira-se com os próprios cachos e não se pode ficar passivo diante disso. Minha amiga, coitada, levantou diversas vezes durante aquele dia, ensaiou um jeito de avisar a menina que aquilo não era certo, pensou mesmo em cortar a mecha como que por engano, ou como que surtada, ou fingindo que tinha TOC, ou qualquer coisa assim. Não conseguiu. Todos os dias, entra no escritório preocupada e tenta evitar o contato visual com a outra, de forma que não se sinta tão mal pelo constrangimento voluntário que a pobre menina se impôs. Ela, a minha pobre amiga, jura que o restaurante. o pão de queijo perdido ou a vendedora são fichinhas perto daquela mecha molenga e irritante, no rosto de sua vizinha de mesa...
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