Vendo tudo. Na crônica do dia.
Desde criança eu usei óculos. Desde muito, muito pequena. Na minha lembrança mais antiga, há sempre um par de óculos em meu rosto. Ora um pequeninho, ora de gatinho, ora colorido, ora um quase invisível como dizia a minha mãe, tentando amenizar o peso de uma miopia altíssima no rosto de uma menina de 7, 8 anos.
Os óculos eram como uma extensão de mim. Eu tomava banho com eles e cheguei mesmo a dormir e acordar com os vidros diante de meus olhos. No banheiro, um dia, lembro-me que resolvi tomar banho sem óculos e, quando sai do chuveiro, não distinguia o que era uma calça jeans pendurada do toalheiro, da toalha, logo ao lado. Eu devia ter uns 6 graus na época, não lembro. Não havia tecnologia que tirasse o aspecto de fundo de garrafa dos meus óculos e, quando eu fiz 12 anos, ganhei enfim, minhas lentes de contato.
Ainda tentei resistir a elas. As pessoas me incentivavam a usar, mas eu não me incomodava de viver com aquele trambolho sobre o nariz. Era comum os amigos de meus pais dizerem: “Quando ela ficar mocinha vai querer... Deixa ela ficar mais vaidosa pra você ver”. Dito e feito. Um belo dia, resolvi aderir a elas com empolgação e não as soltava mais. Não ia sequer à portaria de óculos. Tirava as lentes para dormir, mas as esquecia em meus olhos algumas noites, era uma maravilha... Foi só quando eu fiz 20 anos que a cirurgia começou a ser popular. Eu já tinha passado dos 7 graus exigidos por lei para que o convênio cobrisse o procedimento e, portanto, depois de uma maratona de perícias, foi-me concedido esse direito.
Ainda posso sentir o cheiro do hospital quando entrei na sala de cirurgia. Eu ia fazer uma vista e, depois de alguns dias, voltaria para fazer a outra. Minha mãe esperava-me ansiosa do lado de fora, quando eu tentei convencer meu médico: “Faz as duas hoje vai?”. “As duas?” ele me respondeu, surpreso. “É, de uma vez, acaba rápido” – eu estava quase implorando quando ele topou. Disse para eu me apressar antes que mudasse de idéia e lá fomos nós. Foi tão rápido, e eu sentia-me tão imensamente feliz que não consegui notar qualquer incômodo.
Não nem preciso fechar os olhos para lembrar-me da expressão de minha mãe, quando sai andando da sala de cirurgia, toda serelepe, com dois tampões transparentes de acrílico, um em cada olho, anunciando: “Ele fez as duas, ele fez as duas!”. Sua expressão era de terror: “Meu Deus, as duas!?!?!” ela estava assustada e eu eufórica, era impossível conter o meu riso de alegria e exaltação...
A imagem que mais profundamente cravou-se em minha memória daquele dia, foi quando saíamos do hospital, juntas, ela tentava segurar a minha mão para auxiliar-me a atravessar a rua e eu respondi, com uma emoção absolutamente nova: “Não precisa mãe. Eu enxergo, eu estou vendo, estou vendo!”
Passaram-se semanas, talvez meses para que eu me adaptasse a viver sem nada sobre o meu rosto. Foram inúmeras as noites em que acordei no meio da madrugada e, notando que enxergava as horas no relógio ao lado, corria para o banheiro pensando: “Meu Deus, dormi de lente, de novo!”. A alegria de perceber-me sem lente, já diante do espelho da pia, para mim, era um susto tão bom, como se fosse um novo presente a cada noite, a cada piscada, a cada milésimo de segundo enxergando.
Foi preciso 20 anos da minha vida, para que eu enxergasse o valor de ver, simplesmente ver, ainda que embaçado, ainda que fosco, ainda que desfocado, foi ali que eu percebi como era bom abrir os olhos. Decidi nunca mais fechá-los.
Thursday, February 26, 2009
Monday, February 23, 2009
Férias
Acontece que vou viajar. A esta altura, já estou viajando. Não é incrível? Você aí, lendo isso, e eu de férias do outro lado do mundo?
Não incrível como o tempo se dá, sempre sem esquecer-se, sempre sem perder um segundo, sempre sem parar por nenhum, nenhum mínimo instante?
E o blogger? Eu descobri que posso agendar posts, portanto, vocês estão lendo como se eu tivesse escrito agora, mas não. Escrevi lá atrás, na 6a feira, quando estava no calor, correndo, pensando, correndo.
Junto com esse, estou deixando uns outros textinhos agendados pra cair aqui, nesse mesmo site, como conta-gotas, a seu tempo.
Estarei aqui sem estar... As coisas acontecerão apertadas por um botão, e isso me faz desejar que eu pudesse agendar meus dias de trabalho, minha performance, até a minha ginástica para que tudo, tudo, poudesse ser feito assim, enquanto eu estivesse vivendo, de férias, em qualquer lugar do planeta...
Não incrível como o tempo se dá, sempre sem esquecer-se, sempre sem perder um segundo, sempre sem parar por nenhum, nenhum mínimo instante?
E o blogger? Eu descobri que posso agendar posts, portanto, vocês estão lendo como se eu tivesse escrito agora, mas não. Escrevi lá atrás, na 6a feira, quando estava no calor, correndo, pensando, correndo.
Junto com esse, estou deixando uns outros textinhos agendados pra cair aqui, nesse mesmo site, como conta-gotas, a seu tempo.
Estarei aqui sem estar... As coisas acontecerão apertadas por um botão, e isso me faz desejar que eu pudesse agendar meus dias de trabalho, minha performance, até a minha ginástica para que tudo, tudo, poudesse ser feito assim, enquanto eu estivesse vivendo, de férias, em qualquer lugar do planeta...
Thursday, February 19, 2009
NO AVIÃO >> Ana Coutinho
Escrito no ar e postado da Crônica do dia
Eu estava sentada na minha poltrona, absolutamente entretida na minha leitura, quando a comissária avisou que as luzes da cabine seriam reduzidas para decolagem. Pronto, um instante depois e eu não conseguia saber o que acontecera com o personagem do romance que eu tinha em mãos. Decidi então acender a luzinha individual, essa que fica acima de nossas cabeças, no teto do avião. Acontece que, quando olhei para cima, tive uma surpresa. A minha luzinha não estava lá. Havia uma luzinha exatamente sobre as poltronas da frente e havia luzinhas na linha exata das poltronas de trás. Onde estariam as minhas? Uma rápida pesquisa me fez notar que, talvez — e apenas talvez — aquelas da frente poderiam ser as minhas, e as de trás, seriam na verdade, dos detrás dos detrás. Enfim, inclinei-me cuidadosamente para acender a luz da poltrona da frente — porque achei que poderia ser a minha — e, assim que a lampadinha iluminou tudo abaixo dela, a moça que estava sentada na poltrona correspondente remexeu-se, teve um espasmo e acordou subitamente, olhando para mim como se eu tivesse feito a coisa mais absurda do mundo. Virou-se e lançou-me um olhar assassino, sem a menor cerimônia e com tanto ódio que eu cheguei a sentir-me tranquilizada por não ser permitido embarcar com objetos cortantes. O olhar maldoso da mulher foi tão assustador que desliguei a luzinha imediatamente, e ainda fingi que estava só me espreguiçando. Cocei a cabeça, desajeitada, simulando um bocejo, e ela voltou ao seu lugar, como se acalmada pelo meu pavor. Resignada, mas não vencida, pensei que quem sabe a luzinha de trás seria a minha. Mas abaixo dela dormia um senhor de bigodes, que sempre é uma coisa que deixa a gente meio desconfortável, de maneira que não tive coragem de tentar aquela de trás e fiquei lá, meio que me inclinando, forçando a vista, mas nada. Eu tinha pego várias daquelas balas de caramelo que as aeromoças oferecem e era só o que me restava. Comê-las uma atrás da outra, ansiosa para que o tempo passasse. Observei mais uma vez a moça da frente. Ela não precisava ter sido tão rude comigo, devia ser uma chata daquelas. Senti vontade de jogar um das balas duras na cabeça dela. Eu faria discretamente, ela tomaria um susto e quando se virasse para me flagrar, eu estaria com os olhos fechados, dormindo o sono dos anjos. Pensei, bolei tudo, mas não tive coragem, sempre fui meio ruim de mira, vai que acertava, sei lá, o piloto... Pensei também em chamar a aeromoça, só que, vocês sabem, a tripulação tem obrigação de desaparecer na hora da decolagem... Ao meu redor, todos dormiam, o que aumentou a minha irritação por ser a única a sentir-se com as mãos atadas, nas luzes apagadas, e absolutamente acordada. Foi quando, de repente, mexi a única coisa que podia, que eram os meus pés, e senti que a salvação viria. Ali, enroscada nos meus pés, estava a alça da bolsa da chatonilda, a da poltrona da frente, que, pra dormir melhor, deve ter deixado seus pertences no chão, sem imaginar que eles andariam com o avião acelerando. Sem nem pensar direito, comecei a puxá-la delicadamente para mim, até tê-la completamente sob a minha visão. A bolsa era dessas sem zíper, de forma que eu podia ver o que havia dentro. Uma agenda, uma caneta, uma carteira... a luz de repente não me fazia falta, eu via tudo e logo concluí que a chata devia ter TOC, tão organizada e metódica que era. Eu desconfiara desde o início. No entanto, constatar uma doença não me afeiçoou a mulher. Ao contrário, sentia-me tão ansiosa ali que resolvi fazer algo de útil. Jogar os meus papéis de balas, aquele monte de lixo, dentro do lixo mais próximo, que estava logo ali, a bolsa organizada da neurótica. Juntei todos dentro de uma mão e pronto, larguei dentro da bolsa, muito discretamente. Também pensei em escrever um bilhete: “Eu sou a luz sobre a sua cabeça, sua tonta!” Mas não tinha tempo, tampouco habilidade. Acabei por dar uma balançadinha na Louis Vitton Standcenter dela, para que os papéis fossem bem até o fundo. Quando devolvi a bolsa ao seu lugar, empurrando-a delicadamente com os meus pés, senti uma alegria e uma excitação renovadas. Foi em um instante, quando o avião decolava, que notei como pode ser bom ter 30 anos, mas sentir-se com o vigor e a astúcia de uma criança de 8.
Eu estava sentada na minha poltrona, absolutamente entretida na minha leitura, quando a comissária avisou que as luzes da cabine seriam reduzidas para decolagem. Pronto, um instante depois e eu não conseguia saber o que acontecera com o personagem do romance que eu tinha em mãos. Decidi então acender a luzinha individual, essa que fica acima de nossas cabeças, no teto do avião. Acontece que, quando olhei para cima, tive uma surpresa. A minha luzinha não estava lá. Havia uma luzinha exatamente sobre as poltronas da frente e havia luzinhas na linha exata das poltronas de trás. Onde estariam as minhas? Uma rápida pesquisa me fez notar que, talvez — e apenas talvez — aquelas da frente poderiam ser as minhas, e as de trás, seriam na verdade, dos detrás dos detrás. Enfim, inclinei-me cuidadosamente para acender a luz da poltrona da frente — porque achei que poderia ser a minha — e, assim que a lampadinha iluminou tudo abaixo dela, a moça que estava sentada na poltrona correspondente remexeu-se, teve um espasmo e acordou subitamente, olhando para mim como se eu tivesse feito a coisa mais absurda do mundo. Virou-se e lançou-me um olhar assassino, sem a menor cerimônia e com tanto ódio que eu cheguei a sentir-me tranquilizada por não ser permitido embarcar com objetos cortantes. O olhar maldoso da mulher foi tão assustador que desliguei a luzinha imediatamente, e ainda fingi que estava só me espreguiçando. Cocei a cabeça, desajeitada, simulando um bocejo, e ela voltou ao seu lugar, como se acalmada pelo meu pavor. Resignada, mas não vencida, pensei que quem sabe a luzinha de trás seria a minha. Mas abaixo dela dormia um senhor de bigodes, que sempre é uma coisa que deixa a gente meio desconfortável, de maneira que não tive coragem de tentar aquela de trás e fiquei lá, meio que me inclinando, forçando a vista, mas nada. Eu tinha pego várias daquelas balas de caramelo que as aeromoças oferecem e era só o que me restava. Comê-las uma atrás da outra, ansiosa para que o tempo passasse. Observei mais uma vez a moça da frente. Ela não precisava ter sido tão rude comigo, devia ser uma chata daquelas. Senti vontade de jogar um das balas duras na cabeça dela. Eu faria discretamente, ela tomaria um susto e quando se virasse para me flagrar, eu estaria com os olhos fechados, dormindo o sono dos anjos. Pensei, bolei tudo, mas não tive coragem, sempre fui meio ruim de mira, vai que acertava, sei lá, o piloto... Pensei também em chamar a aeromoça, só que, vocês sabem, a tripulação tem obrigação de desaparecer na hora da decolagem... Ao meu redor, todos dormiam, o que aumentou a minha irritação por ser a única a sentir-se com as mãos atadas, nas luzes apagadas, e absolutamente acordada. Foi quando, de repente, mexi a única coisa que podia, que eram os meus pés, e senti que a salvação viria. Ali, enroscada nos meus pés, estava a alça da bolsa da chatonilda, a da poltrona da frente, que, pra dormir melhor, deve ter deixado seus pertences no chão, sem imaginar que eles andariam com o avião acelerando. Sem nem pensar direito, comecei a puxá-la delicadamente para mim, até tê-la completamente sob a minha visão. A bolsa era dessas sem zíper, de forma que eu podia ver o que havia dentro. Uma agenda, uma caneta, uma carteira... a luz de repente não me fazia falta, eu via tudo e logo concluí que a chata devia ter TOC, tão organizada e metódica que era. Eu desconfiara desde o início. No entanto, constatar uma doença não me afeiçoou a mulher. Ao contrário, sentia-me tão ansiosa ali que resolvi fazer algo de útil. Jogar os meus papéis de balas, aquele monte de lixo, dentro do lixo mais próximo, que estava logo ali, a bolsa organizada da neurótica. Juntei todos dentro de uma mão e pronto, larguei dentro da bolsa, muito discretamente. Também pensei em escrever um bilhete: “Eu sou a luz sobre a sua cabeça, sua tonta!” Mas não tinha tempo, tampouco habilidade. Acabei por dar uma balançadinha na Louis Vitton Standcenter dela, para que os papéis fossem bem até o fundo. Quando devolvi a bolsa ao seu lugar, empurrando-a delicadamente com os meus pés, senti uma alegria e uma excitação renovadas. Foi em um instante, quando o avião decolava, que notei como pode ser bom ter 30 anos, mas sentir-se com o vigor e a astúcia de uma criança de 8.
Thursday, February 12, 2009
O HOMEM E O MENINO
Diretamente do CDD.
Eu estava na manicure que era num salão, desses bem fuleiros, onde atende mulher, homem, e quem mais vier.
Já estava na segunda mão quando eles chegaram, os dois juntos. Era um homem e um menino. O homem, uns 40 anos, foi logo falando pro barbeiro: “A gente vai raspar. Passar máquina 1”. O menino, uns 15, baixou a cabeça, sem graça e permaneceu em silêncio. “Os dois?” O barbeiro perguntou, olhando para a vasta cabeleira de ambos os rapazes. “Os dois.” Respondeu o homem, convicto. “Quem primeiro?” Houve um silêncio, antes de o homem dizer para o menino: “Pode ir, vai lá”. O menino sentou na cadeira com uma expressão tão triste e conformada, que cheguei a me sentir comovida por ele. O homem batia nos ombros dele, consolando: “Cabelo cresce” dizia, sem conseguir parecer otimista. Quando começou a passar a máquina, eu jurei que o menino ia chorar. Ele coçava os olhos, calado, nenhuma palavra, tentava fingir que estava bem, estando absolutamente desolado. O homem, por sua vez, tentava dar um sorrisinho, mudar de assunto, e disfarçar o indisfarçável: A dupla estava sofrendo horrores. Eram cúmplices, companheiros, grandes amigos e, juntos, sofriam um sofrimento desconhecido pra mim.
Eu já estava com uma mão inteira feita quando comecei a sentir-me triste pelo menino. Uma espécie de pavor pelo sofrimento alheio me invadiu, e comecei a questionar-me: O que acontecia? Porque aquele menino precisava passar por aquilo, era uma maldade muito grande! Olhei-o pelo espelho e logo que o olhar dele me encontrou, eu tentei sorrir: “Nossa, está ficando bonito!” falei a mentira deslavada com uma sinceridade surpreendente, quase acredite em mim mesma. O menino, coitado, balançou a cabeça negativamente e permaneceu calado, como se qualquer palavra fosse faze-lo explodir em lágrimas. Era um silêncio ensurdecedor. O homem, já sentado na cadeira ao lado endossou as minhas palavras, parecendo imensamente agradecido: “Aí ta vendo?” Ele disse com uma empolgação fascinante. Mas a verdade é que a gente sabia. Todo mundo ali sabia que não estava bom. O menino, gordinho, ficava com a cara ainda mais redonda conforme os cabelos iam caindo, tufos enormes ao chão. Tive vontade de perguntar. Seria alguma aposta? Tentei lembrar do campeonato de futebol, se alguém tinha perdido pra alguém recentemente, se tinha tido qualquer eleição de alguma coisa que fizesse um menino apostar com seus amigos: “Se meu time perder, eu fico careca, raspo meu cabelo com máquina 1!” Ele teria dito firme, observado pelos olhos incrédulos dos amigos: “Feito!” responderam os outros meninos, sádicos. Será? Será que ele era assim, tão comprometido? Não... Aquilo estava me parecendo mais uma obrigação. Como se ele precisasse fazer. Quando o homem já estava com a capa, e o barbeiro começava então a raspar-lhe a cabeça, pensei no pior: “Ai, meu Deus, o menino tá doente, aquela doença que nem o nome a gente fala, tadinho!” Eles se olhavam, com tamanha compaixão e cumplicidade que eu deduzi que eram pai e filho assolados por uma grande tragédia. O médico teria dito: “Já raspa o cabelo de uma vez, você é homem, está calor mesmo...” O menino teria relutado até aquela manhã, quando viu o chumaço de cabelo no travesseiro. Mostrou para o pai e foram, ambos de mãos dadas aceitar – quase que resignadamente – o que a vida lhes oferecera. Eu estava quase perguntando, juro, quase, quando a minha unha acabou.
Saí do salão e entrei no carro. Fiquei lá esperando os dois saírem. Não demorou muito e eu vi as carequinhas ali, andando pela calçada. Decidi segui-los. Se eu descobrisse onde moravam, pra onde iam, se fosse a uma festa ou a um velório talvez a minha dúvida aquietasse. Acontece que, depois de dois quarteirões dirigindo devagarzinho, encostando na calçada, e até simulando uma ligação no celular pra não ser pega, meus personagens amados entraram – ainda a pé – em uma rua contra-mão. Ai meu, Deus, meu Deus, onde eu estaciono? Como eu faço pra sair daqui e ir a pé atrás deles, não tem vaga, nenhuma vaguinha, um estacionamento, nada! Foi em um segundo, e eles tinham sumido da minha vista.... Os meninos tornaram-se meus heróis mundanos. Ainda tenho esperança que eles leiam a CDD e se manifestem, para acalmar meu coração.
Mas, se nunca o fizerem, ainda assim, guardei fundo na memória a cumplicidade e a força resignada de dois amigos. Um homem e um menino, que talvez trocassem de lugar, para tornar o duro fardo da vida, um pouco –e só um pouco – mais leve....
Eu estava na manicure que era num salão, desses bem fuleiros, onde atende mulher, homem, e quem mais vier.
Já estava na segunda mão quando eles chegaram, os dois juntos. Era um homem e um menino. O homem, uns 40 anos, foi logo falando pro barbeiro: “A gente vai raspar. Passar máquina 1”. O menino, uns 15, baixou a cabeça, sem graça e permaneceu em silêncio. “Os dois?” O barbeiro perguntou, olhando para a vasta cabeleira de ambos os rapazes. “Os dois.” Respondeu o homem, convicto. “Quem primeiro?” Houve um silêncio, antes de o homem dizer para o menino: “Pode ir, vai lá”. O menino sentou na cadeira com uma expressão tão triste e conformada, que cheguei a me sentir comovida por ele. O homem batia nos ombros dele, consolando: “Cabelo cresce” dizia, sem conseguir parecer otimista. Quando começou a passar a máquina, eu jurei que o menino ia chorar. Ele coçava os olhos, calado, nenhuma palavra, tentava fingir que estava bem, estando absolutamente desolado. O homem, por sua vez, tentava dar um sorrisinho, mudar de assunto, e disfarçar o indisfarçável: A dupla estava sofrendo horrores. Eram cúmplices, companheiros, grandes amigos e, juntos, sofriam um sofrimento desconhecido pra mim.
Eu já estava com uma mão inteira feita quando comecei a sentir-me triste pelo menino. Uma espécie de pavor pelo sofrimento alheio me invadiu, e comecei a questionar-me: O que acontecia? Porque aquele menino precisava passar por aquilo, era uma maldade muito grande! Olhei-o pelo espelho e logo que o olhar dele me encontrou, eu tentei sorrir: “Nossa, está ficando bonito!” falei a mentira deslavada com uma sinceridade surpreendente, quase acredite em mim mesma. O menino, coitado, balançou a cabeça negativamente e permaneceu calado, como se qualquer palavra fosse faze-lo explodir em lágrimas. Era um silêncio ensurdecedor. O homem, já sentado na cadeira ao lado endossou as minhas palavras, parecendo imensamente agradecido: “Aí ta vendo?” Ele disse com uma empolgação fascinante. Mas a verdade é que a gente sabia. Todo mundo ali sabia que não estava bom. O menino, gordinho, ficava com a cara ainda mais redonda conforme os cabelos iam caindo, tufos enormes ao chão. Tive vontade de perguntar. Seria alguma aposta? Tentei lembrar do campeonato de futebol, se alguém tinha perdido pra alguém recentemente, se tinha tido qualquer eleição de alguma coisa que fizesse um menino apostar com seus amigos: “Se meu time perder, eu fico careca, raspo meu cabelo com máquina 1!” Ele teria dito firme, observado pelos olhos incrédulos dos amigos: “Feito!” responderam os outros meninos, sádicos. Será? Será que ele era assim, tão comprometido? Não... Aquilo estava me parecendo mais uma obrigação. Como se ele precisasse fazer. Quando o homem já estava com a capa, e o barbeiro começava então a raspar-lhe a cabeça, pensei no pior: “Ai, meu Deus, o menino tá doente, aquela doença que nem o nome a gente fala, tadinho!” Eles se olhavam, com tamanha compaixão e cumplicidade que eu deduzi que eram pai e filho assolados por uma grande tragédia. O médico teria dito: “Já raspa o cabelo de uma vez, você é homem, está calor mesmo...” O menino teria relutado até aquela manhã, quando viu o chumaço de cabelo no travesseiro. Mostrou para o pai e foram, ambos de mãos dadas aceitar – quase que resignadamente – o que a vida lhes oferecera. Eu estava quase perguntando, juro, quase, quando a minha unha acabou.
Saí do salão e entrei no carro. Fiquei lá esperando os dois saírem. Não demorou muito e eu vi as carequinhas ali, andando pela calçada. Decidi segui-los. Se eu descobrisse onde moravam, pra onde iam, se fosse a uma festa ou a um velório talvez a minha dúvida aquietasse. Acontece que, depois de dois quarteirões dirigindo devagarzinho, encostando na calçada, e até simulando uma ligação no celular pra não ser pega, meus personagens amados entraram – ainda a pé – em uma rua contra-mão. Ai meu, Deus, meu Deus, onde eu estaciono? Como eu faço pra sair daqui e ir a pé atrás deles, não tem vaga, nenhuma vaguinha, um estacionamento, nada! Foi em um segundo, e eles tinham sumido da minha vista.... Os meninos tornaram-se meus heróis mundanos. Ainda tenho esperança que eles leiam a CDD e se manifestem, para acalmar meu coração.
Mas, se nunca o fizerem, ainda assim, guardei fundo na memória a cumplicidade e a força resignada de dois amigos. Um homem e um menino, que talvez trocassem de lugar, para tornar o duro fardo da vida, um pouco –e só um pouco – mais leve....
Monday, February 9, 2009
Excel e Powerpoint
Não que tenha feito muito sucesso não, mas saiu lá no CDD e era a única idéia que me veio à cabeça. É pobre mas é limpinha tá?.
Excel e Powepoint
Sempre achei gozada essa mania clichê de dividir a humanidade em dois: Os que estacionam na primeira vaga que aparece e os que vão mais pertinho, pra tentar achar outra melhor. Os que saem do cinema rápido e os que ficam assistindo ao letreiro. Os que trocam uma senha assim que a recebem, os que permanecem com a senha estranha por pura preguiça de fazer a mudança. São muitas, muitas as formas de nos agruparmos, mas, o que acho graça mesmo, é que elas são sempre as mesmas.
Todas essas tentativas de divisão encontram as mesmas possibilidades: ou somos humanos excel, ou somos powerpoint. Explico: os que param na primeira vaga são os que saem rápido do cinema, que normalmente gostam de powerpoint. Os que trocam uma senha assim que a recebem são os mesmos que vão procurar uma vaga mais perto, e são craques em excel.
Você pode até pensar que, como não é ligado a computador, não cabe em nenhum dos dois grupos, mas isso nada mais é do que um indício de que você é uma pessoa powerpoint. Os que pensam que não gostam de tecnologia são extensão ppt.
Os bons em excel são os que falam pouco, e os powerpoints são os prolixos. É tão claro. Não? Os que nunca instalam a impressora e vivem mandando e-mails com a frase “imprimir pls” são os que também não trocam as senhas. Que, normalmente, eu arriscaria dizer, são os prolixos. Já o outro grupo, daqueles que instalam a impressora de uma vez — e a qualquer custo — são os mais calados, que preferem excel e, por isso, são os que fazem conta no computador, lado oposto daquele grupo que, ao perguntado sobre qualquer porcentagem, faz de cabeça, rabisca com caneta num papel rascunho qualquer ou, na pior das hipóteses, demora tanto a responder que o outro desiste e vai embora. Dependendo de quem perguntou. Normalmente quem faz perguntas de cálculos para os outros são os que acordam tarde, ppts puro. Os matutinos costumam fazer as contas ao invés de perguntá-las. Extensão xls (de excel) pra eles, que são os mesmos, claro, dos que fazem exercícios regularmente, ao contrário dos dorminhocos que vivem sustentando academias que sequer conhecem. Esse segundo é o grupo que deixa bilhetes a mão, ao contrário dos excels, que desaprenderam a usar lápis e papel. Em compensação, são os melhores em eletrônicos. Enquanto os powerpoints apanham de qualquer DVD, os excels são capazes de instalar um sistema de som que ecoe por toda a paulista.
Você é desses? Você pode se identificar pela comida também. Há os que vivem pra comer e os que comem pra viver. Os primeiros são os glutões, os mesmos que vivem atrasados. Powerpoints né? Os segundos, pontuais, só poderiam ser excels.
Claro, claro que há exceções. Um guloso pode até ser bom em excel, mas nunca um atrasado vai ser um que não liga muito pra doce. Pode ver.
Se você duvidar que a vida é simples assim, posso apostar que é do grupo dos excels. Deve ser de direita. Não que um excel não possa ser petista, até pode, inclusive sei de muitos PSDBistas powerpoints, o que é raro, mas há controvérsias quanto à política, porque nem mesmo os políticos sabem bem em qual grupo se encaixam. Principalmente se forem ppts.
Excel e Powepoint
Sempre achei gozada essa mania clichê de dividir a humanidade em dois: Os que estacionam na primeira vaga que aparece e os que vão mais pertinho, pra tentar achar outra melhor. Os que saem do cinema rápido e os que ficam assistindo ao letreiro. Os que trocam uma senha assim que a recebem, os que permanecem com a senha estranha por pura preguiça de fazer a mudança. São muitas, muitas as formas de nos agruparmos, mas, o que acho graça mesmo, é que elas são sempre as mesmas.
Todas essas tentativas de divisão encontram as mesmas possibilidades: ou somos humanos excel, ou somos powerpoint. Explico: os que param na primeira vaga são os que saem rápido do cinema, que normalmente gostam de powerpoint. Os que trocam uma senha assim que a recebem são os mesmos que vão procurar uma vaga mais perto, e são craques em excel.
Você pode até pensar que, como não é ligado a computador, não cabe em nenhum dos dois grupos, mas isso nada mais é do que um indício de que você é uma pessoa powerpoint. Os que pensam que não gostam de tecnologia são extensão ppt.
Os bons em excel são os que falam pouco, e os powerpoints são os prolixos. É tão claro. Não? Os que nunca instalam a impressora e vivem mandando e-mails com a frase “imprimir pls” são os que também não trocam as senhas. Que, normalmente, eu arriscaria dizer, são os prolixos. Já o outro grupo, daqueles que instalam a impressora de uma vez — e a qualquer custo — são os mais calados, que preferem excel e, por isso, são os que fazem conta no computador, lado oposto daquele grupo que, ao perguntado sobre qualquer porcentagem, faz de cabeça, rabisca com caneta num papel rascunho qualquer ou, na pior das hipóteses, demora tanto a responder que o outro desiste e vai embora. Dependendo de quem perguntou. Normalmente quem faz perguntas de cálculos para os outros são os que acordam tarde, ppts puro. Os matutinos costumam fazer as contas ao invés de perguntá-las. Extensão xls (de excel) pra eles, que são os mesmos, claro, dos que fazem exercícios regularmente, ao contrário dos dorminhocos que vivem sustentando academias que sequer conhecem. Esse segundo é o grupo que deixa bilhetes a mão, ao contrário dos excels, que desaprenderam a usar lápis e papel. Em compensação, são os melhores em eletrônicos. Enquanto os powerpoints apanham de qualquer DVD, os excels são capazes de instalar um sistema de som que ecoe por toda a paulista.
Você é desses? Você pode se identificar pela comida também. Há os que vivem pra comer e os que comem pra viver. Os primeiros são os glutões, os mesmos que vivem atrasados. Powerpoints né? Os segundos, pontuais, só poderiam ser excels.
Claro, claro que há exceções. Um guloso pode até ser bom em excel, mas nunca um atrasado vai ser um que não liga muito pra doce. Pode ver.
Se você duvidar que a vida é simples assim, posso apostar que é do grupo dos excels. Deve ser de direita. Não que um excel não possa ser petista, até pode, inclusive sei de muitos PSDBistas powerpoints, o que é raro, mas há controvérsias quanto à política, porque nem mesmo os políticos sabem bem em qual grupo se encaixam. Principalmente se forem ppts.
Friday, February 6, 2009
Carioca
Extou passando unx diax no Rio. Aqui é muito diferente, ax pessoax se vextem maix coloridax, falam maix alto e puxam o S. Opx, eles usam o “x” no lugarrr do “s”
E ox taxixtas daqui falam a beça. Eu vivo a fingirr que sou nativa, com medo de serr engambelada nox perrcurssox que faço. Araxto o “s” e puxo o “r”, como nenhum outro paulixta.
Hoje, um taxixta gordinho, contava que passou unx dias no spa. Ops, no xpa. Ele emagreceu 22 quilox em um mêx. Não é impressionante?
Disse que ele ficou tão amigo dox seux colegax de xpa, que o pessoal pedia pra ele guarrdarr ox produtox ilícitox no quarrto dele. Ele, que dix sempre terr sido bonzinho, deixava, e tinha o quarrto lotado de docex, refrigerantex e outrax delíciax... Daí aconteceu que um dia, elex tiveram uma surrpresa. “Que surrpresa??” Eu perrguntei interessadíssima nessa hixtoria tão peculiarr. Ele, malandro como todo carioca, fex suxpense para, em seguida, rexponderr: “A surrpresa era uma blitxxx!!” Ele disse assim mexmo, exagerando ainda mais no s. Ups, no x. “Uma blitx??” Eu, do lado de cá, chocada! “Ouve só!” Ele continuava, dando risada de si próprio. “Ox carax notaram que o pessoal tava engorrdando né? E aí, pô, como é que pode no xpa, que só tem alface, neguinho tá engorrdando de que?? Então foram lá, em todox ox quarrtox e fizeram uma blitxx ferrada!!” Uau! “E ai, e aíí??” – Eu extava com medo de chegarr ao meu dextino, sem saberr o final da hixtoria. “Daí, vai ouvindo, a gente tudo lá, do lado de fora, experando a blitx. Neguinho tudo apavorado né? De medo, que eu entregasse ax porrcariax delex... De repente, me chamaram lá dentro do meu quarrto....” - “Ai, sério??” Eu murrmurei, no banco de trax, até me exquecendo de fazer meu habitual sotaque carioca. “Daí”, ele rexpondeu devagarr, fazendo seu habitual suxxpense: “O médico me olhou e disse: Pode me explicarr o que que é isso aqui?? Tinha bixcoito recheado, tinha bananada, gelatina, bombom, danone, até um cachorro quente frio tinha lá dentro, que eu nem sabia...”.
“Ai meu Dexx, e o que você disse??” “Vai ouvindo.... Eu virei pro médico e disse: “doto”, isso tudo aí é meu, eu trouxe pra cá, max eu não como nada disso não. É que só de eu olharr pra essax coisax, saberr que ta aí, é como se eu me alimentasse, entendeu?” Eu fiquei bem perrplexa: “Nossa, você disse isso?? E ele, e ele??” Ao invex de me rexponderr, ele queria aprovação: “Peraí, peraí foi boa saída ou não foi??” “Foi ótima saída moço, max e ele hein?” “Ele disse assim que acreditava, max que preferiria que eu tirasse tudo de lá. Pô, max aquilo tudo me alimentava né?” – “Claro, claro” – “E eu insixti a beça, jurei que na semana seguinte ia extar tudo lá, no mexmo lugar, e o cara acreditou em mim. Bacana né??” - “Pô, bacana mexmo e na outra semana você deixou tudo igual então?” – “Ah, eu deixei, max o pessoal de lá é que não deixou. Chegou semana seguinte, quando teve outra blitx, até eu me assuxtei viu??” – “Porrrrque moço??” O taxi já tinha até chegado, max eu não descia, sem ouvirr o final “Porrque tinham comido tudo, o pessoal lá tinha comido tudo”.
“Caraca!” Eu falei antex de descerr, correndo, atrasada e, claro, carioquíssima. Da gema...
Sunday, February 1, 2009
Reprises
Todo janeiro era isso? Eu não me lembro dos outros anos, mas esse, juro, não agüentava mais ver os melhores momentos dos programas. Todo mundo saiu de férias e deixou uma ediçãozinha meia-boca dos melhores momentos do ano pra ficar passando repetidamente, como se também fossem os nossos melhores momentos que estivessem assistindo.
Mas não são.. Nós somos pessoas normais que não temos 30 dias de férias em janeiro (nem nunca), gostaríamos de assistir os programas normalmente, e que fossem novos e ricos, porque nós, senhores apresentadores, somos velhos e pobres, portanto, continuamos aqui todo santo dia enquanto vocês estão no Taiti ou na Disney com a sua família.
Seria bom se a vida fosse assim né?
Eu invejo os apresentadores de TV que podem ir tranquilamente para a Conchichina, enquanto nós ficamos aqui vendo o que eles acham que são os melhores momentos deles.
Eu adoraria fazer a mesma coisa no meu trabalho:
- Chefe, janeiro estou de férias, sabe como é, mas, olha, você poderá ter a reprise dos meus melhores momentos, fique tranqüilo.
- Como?? - ele perguntaria incrédulo.
- Isso – eu diria coma naturalidade tosca do Amaury Jr - Já separei as reprises dos meus melhores momentos de 2008 e você poderá ficar com isso. Lembra aquela reunião que me saí super bem? E aquela resposta certeira que dei pro cliente? Lembra daquela planilha que entreguei na data? Você terá acesso a todos esses bons momentos de 2008, para divertir-se com eles durante todo o mês de janeiro!.
Talvez eu não tenha um melhor momento diferente para cada dia de janeiro, mas, como na TV, eles poderiam ir se repetindo, aleatoriamente. Não seria ótimo?
Todos poderíamos ter as férias tão merecidas. Você deixaria seus filhos sem peso na consciência: Eles ficariam com as reprises. Seu marido também. Talvez ele até gostasse, um mês só com o seu melhor de 2008? É muito mais divertido do que os melhores momentos do Luciano Huck, com todo respeito.
Pena que janeiro acabou e, talvez, eu não tenha registrado os meus melhores momentos de 2008. Mas nunca é tarde. Em 2010, anotem aí, vocês passarão o mês de janeiro com os meus melhores momentos desse ano, nem que eu tenha que garimpar fundo para achá-los. Por via das dúvidas, é melhor começar a construí-los já.
Mas não são.. Nós somos pessoas normais que não temos 30 dias de férias em janeiro (nem nunca), gostaríamos de assistir os programas normalmente, e que fossem novos e ricos, porque nós, senhores apresentadores, somos velhos e pobres, portanto, continuamos aqui todo santo dia enquanto vocês estão no Taiti ou na Disney com a sua família.
Seria bom se a vida fosse assim né?
Eu invejo os apresentadores de TV que podem ir tranquilamente para a Conchichina, enquanto nós ficamos aqui vendo o que eles acham que são os melhores momentos deles.
Eu adoraria fazer a mesma coisa no meu trabalho:
- Chefe, janeiro estou de férias, sabe como é, mas, olha, você poderá ter a reprise dos meus melhores momentos, fique tranqüilo.
- Como?? - ele perguntaria incrédulo.
- Isso – eu diria coma naturalidade tosca do Amaury Jr - Já separei as reprises dos meus melhores momentos de 2008 e você poderá ficar com isso. Lembra aquela reunião que me saí super bem? E aquela resposta certeira que dei pro cliente? Lembra daquela planilha que entreguei na data? Você terá acesso a todos esses bons momentos de 2008, para divertir-se com eles durante todo o mês de janeiro!.
Talvez eu não tenha um melhor momento diferente para cada dia de janeiro, mas, como na TV, eles poderiam ir se repetindo, aleatoriamente. Não seria ótimo?
Todos poderíamos ter as férias tão merecidas. Você deixaria seus filhos sem peso na consciência: Eles ficariam com as reprises. Seu marido também. Talvez ele até gostasse, um mês só com o seu melhor de 2008? É muito mais divertido do que os melhores momentos do Luciano Huck, com todo respeito.
Pena que janeiro acabou e, talvez, eu não tenha registrado os meus melhores momentos de 2008. Mas nunca é tarde. Em 2010, anotem aí, vocês passarão o mês de janeiro com os meus melhores momentos desse ano, nem que eu tenha que garimpar fundo para achá-los. Por via das dúvidas, é melhor começar a construí-los já.
Thursday, January 29, 2009
Saturday, January 24, 2009
A favorita
Foi semana passada, quando eu estava viajando a trabalho. Era hora da Favorita. Última semana. Cheguei ao hotel, afobada bem em cima da hora, corri pra ligar a televisão e lá estava a Flora e a Donatela, num teatro, com as cortinas se abrindo para que os mocinhos assistissem à desgraça da vilã, aquela cena absolutamente impossível, acontecendo na novela. Toca o telefone, corro pra atender. Do outro lado, meu marido:
- Até parece né?
- Oi amor. Que?
- Até parece que a cortina ia abrir, todo mundo estaria aí, olhando... Ridículo... – Eu, do outro lado da linha, ri. Como ele sabia que eu já tinha chegado? Como ele sabia que eu ligara a televisão? Como ele sabia que eu entenderia, sem explicação prévia? O amor, ou melhor, a cumplicidade, tem dessas coisas. Você não sabe, mas sente-se absolutamente confortável para agir como se soubesse, e, normalmente, acerta. Você pode estar pouco longe ou muito longe, mas é como se você estivesse ali, ao lado, grudado.
Enquanto me acomodava na poltrona, ia comentando:
- Ridículo mesmo baby, onde é que já se viu, ninguém ia tossir, espirrar, chegar atrasado, nada... – ele riu. Mas calou-se em seguida, porque a Flora tinha fugido. Não falamos por um longo período, mas ele resmungava, eu murmurava, ele exclamava, eu suspirava. E assim, sem que nenhuma palavra fosse necessária, estávamos tão pertos um do outro quanto era possível. Podia ver seu rosto de exclamação, quando ele respirava dessa, ou daquela maneira.
Ficamos lá, assim. Assistindo a novela a quilômetros e quilômetros de distância, às vezes calados, às vezes comentando, rindo e esquecendo da conta telefônica – que não tardará a chocar-me. Lá pelas tantas, percebi que as palavras da Cirlene chegavam antes no meu quarto do que no dele. É porque a Globo é carioca – ele disse – e você está no Rio. Rimos de novo, enquanto eu contava a frase seguinte, um minuto antes que ele a pudesse ouvir. Eu era uma vidente, e ele meu cliente. Eu era sua amiga, e ele meu amor.
Depois, há quem diga que casamento não é bom...
- Até parece né?
- Oi amor. Que?
- Até parece que a cortina ia abrir, todo mundo estaria aí, olhando... Ridículo... – Eu, do outro lado da linha, ri. Como ele sabia que eu já tinha chegado? Como ele sabia que eu ligara a televisão? Como ele sabia que eu entenderia, sem explicação prévia? O amor, ou melhor, a cumplicidade, tem dessas coisas. Você não sabe, mas sente-se absolutamente confortável para agir como se soubesse, e, normalmente, acerta. Você pode estar pouco longe ou muito longe, mas é como se você estivesse ali, ao lado, grudado.
Enquanto me acomodava na poltrona, ia comentando:
- Ridículo mesmo baby, onde é que já se viu, ninguém ia tossir, espirrar, chegar atrasado, nada... – ele riu. Mas calou-se em seguida, porque a Flora tinha fugido. Não falamos por um longo período, mas ele resmungava, eu murmurava, ele exclamava, eu suspirava. E assim, sem que nenhuma palavra fosse necessária, estávamos tão pertos um do outro quanto era possível. Podia ver seu rosto de exclamação, quando ele respirava dessa, ou daquela maneira.
Ficamos lá, assim. Assistindo a novela a quilômetros e quilômetros de distância, às vezes calados, às vezes comentando, rindo e esquecendo da conta telefônica – que não tardará a chocar-me. Lá pelas tantas, percebi que as palavras da Cirlene chegavam antes no meu quarto do que no dele. É porque a Globo é carioca – ele disse – e você está no Rio. Rimos de novo, enquanto eu contava a frase seguinte, um minuto antes que ele a pudesse ouvir. Eu era uma vidente, e ele meu cliente. Eu era sua amiga, e ele meu amor.
Depois, há quem diga que casamento não é bom...
Thursday, January 22, 2009
Crõnica do dia
Lá, na CDD fui prolixa a beça, hoje.
Esse é pra quem é cabra macho.A manada
Mulheres são os bichos mais coletivos que existem. Muito mais do que uma manada de búfalos ou do que uma passeata de pingüins, mulheres são ótimas em bandos e nunca consigo entender os que dizem o contrário.
Pensei nisso recentemente, quando eu e uma amiga resolvemos aproveitar uma liquidação. Ouvimos dizer de um bazar, a loja que amamos estava fazendo um megabazar, num megagalpão com tudo por – no máximo – 90 reais. Não precisamos perguntar se uma queria ir, não precisamos falar sobre horários ou logística, e não houve sequer um “se”. Assim que ouvimos a notícia, não precisávamos nos olhar para saber o que fazer. Eu peguei o guia no porta-luvas e comecei a procurar a rua. O lugar era longe e demoramos a chegar. Mas isso não era nada perto do que viria a seguir. Assim que nos aproximamos, percebemos uma fila de mulheres que se amontoavam em linha reta, recostadas em um muro, em pé, na calçada. Só poderia ser ali, claro. Estacionamos, entramos na fila e lá ficamos por um longo tempo. As mulheres, todas, falavam sobre o que haveria ali, do lado de dentro. Éramos crianças no portão da Disney, cada uma tinha uma notícia diferente para alarmar: “Nossa, minha prima tá lá dentro, disse que tem uma arara só de tricots?” Meu coração gelou: “Séééério?!”, gritei. “É, é verdade, tenho uma amiga que veio ontem e disse a mesma coisa. Mas ela ficou duas horas e meia pra pagar”, respondeu outra. Duas horas e meia me soou um pouco estranho, mas estava interessada nas nossas correspondentes, do lado de dentro. “Diz que vestido de festa está de 900 por 90 reais e as calças sociais de 300 por 30”. Engoli em seco, ficando na ponta do pé pra ver se enxergava o lado de dentro. “É tudo assim”, explicava uma adolescente, “eles tiraram os zeros e mantiveram o primeiro dígito. Minha cunhada é vendedora aí, e ela que me contou.” Entre uma notícia e outra, acompanhávamos as pessoas que saíam. Todas cheias de sacolas, nos sorriam animadas, algumas até davam tchauzinho enquanto tentávamos decifrar suas sacolas, suas expressões, seu olhar de satisfação ou não, como fazemos com os que saem do cinema antes de nós. Eles conhecem o futuro, são aqueles que sabem o que vamos sentir e viver, são o que seremos em algumas horas e isso lhes dá uma posição de estranha vantagem, além de nos invadir de ansiedade e pressa. Enfim, chegou a nossa vez. Já do lado de dentro, uma nova fila para preencher o cadastro da loja. Quem já tinha cadastro tinha que ir pra fila confirmar o cadastro. Tudo bem, já tínhamos uma vista panorâmica do paraíso e isso refrescava a nossa condição. Ainda tivemos tempo de armar uma estratégia. Minha amiga me olhou e disse: “Você vai pra direita e eu pra esquerda.” Ok, respondi. “E tudo o que você gostar pega dois que eu posso querer.” Ok. "Você foca em roupa de festa e eu no dia a dia, pode ser?". Está bem, eu confirmei. “Você vai de metralhadora e eu de pistola automática, tudo bem?” Brinquei, encerrando a conversa, e correndo pra dentro do espaço.
Foi então que bateu uma decepção inicial. Espalhadas em um enorme galpão, todas as roupas que ninguém quis no último ano – que é tempo à beça pra vender o que quer que seja. Ainda assim, havia um estranho feitiço pelo qual estávamos todas alucinadas. Cada uma pegava três peças de uma vez, jogava uma de volta, corria pra arara seguinte, se impressionava com o preço e assim ia. Até que descobriam que o lugar não teria provador e, antes mesmo de fazerem uma cara triste, notavam um grupo fazendo cabaninha para uma moça. Mais adiante, uma se escondia, só de calcinha e sutiã, atrás dos vestidos de festa. E, lá no fundo, depois de atravessar todo o espaço, dezenas de mulheres nuas, se trocando aos olhos dos seguranças do lugar, e de alguns poucos maridos, que tinham ido fazer não sei o que ali. Era impressionante, mas, ao mesmo tempo, era contagioso. Eu hesitei um instante antes de tirar a blusa pra provar um tricot, mas o segurança que estava ao lado fez um sinal de positivo com a cabeça, dizendo: “Não tem problema. Estou aqui há oito horas, já me acostumei.” Olhei para as outras mulheres, de calcinha e sutiã, e disse para ele: “Mas qual o problema? É tudo biquíni, estamos todas de biquíni, não é?”. Ele riu e, antes de responder, eu complementei: “Aliás você pode não saber, mas somos todas homens. Desencane.” Ele – e elas – riram e começamos a provar as coisas. Provamos as nossas, as das outras mulheres, e as que encontramos no chão. Se o segurança tirasse o paletó, eu iria provar. Todas faziam esse ciclo. Experimentavam as que escolheram, as que as outras escolheram, as que encontravam, e até o casaco que eu tinha vestido de manhã entrou na roda uma hora, ao que eu tive que gritar: “Ei, ei, ei, esse não, esse é meu” e a mocinha ainda me respondeu: “Xi, já vi umas três experimentarem, é uma graça”. Os seguranças opinavam, riam, até indicavam uma ou outra peça, quando se sentiam mais à vontade. Passaram-se horas quando decidimos que era hora de irmos embora e resolvemos olhar a fila do caixa. Uma onda de desânimo me abateu. Não pode ser, eu pensei. Nem nos piores dias de Hopi Hari ou Playcenter – já que eu estava na minha Disney – eu tinha visto coisa igual. Nunca, nunca. A fila dava voltas e mais voltas, e as mulheres lá, com as suas sacolas lotadas de roupa no chão, recostadas sobre seus pés. Andavam dois passos carregando as sacolas, voltavam a colocá-las no chão. Algumas reviam as roupas, olhavam bem, pediam opinião a outra e as penduravam ao lado, naqueles elásticos pretos que organizavam a fila. Ainda assim, ainda com essa cena de terror, ninguém fez nenhuma pergunta. Nos dirigimos à fila, caladas, prostradas, como se não nos restasse opção.
Foi lá, nas duas horas e tanto de fila que tudo isso me veio à cabeça. Observei alguns poucos homens aterrorizados. Outros prostrados. Um assustado com a esposa que insistia em que ele subisse o zíper da blusa que ela vestira sobre a própria roupa, tornando inviável que o botão fechasse, mas ela insistia, enérgica: “Vai, amor. Sobe, pô!”. Ele tentava responder, mas não conseguia, estava até suando, o pobre, tamanha força e – talvez – pavor. Até tentou reclamar, meio que sem graça, meio que bravo, meio que bocó, enquanto tentava atender o pedido da mulher. Os homens, esses tolos, nunca seriam capazes de um movimento tão insano quanto esse. É insano, é enlouquecedor, mas é o que somos. Pensei em Hitler e em como ele foi bom para atrair multidões a fazerem coisas absurdas. Procurei-o por ali, porque éramos todas súditas de uma louca e impiedosa lei, que não sei bem o que diz, ou o que prega, mas que nos faz assim, esse movimento estranho de termos que fazer o que todo mundo ali está fazendo. É como se um inconsciente coletivo nos movesse, ou algum movimento de imitação mesmo, como sugeriu minha amiga, quando tentávamos refletir sobre o que acontecia naquele ambiente, quando tentávamos, em vão, adquirir uma gota de consciência em meio a búfalos que apenas seguem uma manada. Foi a passos de tartaruga que chegamos ao caixa, e qual não foi a nossa surpresa ao notarmos que o sapato que levávamos não tinha o seu par. Era apenas um pé, o outro era outro número e não nos serviria de nada. Ela, minha brava companheira, coitada, fez uma expressão de horror quando se deu conta. Era quase que a sua única peça aquele sapato, e não tínhamos enfrentado tudo aquilo pra morrer na praia. Foi um movimento conjunto. Imploramos pra vendedora nos dar alguns minutos e seguimos, um sapato numa mão e a outra se agitando ao tirar tudo da frente em busca do outro par. Perguntávamos sem parar se alguém vira e, em meio a esse movimento quase que autista, uma moça que limpava o lugar nos interrompeu, calmamente, mostrando o pé que precisávamos ali, na sua mão, ao lado da vassoura. Ok, não era exatamente o mesmo número. Um era 38 e o outro 39, mas minha amiga jura que tem mesmo um pé maior do que o outro e corremos pra voltar na caixa, que nos recebeu sorridente.
Quando saímos dali, horas e horas depois de entrarmos, com as mãos cheias de sacolas e os pés latejando de dor, ambas, de novo sem falarmos nada, soltamos um suspiro abafado. Eu cheguei a gritar de alívio. Dei um berro de catarse enquanto atravessava a rua. Era como se tivéssemos saído da prisão, mas quem nos condenou àquela detenção não foi ninguém senão nós mesmas. Loucas, contagiadas, inebriadas, mulheres. Não está certo, no entanto foi isso que me fez pensar que ninguém – ninguém mais – poderia mover o mundo, fazer a economia girar, gerar frutos, filhos, dinheiro, alegria, poder e pavor para todo um planeta senão nós mulheres. Ainda que tenhamos um pé maior do que o outro.
Esse é pra quem é cabra macho.A manada
Mulheres são os bichos mais coletivos que existem. Muito mais do que uma manada de búfalos ou do que uma passeata de pingüins, mulheres são ótimas em bandos e nunca consigo entender os que dizem o contrário.
Pensei nisso recentemente, quando eu e uma amiga resolvemos aproveitar uma liquidação. Ouvimos dizer de um bazar, a loja que amamos estava fazendo um megabazar, num megagalpão com tudo por – no máximo – 90 reais. Não precisamos perguntar se uma queria ir, não precisamos falar sobre horários ou logística, e não houve sequer um “se”. Assim que ouvimos a notícia, não precisávamos nos olhar para saber o que fazer. Eu peguei o guia no porta-luvas e comecei a procurar a rua. O lugar era longe e demoramos a chegar. Mas isso não era nada perto do que viria a seguir. Assim que nos aproximamos, percebemos uma fila de mulheres que se amontoavam em linha reta, recostadas em um muro, em pé, na calçada. Só poderia ser ali, claro. Estacionamos, entramos na fila e lá ficamos por um longo tempo. As mulheres, todas, falavam sobre o que haveria ali, do lado de dentro. Éramos crianças no portão da Disney, cada uma tinha uma notícia diferente para alarmar: “Nossa, minha prima tá lá dentro, disse que tem uma arara só de tricots?” Meu coração gelou: “Séééério?!”, gritei. “É, é verdade, tenho uma amiga que veio ontem e disse a mesma coisa. Mas ela ficou duas horas e meia pra pagar”, respondeu outra. Duas horas e meia me soou um pouco estranho, mas estava interessada nas nossas correspondentes, do lado de dentro. “Diz que vestido de festa está de 900 por 90 reais e as calças sociais de 300 por 30”. Engoli em seco, ficando na ponta do pé pra ver se enxergava o lado de dentro. “É tudo assim”, explicava uma adolescente, “eles tiraram os zeros e mantiveram o primeiro dígito. Minha cunhada é vendedora aí, e ela que me contou.” Entre uma notícia e outra, acompanhávamos as pessoas que saíam. Todas cheias de sacolas, nos sorriam animadas, algumas até davam tchauzinho enquanto tentávamos decifrar suas sacolas, suas expressões, seu olhar de satisfação ou não, como fazemos com os que saem do cinema antes de nós. Eles conhecem o futuro, são aqueles que sabem o que vamos sentir e viver, são o que seremos em algumas horas e isso lhes dá uma posição de estranha vantagem, além de nos invadir de ansiedade e pressa. Enfim, chegou a nossa vez. Já do lado de dentro, uma nova fila para preencher o cadastro da loja. Quem já tinha cadastro tinha que ir pra fila confirmar o cadastro. Tudo bem, já tínhamos uma vista panorâmica do paraíso e isso refrescava a nossa condição. Ainda tivemos tempo de armar uma estratégia. Minha amiga me olhou e disse: “Você vai pra direita e eu pra esquerda.” Ok, respondi. “E tudo o que você gostar pega dois que eu posso querer.” Ok. "Você foca em roupa de festa e eu no dia a dia, pode ser?". Está bem, eu confirmei. “Você vai de metralhadora e eu de pistola automática, tudo bem?” Brinquei, encerrando a conversa, e correndo pra dentro do espaço.
Foi então que bateu uma decepção inicial. Espalhadas em um enorme galpão, todas as roupas que ninguém quis no último ano – que é tempo à beça pra vender o que quer que seja. Ainda assim, havia um estranho feitiço pelo qual estávamos todas alucinadas. Cada uma pegava três peças de uma vez, jogava uma de volta, corria pra arara seguinte, se impressionava com o preço e assim ia. Até que descobriam que o lugar não teria provador e, antes mesmo de fazerem uma cara triste, notavam um grupo fazendo cabaninha para uma moça. Mais adiante, uma se escondia, só de calcinha e sutiã, atrás dos vestidos de festa. E, lá no fundo, depois de atravessar todo o espaço, dezenas de mulheres nuas, se trocando aos olhos dos seguranças do lugar, e de alguns poucos maridos, que tinham ido fazer não sei o que ali. Era impressionante, mas, ao mesmo tempo, era contagioso. Eu hesitei um instante antes de tirar a blusa pra provar um tricot, mas o segurança que estava ao lado fez um sinal de positivo com a cabeça, dizendo: “Não tem problema. Estou aqui há oito horas, já me acostumei.” Olhei para as outras mulheres, de calcinha e sutiã, e disse para ele: “Mas qual o problema? É tudo biquíni, estamos todas de biquíni, não é?”. Ele riu e, antes de responder, eu complementei: “Aliás você pode não saber, mas somos todas homens. Desencane.” Ele – e elas – riram e começamos a provar as coisas. Provamos as nossas, as das outras mulheres, e as que encontramos no chão. Se o segurança tirasse o paletó, eu iria provar. Todas faziam esse ciclo. Experimentavam as que escolheram, as que as outras escolheram, as que encontravam, e até o casaco que eu tinha vestido de manhã entrou na roda uma hora, ao que eu tive que gritar: “Ei, ei, ei, esse não, esse é meu” e a mocinha ainda me respondeu: “Xi, já vi umas três experimentarem, é uma graça”. Os seguranças opinavam, riam, até indicavam uma ou outra peça, quando se sentiam mais à vontade. Passaram-se horas quando decidimos que era hora de irmos embora e resolvemos olhar a fila do caixa. Uma onda de desânimo me abateu. Não pode ser, eu pensei. Nem nos piores dias de Hopi Hari ou Playcenter – já que eu estava na minha Disney – eu tinha visto coisa igual. Nunca, nunca. A fila dava voltas e mais voltas, e as mulheres lá, com as suas sacolas lotadas de roupa no chão, recostadas sobre seus pés. Andavam dois passos carregando as sacolas, voltavam a colocá-las no chão. Algumas reviam as roupas, olhavam bem, pediam opinião a outra e as penduravam ao lado, naqueles elásticos pretos que organizavam a fila. Ainda assim, ainda com essa cena de terror, ninguém fez nenhuma pergunta. Nos dirigimos à fila, caladas, prostradas, como se não nos restasse opção.
Foi lá, nas duas horas e tanto de fila que tudo isso me veio à cabeça. Observei alguns poucos homens aterrorizados. Outros prostrados. Um assustado com a esposa que insistia em que ele subisse o zíper da blusa que ela vestira sobre a própria roupa, tornando inviável que o botão fechasse, mas ela insistia, enérgica: “Vai, amor. Sobe, pô!”. Ele tentava responder, mas não conseguia, estava até suando, o pobre, tamanha força e – talvez – pavor. Até tentou reclamar, meio que sem graça, meio que bravo, meio que bocó, enquanto tentava atender o pedido da mulher. Os homens, esses tolos, nunca seriam capazes de um movimento tão insano quanto esse. É insano, é enlouquecedor, mas é o que somos. Pensei em Hitler e em como ele foi bom para atrair multidões a fazerem coisas absurdas. Procurei-o por ali, porque éramos todas súditas de uma louca e impiedosa lei, que não sei bem o que diz, ou o que prega, mas que nos faz assim, esse movimento estranho de termos que fazer o que todo mundo ali está fazendo. É como se um inconsciente coletivo nos movesse, ou algum movimento de imitação mesmo, como sugeriu minha amiga, quando tentávamos refletir sobre o que acontecia naquele ambiente, quando tentávamos, em vão, adquirir uma gota de consciência em meio a búfalos que apenas seguem uma manada. Foi a passos de tartaruga que chegamos ao caixa, e qual não foi a nossa surpresa ao notarmos que o sapato que levávamos não tinha o seu par. Era apenas um pé, o outro era outro número e não nos serviria de nada. Ela, minha brava companheira, coitada, fez uma expressão de horror quando se deu conta. Era quase que a sua única peça aquele sapato, e não tínhamos enfrentado tudo aquilo pra morrer na praia. Foi um movimento conjunto. Imploramos pra vendedora nos dar alguns minutos e seguimos, um sapato numa mão e a outra se agitando ao tirar tudo da frente em busca do outro par. Perguntávamos sem parar se alguém vira e, em meio a esse movimento quase que autista, uma moça que limpava o lugar nos interrompeu, calmamente, mostrando o pé que precisávamos ali, na sua mão, ao lado da vassoura. Ok, não era exatamente o mesmo número. Um era 38 e o outro 39, mas minha amiga jura que tem mesmo um pé maior do que o outro e corremos pra voltar na caixa, que nos recebeu sorridente.
Quando saímos dali, horas e horas depois de entrarmos, com as mãos cheias de sacolas e os pés latejando de dor, ambas, de novo sem falarmos nada, soltamos um suspiro abafado. Eu cheguei a gritar de alívio. Dei um berro de catarse enquanto atravessava a rua. Era como se tivéssemos saído da prisão, mas quem nos condenou àquela detenção não foi ninguém senão nós mesmas. Loucas, contagiadas, inebriadas, mulheres. Não está certo, no entanto foi isso que me fez pensar que ninguém – ninguém mais – poderia mover o mundo, fazer a economia girar, gerar frutos, filhos, dinheiro, alegria, poder e pavor para todo um planeta senão nós mulheres. Ainda que tenhamos um pé maior do que o outro.
Thursday, January 15, 2009
Monday, January 12, 2009
Tenho que
Tenho que fazer minha monografia. Tenho que fazer, tenho que fazer. Vou fazer hoje, sem falta. Hoje, vou começar agora. Sentei aqui pra isso. Vou fazer a minha monografia. Onde estava o arquivo? Não, melhor não, vou começar pesquisando no google. Nossa, nem li ainda aquele blog. Só uma lidinha rápida, não vai fazer diferença. Pronto, agora vou começar a minha monografia. Já era pra ter feito, ano passado. Todo mundo entregou, a Paula comentou comigo, acho que foi em novembro. Nossa, preciso mandar um email pra Paula, ela pode me enviar a dela e já ajuda. Também quero saber como foi de natal, perguntar do apartamento. Será que vagou? Um email só. Pronto. Vou começar a monografia, agora vou mesmo. Mas posso ver se o apartamento vagou no site da imobiliária. Será? Vamos ver... humm, não tô achando. Puxa, mas esse parece bom. Vou anotar. Esse, esse, mais esse. E aquele, cadê? Achei. Esse. Pronto, agora chega, vou começar a monografia. Sério. Só vou comer uma fruta, ai que fome. Acho que vou preparar alguma coisa. Não, não, vou começar a minha monografia, uma fruta e só. No máximo um toddy também. Isso, agora vou começar. Vamos lá, vamos lá, opa telefone. Oi Dri, que saudades! Tava fazendo a minha monografia. Não, não, posso falar, claro. Jura? Quando? Vamos, vamos sim! Sério? Hahahahahahahaha. Tá bom, um beijo, tchau.
Ok, ok, ok. Agora eu vou, vou fazer a minha monografia. Deixa ver se acho uns arquivos sobre o tema. Aqui, aqui, aqui não, nessa pasta... Olha, esse texto que não sabia onde tava! Quando escrevi isso mesmo? Ah, no natal de 2003, naquela viagem. Que saudades. Deixa ver as fotos, rapidinho. Nossa como eu tava magra. E as fotos agora, do último natal? É mesmo, tenho que baixar da máquina, peraí. É rápido. Vou baixar as fotos, nossa, como ficaram boas, acho até que vou por no orkut. Quanto tempo não entro no orkut, qual era a senha? Eba, acertei. Olha o fulano! Quem é esse ciclano que entrou na minha página? Nossa, não acredito, como será que está a irmã dele? Que linda, como ficou bonita com esse cabelo. Olha, ela tem um blog, vamos ver como é? Que legal! Ih, ela conhece aquele, que textos bons. Não, vou parar com isso e só baixar as fotos, é um minutinho e, pronto. Agora vou começar, vou mesmo, lá vamos nós. Humm, preciso de uns livros, onde estavam os livros que separei pra fazer a monografia? Nossa, olha esse da Clarice.... Ah vou ler esse conto só, que não resisto. Só esse. Ai, que lindo... Ih, tão me chamando na sala. Amor, já vou indo! Tô, tô fazendo, claro. Tô amor! Juro pô, pára de me tratar como se eu fosse criança, tô fazendo, já vou! Ai, vou fazer, vou fazer. Que? Ta falando comigo amor? Sério? A Flora?? Mas quem? O Silveirinha?? Ai, droga. Depois eu faço. É só a novela. Juro. Já volto. Sério. Só a novela, que tá acabando né? Depois eu sento aqui e faço. Uma horinha e resolvo isso. Sério. Juro. Vou.
Ok, ok, ok. Agora eu vou, vou fazer a minha monografia. Deixa ver se acho uns arquivos sobre o tema. Aqui, aqui, aqui não, nessa pasta... Olha, esse texto que não sabia onde tava! Quando escrevi isso mesmo? Ah, no natal de 2003, naquela viagem. Que saudades. Deixa ver as fotos, rapidinho. Nossa como eu tava magra. E as fotos agora, do último natal? É mesmo, tenho que baixar da máquina, peraí. É rápido. Vou baixar as fotos, nossa, como ficaram boas, acho até que vou por no orkut. Quanto tempo não entro no orkut, qual era a senha? Eba, acertei. Olha o fulano! Quem é esse ciclano que entrou na minha página? Nossa, não acredito, como será que está a irmã dele? Que linda, como ficou bonita com esse cabelo. Olha, ela tem um blog, vamos ver como é? Que legal! Ih, ela conhece aquele, que textos bons. Não, vou parar com isso e só baixar as fotos, é um minutinho e, pronto. Agora vou começar, vou mesmo, lá vamos nós. Humm, preciso de uns livros, onde estavam os livros que separei pra fazer a monografia? Nossa, olha esse da Clarice.... Ah vou ler esse conto só, que não resisto. Só esse. Ai, que lindo... Ih, tão me chamando na sala. Amor, já vou indo! Tô, tô fazendo, claro. Tô amor! Juro pô, pára de me tratar como se eu fosse criança, tô fazendo, já vou! Ai, vou fazer, vou fazer. Que? Ta falando comigo amor? Sério? A Flora?? Mas quem? O Silveirinha?? Ai, droga. Depois eu faço. É só a novela. Juro. Já volto. Sério. Só a novela, que tá acabando né? Depois eu sento aqui e faço. Uma horinha e resolvo isso. Sério. Juro. Vou.
Thursday, January 8, 2009
SAI DA FRENTE QUE ATRÁS VEM GENTE
Saiu no CDD hoje cedo. O que significa que agora, já estou ainda mais velha...
Eu estava fazendo compras de natal quando percebi. Enquanto a vendedora ia me trazendo os modelos de biquínis senti uma estranheza nela, mas não sabia ainda o que era. A menina tinha uma pele muito lisa, grandes olhos azuis e algumas sardas na bochecha bronzeada. A voz dela era muito particular, uma voz fina, bastante infantilizada e foi aí que dei conta: eu estava diante de uma criança. Tomei um susto inicialmente, mas disfarcei. Não era à toa que ela me trazia os modelos maiores, com as laterais mais larguinhas e comportadas, claro, eu era uma velha, seria uma ousadia pedir um biquíni de lacinho, nem sei porque não pedi um maiô preto de uma vez por todas. Resolvi experimentar as peças e entrei no provador, me refazendo discretamente do choque. Quantos anos aquela menina tinha? 18? 19? Meu Deus, são adultos esses que recém-nasceram, pouco antes do novo milênio que - não acabou de começar afinal?
Lembrei-me, na hora, de uma brincadeira da minha infância – no século passado – onde as crianças que vinham correndo, gritavam para as mais lerdinhas: “Sai da frente que atrás vem gente!”. Nossa, como correram esses jovens. Eu devo ter sido derrubada mais de uma vez, lerda do jeito que sou, nem sei como foi que me levantei...
O passar dessa raposa, a quem chamamos de tempo, é quase que uma piada. Uma enorme gozação. Não nos damos conta de que os anos estão se esvaindo, escorrendo por entre nossas mãos frouxas e calejadas. O tempo, ah o tempo. Que grande vilão ele se tornou.
Olhei-me no espelho luminoso do provador. Não havia dúvidas, os biquínis de lacinhos já estavam proibidos há algum tempo. As tirinhas, essas apertadas, são crimes bárbaros, como a legislação não fala nada a respeito? Olhei de relance a criança que me trazia mais um modelo, dessa vez inteiro em preto, sorridente, cheia de si. Ah, ela não sabia, coitada. Quase que senti pena da menina. Porque me vi ali, nos olhos dela. Eu também fui uma menina cheia de vida, cheia de encantos, magra e insatisfeita com tudo o que a vida me dava absolutamente de graça. Era grátis aquela pele, era grátis o corpitcho, era grátis a agilidade, eram grátis todos aqueles dias longos, horas compridas enquanto eu assistia a novela das 6, depois a das 7, pulava pra outro canal no jornal e, então, voltava para pegar a das 8. Era grátis a alegria ingênua, quase que tola, das amigas que riam sem parar por uma noite inteira, trancadas num quarto qualquer, enquanto falavam de meninos ridículos que eram príncipes aos nossos olhos de plebéias. Era grátis, tudo o que hoje me sai por um preço - muitas vezes - bastante salgado.
Hoje, custa-me manter a balança antes dos 60, custa-me correr até a esquina, custa-me subir dois lances de escada, custa-me até o prazer. Sim, o prazer, esse bicho fugaz e efêmero que já foi até um pouco inconveniente, fora de hora e propósito, agora pede-me um dia calmo, pede horas tranqüilas e a cabeça vazia, para então - talvez- dar o ar da graça.
Aquilo que era prêmio virou castigo. O sol, de grande amigo passou a ser bandido. E eu que ficava horas e horas deitada, pensando na vida e passando óleo enquanto rachava debaixo do sol do meio-dia. Óleo, vejam o pecado. Hoje, óleo é crime inafiançável. Nem sei se é permitido vender isso ainda, deve ficar na prateleira dos fuzis de guerra, claro.
A menina me observava pela fresta e arriscou palpitar: “O preto ficou lindo!” ela disse, genuína. O preto era mesmo a melhor opção. Peguei sem pestanejar e, quando disse adeus àquela jovem criança, o mundo já me parecia diferente. Não que seja triste ou penoso, ao contrário. Sei que há mais para se ver, há mais de nós mesmos por dentro das nossas roupas, e agora eu sei como o tempo, esse danado, embora nos tire os biquínis estampados de lacinhos, nos oferece os pretos acompanhados de um chapéu de palha, entre algumas outras gentilezas que essa velha raposa, ainda nos oferece se mantivermos os olhos atentos...
Eu estava fazendo compras de natal quando percebi. Enquanto a vendedora ia me trazendo os modelos de biquínis senti uma estranheza nela, mas não sabia ainda o que era. A menina tinha uma pele muito lisa, grandes olhos azuis e algumas sardas na bochecha bronzeada. A voz dela era muito particular, uma voz fina, bastante infantilizada e foi aí que dei conta: eu estava diante de uma criança. Tomei um susto inicialmente, mas disfarcei. Não era à toa que ela me trazia os modelos maiores, com as laterais mais larguinhas e comportadas, claro, eu era uma velha, seria uma ousadia pedir um biquíni de lacinho, nem sei porque não pedi um maiô preto de uma vez por todas. Resolvi experimentar as peças e entrei no provador, me refazendo discretamente do choque. Quantos anos aquela menina tinha? 18? 19? Meu Deus, são adultos esses que recém-nasceram, pouco antes do novo milênio que - não acabou de começar afinal?
Lembrei-me, na hora, de uma brincadeira da minha infância – no século passado – onde as crianças que vinham correndo, gritavam para as mais lerdinhas: “Sai da frente que atrás vem gente!”. Nossa, como correram esses jovens. Eu devo ter sido derrubada mais de uma vez, lerda do jeito que sou, nem sei como foi que me levantei...
O passar dessa raposa, a quem chamamos de tempo, é quase que uma piada. Uma enorme gozação. Não nos damos conta de que os anos estão se esvaindo, escorrendo por entre nossas mãos frouxas e calejadas. O tempo, ah o tempo. Que grande vilão ele se tornou.
Olhei-me no espelho luminoso do provador. Não havia dúvidas, os biquínis de lacinhos já estavam proibidos há algum tempo. As tirinhas, essas apertadas, são crimes bárbaros, como a legislação não fala nada a respeito? Olhei de relance a criança que me trazia mais um modelo, dessa vez inteiro em preto, sorridente, cheia de si. Ah, ela não sabia, coitada. Quase que senti pena da menina. Porque me vi ali, nos olhos dela. Eu também fui uma menina cheia de vida, cheia de encantos, magra e insatisfeita com tudo o que a vida me dava absolutamente de graça. Era grátis aquela pele, era grátis o corpitcho, era grátis a agilidade, eram grátis todos aqueles dias longos, horas compridas enquanto eu assistia a novela das 6, depois a das 7, pulava pra outro canal no jornal e, então, voltava para pegar a das 8. Era grátis a alegria ingênua, quase que tola, das amigas que riam sem parar por uma noite inteira, trancadas num quarto qualquer, enquanto falavam de meninos ridículos que eram príncipes aos nossos olhos de plebéias. Era grátis, tudo o que hoje me sai por um preço - muitas vezes - bastante salgado.
Hoje, custa-me manter a balança antes dos 60, custa-me correr até a esquina, custa-me subir dois lances de escada, custa-me até o prazer. Sim, o prazer, esse bicho fugaz e efêmero que já foi até um pouco inconveniente, fora de hora e propósito, agora pede-me um dia calmo, pede horas tranqüilas e a cabeça vazia, para então - talvez- dar o ar da graça.
Aquilo que era prêmio virou castigo. O sol, de grande amigo passou a ser bandido. E eu que ficava horas e horas deitada, pensando na vida e passando óleo enquanto rachava debaixo do sol do meio-dia. Óleo, vejam o pecado. Hoje, óleo é crime inafiançável. Nem sei se é permitido vender isso ainda, deve ficar na prateleira dos fuzis de guerra, claro.
A menina me observava pela fresta e arriscou palpitar: “O preto ficou lindo!” ela disse, genuína. O preto era mesmo a melhor opção. Peguei sem pestanejar e, quando disse adeus àquela jovem criança, o mundo já me parecia diferente. Não que seja triste ou penoso, ao contrário. Sei que há mais para se ver, há mais de nós mesmos por dentro das nossas roupas, e agora eu sei como o tempo, esse danado, embora nos tire os biquínis estampados de lacinhos, nos oferece os pretos acompanhados de um chapéu de palha, entre algumas outras gentilezas que essa velha raposa, ainda nos oferece se mantivermos os olhos atentos...
Thursday, January 1, 2009
Para viver em 2009
A primeira Crônica do dia de 2009 é minha. Não é um luxo?
Se for a primeira que você lê, então, mais sorte ainda - sorte a minha, claro (não sua).
De qualquer maneira corra, e leia, antes que o ano acabe:
Está um pouco em cima da hora, eu sei, mas é preciso fazer. Porque é preciso se comprometer, senão com os outros, comigo mesma e com aquilo que - hoje - sonho.
Sonho em passar 2009 magrinha e feliz, fazendo ginástica, bebendo água de coco e chá verde.
Também pretendo trabalhar um pouco, mas não muito, e comer bem. Sei, sei, é um pouco contraditório, mas e daí, é sonho oras.
Quero trabalhar pouco, mas quero ganhar muito, isso é importante ressaltar. Quero comprar coisas boas, mas não quero perder a noção. Não vou ceder às sandálias gladiadoras, não vou usar macacão nem enfiar um chapéu preto na caxola em nome da moda. Não. Vou ser uma dessas que até parecem comuns, usam sapatilhas, shorts, casaquinhos e tiaras, muitas tiaras estão na minha lista de 2009.
Vou correr 5 kms por dia, pelo menos. Vou assistir ao último capítulo da Favorita, mas não vou enlouquecer com big-brother. Vou dançar mais, tomar sol com protetor solar, tomar mais sol ainda - já que com protetor não queima nada.
Vou fugir do trânsito, não sei como, mas vou. Se posso ganhar muito e trabalhar pouco, pesar leve e comer pesado, porque não posso fugir do trânsito? Vou sim, claro, vou fugir total dessa peste moderna que é o trânsito.
Talvez ouvindo música... Vou descobrir novos CDs, novas bandas, vou aprender a usar Ipod, Iphone, Itudo. Vou aprender a usar o GPS, talvez até aprenda a nadar. Posso aprender a dançar também né?
Vou me agarrar muito no meu maridinho-delícia, apertar e abraçar, mas só até o primeiro minuto sem ar. Depois, solto e vou ali, comprar um pão quentinho ou um sorvete rochinha.
Vou curtir a família, os amigos, esquecer os inimigos (quem?), e curtir a mim mesma. Mas vou parar antes de cansar. Quando cansar vou ao cinema, vou assistir a todos os filmes lançados em 2009, vou assistir ao Oscar, vou viajar até Hollywood, ou não, não. Vou viajar pra outros lugares, melhores. Vou ver novas paisagens, experimentar comidas diferentes, ouvir outras línguas. Mas beijar, beijar só aquela língua velha conhecida, claro. E manter os amigos antigos, preservando o que já existe, incluindo a fauna e a flora. Não a da novela, não. Essa vou eliminar no primeiro mês, cruzes, que esteja em extinção as pessoas como Flora, eu hein? E as Donatelas também, que de chatice e burrice já basta né?
Em 2009 pretendo pegar os faróis sempre verdes, não precisar manobrar muito o carro, e não hei de errar a previsão do tempo. Não, nada de me encapotar numa manhã fria que ela há de se transformar numa tarde quente, isso já aprendi em 1993, não sei porque insisto.
Também quero me atrasar menos para os compromissos, ser uma pessoa mais pontual, manter-me honesta, devolver o que eu achar e segurar o elevador pra quem chega. Além, claro, de dar passagem no trânsito mais vezes (que trânsito? Eu não vou pegar trânsito) e de jogar o lixo sempre no lugar certo, mesmo que ele não seja nem plástico, nem papel e nem vidro. Talvez eu crie uma lata de “outros” para resolver isso.
Eu sei, não vou criar uma vacina importante, nem uma alternativa de energia para o mundo. Talvez eu não crie mesmo um Best-seller, eu sei. Se eu criar uma lata de outros, e algumas possibilidades novas, no meu pequeno grande mundo, já estará de bom tamanho – o que quer dizer PP ou P. No máximo, no máximo um M.
Se for a primeira que você lê, então, mais sorte ainda - sorte a minha, claro (não sua).
De qualquer maneira corra, e leia, antes que o ano acabe:
Está um pouco em cima da hora, eu sei, mas é preciso fazer. Porque é preciso se comprometer, senão com os outros, comigo mesma e com aquilo que - hoje - sonho.
Sonho em passar 2009 magrinha e feliz, fazendo ginástica, bebendo água de coco e chá verde.
Também pretendo trabalhar um pouco, mas não muito, e comer bem. Sei, sei, é um pouco contraditório, mas e daí, é sonho oras.
Quero trabalhar pouco, mas quero ganhar muito, isso é importante ressaltar. Quero comprar coisas boas, mas não quero perder a noção. Não vou ceder às sandálias gladiadoras, não vou usar macacão nem enfiar um chapéu preto na caxola em nome da moda. Não. Vou ser uma dessas que até parecem comuns, usam sapatilhas, shorts, casaquinhos e tiaras, muitas tiaras estão na minha lista de 2009.
Vou correr 5 kms por dia, pelo menos. Vou assistir ao último capítulo da Favorita, mas não vou enlouquecer com big-brother. Vou dançar mais, tomar sol com protetor solar, tomar mais sol ainda - já que com protetor não queima nada.
Vou fugir do trânsito, não sei como, mas vou. Se posso ganhar muito e trabalhar pouco, pesar leve e comer pesado, porque não posso fugir do trânsito? Vou sim, claro, vou fugir total dessa peste moderna que é o trânsito.
Talvez ouvindo música... Vou descobrir novos CDs, novas bandas, vou aprender a usar Ipod, Iphone, Itudo. Vou aprender a usar o GPS, talvez até aprenda a nadar. Posso aprender a dançar também né?
Vou me agarrar muito no meu maridinho-delícia, apertar e abraçar, mas só até o primeiro minuto sem ar. Depois, solto e vou ali, comprar um pão quentinho ou um sorvete rochinha.
Vou curtir a família, os amigos, esquecer os inimigos (quem?), e curtir a mim mesma. Mas vou parar antes de cansar. Quando cansar vou ao cinema, vou assistir a todos os filmes lançados em 2009, vou assistir ao Oscar, vou viajar até Hollywood, ou não, não. Vou viajar pra outros lugares, melhores. Vou ver novas paisagens, experimentar comidas diferentes, ouvir outras línguas. Mas beijar, beijar só aquela língua velha conhecida, claro. E manter os amigos antigos, preservando o que já existe, incluindo a fauna e a flora. Não a da novela, não. Essa vou eliminar no primeiro mês, cruzes, que esteja em extinção as pessoas como Flora, eu hein? E as Donatelas também, que de chatice e burrice já basta né?
Em 2009 pretendo pegar os faróis sempre verdes, não precisar manobrar muito o carro, e não hei de errar a previsão do tempo. Não, nada de me encapotar numa manhã fria que ela há de se transformar numa tarde quente, isso já aprendi em 1993, não sei porque insisto.
Também quero me atrasar menos para os compromissos, ser uma pessoa mais pontual, manter-me honesta, devolver o que eu achar e segurar o elevador pra quem chega. Além, claro, de dar passagem no trânsito mais vezes (que trânsito? Eu não vou pegar trânsito) e de jogar o lixo sempre no lugar certo, mesmo que ele não seja nem plástico, nem papel e nem vidro. Talvez eu crie uma lata de “outros” para resolver isso.
Eu sei, não vou criar uma vacina importante, nem uma alternativa de energia para o mundo. Talvez eu não crie mesmo um Best-seller, eu sei. Se eu criar uma lata de outros, e algumas possibilidades novas, no meu pequeno grande mundo, já estará de bom tamanho – o que quer dizer PP ou P. No máximo, no máximo um M.
Monday, December 29, 2008
Em suspenso
Então está tudo em suspenso. E essa é a mehor coisa desse período.
Vivemos em separado do mundo normal. Vivemos totalmente alheios às confusões e loucuras cotidianas. Não há trânsito. Não há brigas, nem mesmo horários não há.
Tenho a impressão que ninguém nem morre entre o natal e o ano-novo. Porque vivemos supendidos por fios invisíveis, que separam as obrigações e as decisões da rotina, de um tempo leve e diferente como esse. Estamos suspendidos. Daqui assisto ao restante do ano. Correria, carros, rodízio, multas, trabalho, suor, hora, hora, hora, hora...
Rio, enquanto me movimento nesse balanço em suspenso, tão raro, tão efemêro e tão curto. Logo acaba. Logo descemos de novo à terra...
Vivemos em separado do mundo normal. Vivemos totalmente alheios às confusões e loucuras cotidianas. Não há trânsito. Não há brigas, nem mesmo horários não há.
Tenho a impressão que ninguém nem morre entre o natal e o ano-novo. Porque vivemos supendidos por fios invisíveis, que separam as obrigações e as decisões da rotina, de um tempo leve e diferente como esse. Estamos suspendidos. Daqui assisto ao restante do ano. Correria, carros, rodízio, multas, trabalho, suor, hora, hora, hora, hora...
Rio, enquanto me movimento nesse balanço em suspenso, tão raro, tão efemêro e tão curto. Logo acaba. Logo descemos de novo à terra...
Antes tarde...
Da crõnica do dia:
Queridos amigos,
Pois não foi que chegou? E eu, esse ano, fui tão desatenta que nem lhes desejei o habitual feliz Natal, tão cansada que me sentia. Não justifica, eu sei, mas é o que tenho para oferecer-lhes hoje, bem hoje, o dia mais especial do ano.
De certo é alguma coisa da idade que me tornou assim, preguiçosa e desanimada. Logo eu que sempre escrevia-lhes no início de dezembro, silenciosamente, falando da minha alegria e empolgação com as luzinhas, as cores, a fraternidade, enfim.
De repente, sinto-me cansada. Cansada é pouco. Sinto-me exausta. E exausta dessa forma, não tive forças para desejar-lhes tudo aquilo que merecem.
Vocês, amigos queridos, que merecem ter tido uma linda noite de Natal sim, mas, mais do que isso, merecem ter tido lindas noites comuns, lindas noites de verão, lindas noites no inverno, aquecidos por aqueles a quem mais amam. Merecem ter um dia lindo hoje, dia de Natal, mas, mais ainda, merecem ter tido dias e dias lindos no decorrer dos anos, ao quais possam lembrar-se com prazer, e alguma saudade.
São eles, os dias comuns, que talvez tenham me tornado cansada - e quiçá amargurada.
Os dias comuns são as veias da mesmice e é disso que a vida é feita, não queridos? De mesmices. Podem apregoar por aí que mudemos o caminho todas as manhãs, escovemos os dentes com a mão oposta à de sempre, cortemos os cabelos, mudemos, mudemos e mudemos. Não adianta, amigos queridos. A vida está impregnada de rotina, de mesmice, da claridade do dia à escuridão da noite. Não conseguiremos nos livrar do “de sempre” e, portanto, não há solução diferente daquela comum também... Transformar o de sempre no melhor. Transformar a mesmice em qualquer coisa mais ou menos boa, mais ou menos saborosa, mais ou menos alegre. Não há outra solução, não há outra alternativa. Não dá pra esperamos o Natal, o ano-novo, as férias, o carnaval, ou os meus 40, 50 anos. Não dá. Porque não é de grandes marcos que a vida é feita. É de pequenezas. Sutilezas quase invisíveis às quais nunca damos bola.
É delas que falo, amigos, e é isso que desejo.
Que, nesse tempo mágico que é o final de ano, vocês possam refletir sobre os pequenos momentos de cada um. E, quem sabe, tomem decisões importantíssimas como abraçar mais a sua esposa, beijar seu namorado com mais atenção, ou elogiar mais vezes a constante delicadeza da sua mãe.
Que a gente se cobre menos e se aplauda mais. Que sejamos menos rigorosos com tudo, até com a depilação. Que possamos beber um gole de vinho ao final de um dia cansativo e que sejamos bravos e corajosos para nos dirigirmos com amor aos que amamos de fato.
Isso deve acontecer, queridos, para que sobrevivamos. Isso é necessário para que continuemos razoavelmente bem.
E eu, que ainda me sinto exausta, desejo sempre encontrar uma fagulha de força e inspiração para abrandar as marteladas diárias desse tempo que – ao menos por ora - me é tão pesado e maçante.
Também espero – talvez mais do que tudo – ainda haver tempo antes de tornar-me totalmente ranzinza, preguiçosa e rabugenta...
Um feliz Natal a quem ainda viver...
Todo meu carinho,
Kika.
Queridos amigos,
Pois não foi que chegou? E eu, esse ano, fui tão desatenta que nem lhes desejei o habitual feliz Natal, tão cansada que me sentia. Não justifica, eu sei, mas é o que tenho para oferecer-lhes hoje, bem hoje, o dia mais especial do ano.
De certo é alguma coisa da idade que me tornou assim, preguiçosa e desanimada. Logo eu que sempre escrevia-lhes no início de dezembro, silenciosamente, falando da minha alegria e empolgação com as luzinhas, as cores, a fraternidade, enfim.
De repente, sinto-me cansada. Cansada é pouco. Sinto-me exausta. E exausta dessa forma, não tive forças para desejar-lhes tudo aquilo que merecem.
Vocês, amigos queridos, que merecem ter tido uma linda noite de Natal sim, mas, mais do que isso, merecem ter tido lindas noites comuns, lindas noites de verão, lindas noites no inverno, aquecidos por aqueles a quem mais amam. Merecem ter um dia lindo hoje, dia de Natal, mas, mais ainda, merecem ter tido dias e dias lindos no decorrer dos anos, ao quais possam lembrar-se com prazer, e alguma saudade.
São eles, os dias comuns, que talvez tenham me tornado cansada - e quiçá amargurada.
Os dias comuns são as veias da mesmice e é disso que a vida é feita, não queridos? De mesmices. Podem apregoar por aí que mudemos o caminho todas as manhãs, escovemos os dentes com a mão oposta à de sempre, cortemos os cabelos, mudemos, mudemos e mudemos. Não adianta, amigos queridos. A vida está impregnada de rotina, de mesmice, da claridade do dia à escuridão da noite. Não conseguiremos nos livrar do “de sempre” e, portanto, não há solução diferente daquela comum também... Transformar o de sempre no melhor. Transformar a mesmice em qualquer coisa mais ou menos boa, mais ou menos saborosa, mais ou menos alegre. Não há outra solução, não há outra alternativa. Não dá pra esperamos o Natal, o ano-novo, as férias, o carnaval, ou os meus 40, 50 anos. Não dá. Porque não é de grandes marcos que a vida é feita. É de pequenezas. Sutilezas quase invisíveis às quais nunca damos bola.
É delas que falo, amigos, e é isso que desejo.
Que, nesse tempo mágico que é o final de ano, vocês possam refletir sobre os pequenos momentos de cada um. E, quem sabe, tomem decisões importantíssimas como abraçar mais a sua esposa, beijar seu namorado com mais atenção, ou elogiar mais vezes a constante delicadeza da sua mãe.
Que a gente se cobre menos e se aplauda mais. Que sejamos menos rigorosos com tudo, até com a depilação. Que possamos beber um gole de vinho ao final de um dia cansativo e que sejamos bravos e corajosos para nos dirigirmos com amor aos que amamos de fato.
Isso deve acontecer, queridos, para que sobrevivamos. Isso é necessário para que continuemos razoavelmente bem.
E eu, que ainda me sinto exausta, desejo sempre encontrar uma fagulha de força e inspiração para abrandar as marteladas diárias desse tempo que – ao menos por ora - me é tão pesado e maçante.
Também espero – talvez mais do que tudo – ainda haver tempo antes de tornar-me totalmente ranzinza, preguiçosa e rabugenta...
Um feliz Natal a quem ainda viver...
Todo meu carinho,
Kika.
Thursday, December 18, 2008
Friday, December 12, 2008
A gente nunca combinou
A gente nunca combinou, mas sabe que o controle remoto é dele e quem dita os canais sou eu.
A gente nunca combinou, mas sabe que quem mata o pernilongo é ele, enquanto eu permaneço deitada, espionando para onde o bicho vai.
A gente nunca combinou, mas está claro que é dele a tarefa de por o DVD no ponto, acertar as legendas, enquanto eu preparo a pipoca e pergunto de longe: “quer beber o que, amor?”
A gente nunca falou nada, nadinha a respeito, mas quem dirige é sempre ele e, nas poucas vezes que fui eu, deu uma confusão danada.
A gente nunca combinou, mas sou eu que chamo pra rezar antes de dormir, procurando a mão dele em silêncio ou murmurando baixinho: “rezar, baby?”
A gente nunca programou isso, mas ele é quem acorda antes e quem faz café, nas raras vezes em que temos café nessa casa. Também é ele quem troca as lâmpadas ou desentope qualquer coisa, que tenha entupido, independente de quem for a cupa. A gente nunca fala sobre a culpa, mesmo sem termos combinado.
É ele quem fecha as janelas antes de saírmos, é ele quem espera eu terminar de me arrumar, é ele que me apressa. Sempre sou eu que me atraso. Mas nunca combinaríamos isso, claro.
É dele a vaga na garagem e é dele o carro limpinho e arrumado. O meu é aquele que deveria ser roubado. A gente sabe, mas nunca fala.
A gente sabe que um tem que fazer chá quando o outro está com gripe, e um tem que acordar de noite se o outro acorda também e, daí, ir atrás do que saiu da cama primeiro e dizer, baixinho, sem nem abrir os olhos: “o que foi amor?”
A gente nunca disse nada sobre isso, mas quem carrega as compras é ele, e eu pego a chave pra abrir a porta. Ele guarda as coisas dos armários e eu as da geladeira. Ele joga as embalagens fora e eu vou separando as sacolinhas.
Ele tem sono depois, mas sempre dorme primeiro. Ele é o dono do ventilador, mas o cobertor é prioridade minha. Ele tem o lado direito, eu tenho o esquerdo, mas nunca ninguém combinou nada.
A gente não ensaiou, mas sabe qual é o tom do assobio que chamamos um ao outro e também reconhece cada “humm”, se é de tristeza ou dúvida. A gente sabe do que é a piscadela, do que é o silêncio, do que é a falação. A gente se reconhece e se entende, mesmo quando se desentende. A gente sabe quando o outro está sem-graça, envergonhado, culpado ou humilhado. E um sempre ajuda o que está em pior situação, mesmo com raiva. Mesmo com raiva a gente tenta se segurar, mesmo com muita raiva a gente nunca se xinga ou se humilha, mas a gente nunca combinou
Aconteceu, assim, sem nunca termos falado nada a respeito.
Ele fala pouco e eu muito, ele fica bravo no trânsito e eu acalmo, ele compra os ingressos e eu a pipoca, ele carrega a bandeja e eu a bebida, ele pede o prato tradicional e eu o diferente, ele adora o dele, mas come o meu, eu destesto o meu - por isso peço o dele. Sem nunca termos combinado.
A gente combinou que seria feliz, mas nunca combinamos como. Aconteceu, assim, sem nem vermos. Um dia, depois outro, depois outro, depois outro.
Mas nunca combinamos. Nunca, nem por uma vez sequer.
Sunday, December 7, 2008
Mágica
Eu acredito em mágica. Em milagre menos, mas em mágica eu acredito fortemente.
Quando criança achava graça nos adultos tentando decifrar os truques de David Copperfield. “Oras, mas é mágica” eu pensava dentro de mim, inocentemente, imaginando que ele tinha um poder diferente do nosso, e essa era uma resposta muito mais simples e óbvia, do que a busca por detrás dos truques e ilusões que, segundo meus adultos, os mágicos criavam.
Passou muito tempo e, hoje, quando assisto a uma mágica, ainda hesito na certeza de que há um truque por trás. Para mim, algumas coisas muito cotidianas são mágica pura. Nascer um bebê, por exemplo, é uma mágica. Há um truque, todo mundo sabe. Os médicos sabem até melhor, mas vai negar que é mágica?
E, se há uma outra mágica nesse nosso planeta, ela se chama família.
Sempre achei estranho como esse fenômeno se dava. Sempre me senti desconfortavelmente intrigada por ver-me diante de meus irmãos, pais, primos, com um sentimento muito exclusivo, muito misterioso e claro ao mesmo tempo. Um sentimento absolutamente único. A gente diz que ama alguns amigos como irmãos e pode até ser, mas, irmãos mesmo, são os seus irmãos. Tios, aqueles desconhecidos de quem nossos pais têm histórias engraçadas, são parte da nossa história, e, demoramos a perceber, eles são mais do que meros coadjuvantes.
Na minha família, não consigo distinguir os protagonistas do resto. Todos são personagens principais, todos me causam uma sensação única, uma confiança esquisita que não tem a menor explicação e –alguns – uma timidez totalmente fora de propósito, um desconforto leve, quase que cócegas, como que uma tensão inesperada, por querer causar neles certa impressão, que nem sei bem qual é. Ou melhor, eu sei. Isso chama-se cuidado. Temos cuidado com aqueles a quem amamos muito. Temos cuidado, com aqueles que depositaram sobre nós certa expectativa e queremos, talvez até mais do que possamos perceber, que essa expectativa seja superada. Queremos que a criança que fomos um dia faça jus a esse adulto o qual nos tornamos, queremos agradar, queremos impressionar, talvez, queremos ser merecedores de ter alguém que testemunha nossa cadência nessa vida, desde tanto, tanto tempo.
Nossa família é nosso espelho e, não tem jeito, queremos estar bem diante de um espelho. Arrumamos o cabelo, ajeitamos a blusa, endireitamos o tronco porque, o que queremos ver nos espelho é o que há de melhor em nós. Queremos que saibam quem nos tornamos, e que fizemos o melhor que pudemos e que, sim, somos tão espertos agora, como éramos aos 5 anos, quando eles faziam de tudo para nos agradar.
Essa mágica que é a família sempre me intrigou, mas, no último final de semana, pela primeira vez, senti-me menos sozinha nesse mistério de que somos feitos. Senti-me amparada ao ver-me uma espectadora de uma família que não era a minha, mas que me causava tanta ternura e afeto que, de repente, vi a mágica se fazendo ali, diante dos meus olhos. Assisti, como se estivesse numa poltrona de cinema, cada truque, cada passe invisível dessa mágica que se dá nas relações humanas. A família. Ah família, que mágica estranha essa que herdamos. Nós, pobres diabos, de repente, somos deuses. Nós, animais irracionais, de repente somos uma enorme nuvem de amor diante daqueles com quem temos alguma intimidade, alguma afinidade, algum convívio especial.... David Copperfield nunca faria nada melhor...
Friday, November 28, 2008
Da minha infância querida, que os anos não trazem mais
Ele foi meu primeiro amor. E se chamava Pac-Man. Era redondo, uma carinha com um bocão, tudo de que uma mulher precisa.
Ele andava em labirintos escuros, e só o que fazia era comer todas as vitaminas que visse pela frente. Tinha que ser rápido, porque o tempo era curto. Mas ele, o bonequinho bocudo, estava ficando esperto sob o meu comando. Comia tudo e quando conseguia as vitaminas especiais, uma musiquinha tocava anunciando o feito.
Mas, não, não era simples assim. Existia um monstro. Isso, um vilão, uma espécie de fantasma que ia atrás do Pac-Man pelos labirintos tentando pega-lo e, se relava nele, mesmo que de leve, pronto. O bichinho morria na hora. Era uma tristeza que passava rápido porque logo, em seguida, você usava a sua outra vida e iniciava a busca novamente.
O Pac-Man era um jogo quase que estúpido, mas, como muitos amores, irresistível.
Era uma mini-alegria urbana, um bálsamo depois da lição, um doce depois da alface. Lembro-me da satisfação da conquista, das vitaminas entrando na bocona, da musiquinha de parabéns e, invariavelmente, de algumas marcas nas minhas pequenas mãos no final do dia, por usar com tanta força e empolgação o arcaico controle do Atari.
Não sei quando foi que cansei de jogá-lo, não me lembro do dia em que aquele bichinho parou de fazer sentido para mim, mas, certamente, eu achei outras vitaminas pelo mundo e decidi embocá-las eu mesma, ainda que com uma boca bem pequena, em comparação com a dele.
Mas não é isso que fazemos? Não é assim que passamos a vida? Procurando o que nos faz bem, buscando incessantemente uma musiquinha que anuncie a nossa conquista, indo pra lá e cá enquanto driblamos os fantasmas do dia a dia?
As vezes tenho saudade mesmo, era de ter aquele monte de vidas. Todas ali, esperando se encerrarem para outra começar, novinha, em seguida e lá vamos nós, corre, corre que o fantasma vai ficando mais rápido com o passar do tempo.
Ele andava em labirintos escuros, e só o que fazia era comer todas as vitaminas que visse pela frente. Tinha que ser rápido, porque o tempo era curto. Mas ele, o bonequinho bocudo, estava ficando esperto sob o meu comando. Comia tudo e quando conseguia as vitaminas especiais, uma musiquinha tocava anunciando o feito.
Mas, não, não era simples assim. Existia um monstro. Isso, um vilão, uma espécie de fantasma que ia atrás do Pac-Man pelos labirintos tentando pega-lo e, se relava nele, mesmo que de leve, pronto. O bichinho morria na hora. Era uma tristeza que passava rápido porque logo, em seguida, você usava a sua outra vida e iniciava a busca novamente.
O Pac-Man era um jogo quase que estúpido, mas, como muitos amores, irresistível.
Era uma mini-alegria urbana, um bálsamo depois da lição, um doce depois da alface. Lembro-me da satisfação da conquista, das vitaminas entrando na bocona, da musiquinha de parabéns e, invariavelmente, de algumas marcas nas minhas pequenas mãos no final do dia, por usar com tanta força e empolgação o arcaico controle do Atari.
Não sei quando foi que cansei de jogá-lo, não me lembro do dia em que aquele bichinho parou de fazer sentido para mim, mas, certamente, eu achei outras vitaminas pelo mundo e decidi embocá-las eu mesma, ainda que com uma boca bem pequena, em comparação com a dele.
Mas não é isso que fazemos? Não é assim que passamos a vida? Procurando o que nos faz bem, buscando incessantemente uma musiquinha que anuncie a nossa conquista, indo pra lá e cá enquanto driblamos os fantasmas do dia a dia?
As vezes tenho saudade mesmo, era de ter aquele monte de vidas. Todas ali, esperando se encerrarem para outra começar, novinha, em seguida e lá vamos nós, corre, corre que o fantasma vai ficando mais rápido com o passar do tempo.
Thursday, November 27, 2008
Wednesday, November 26, 2008
Solúvel
Você já se sentiu, um dia, dissolvida numa multidão? Já chegou num lugar onde achava que seria especial e notada e, de repente, viu mais de cem igual à você ali, competindo por um lugar ao sol -seja lá o que fosse o sol-?
Você já se sentiu tão desconfortável por ser você, que até doeu a barriga? Já? Sabe como é uma pontada fina na barriga, quase que uma angústia, por uma razão idiota como essas? Por estar presa ao seu próprio corpo, às suas vergonhas, às suas covardias, às suas mesmices?
Você sabe como é ser invisível?
Pois eu sei. Foi muito recentemente que me aconteceu. Entrei em um lugar onde eu estava dissolvida. Cheguei com um pacote na mão e um sorriso no rosto, quando notei -com tristeza - que igual à mim tinham dezenas de mulheres. Iguaizinhas. Senti-me invisível e doeu. Logo eu, que sempre quis ser invisível, nunca imaginei como é incômodo conseguir isso. Como é doloroso ser um sonrisal que desaparece na água.
Essa era eu.
Cheguei mesmo a pensar em gritar, cheguei a pensar em simular um desmaio para testar se eu estava, de fato, naquele lugar, se alguém veria, se alguém notaria uma pessoa a mais ali, caída no chão frio da sala. Não tive coragem. Sou comum demais para uma extravagância dessas...
Vai que eu não fosse invisível e causasse um alarde? Ou, pior: Vai que não?
Mantive-me quieta, calada, com o meu pacote. Desapareci mesmo estando lá, como o sonrisal na água. E ninguém nunca soube que eu estive lá.
Monday, November 24, 2008
O INIMIGO
Diretamente da crônica do dia
Existe alguém aqui dentro. Logo aqui, dentro de mim, alguém que está contra mim. Não sei quem é, não sei bem o que quer, mas existe alguém aqui que está boicotando tudo. Falo baixo para não acordá-lo, ando na ponta dos pés, principalmente se estou feliz, porque ele – ou será ela? – esse ser que habita em mim, não pode ver uma idéia boa, um sorriso tonto, que logo vem atrapalhar tudo.
É o inimigo. Ah você achou que não tinha inimigos? Que caso fosse assassinada, um dia, sua vizinha de porta apareceria pesarosa no Jornal Nacional: “Nossa, mas ela não tinha inimigos...” Pois você tem, bem aí, dentro de você. E é melhor conhecê-lo do que deixá-lo assim, agindo à própria sorte. Talvez o seu tenha aparições mais sutis, pode ser que ele use pantufas e seja um gentleman, chega, sai e você nem percebe. Mas sabe quando você vai falar uma coisa numa reunião importante, e a palavra lhe some dos lábios? Ou nem precisa ser uma ocasião especial, quando você está batendo papo com um amigo e vai falar daquele filme, ai aquele, claro que você sabe, com aquela atriz, meu Deus, ai que aflição, aquele, tá na ponta da língua, aquele lá, sabe? Não. Mas sei quem foi que roubou. Foi ele, o inimigo. É um ladrão, o danado.
O inimigo chega quando você acha que está dominando. A mim ele vem sempre diante de uma tela branca. Impressionante. Eu tenho mil idéias, textos prontíssimos na mente, era só ditar para as minhas mãos e estariam prontos. Mas, bastou a tela vazia aqui, a me olhar, que o inimigo veio e roubou tudo. Fiquei de mãos — cabeça e tela — vazias. Mas eu tinha acabado de pensar uma idéia boa...
O que mais me impressiona nesse sujeito é a rapidez. Ele é tão veloz que você pode saber uma coisa num minuto e, no instante seguinte, ele terá levado de você. Mas como? Estava aqui agora mesmo? Você dirá, como se diante de uma vaga vazia onde você estacionara seu carro pela manhã. Roubaram, claro. Alguém toma a conclusão de você.
Imagino que o inimigo fique escondido, observando tudo à espreita e, quando vê que as coisas estão bem, surge com seu movimento derradeiro, tirando tudo de esquadro. Às vezes leva-se dias para entender um acontecimento. Mas é quando esse acontecimento faz sentido, é quando estamos com a pele queimada de sol, pra cima, positivos e confiantes, que ele — atrevido — aparece. Logo uma onda de desânimo nos pega, talvez até uma gripe, ou, se ele estiver num dia bom, só uma dúvida, uma pequena duvidazinha que pergunta, tal qual um pernilongo zumbindo no seu ouvido: “Sou mesmo capaz? Consigo mesmo fazer isso?”. Ah, mas você já sabia agora há pouco, por que não trancou as portas? Porque não fechou os vidros, ele entrou afinal...
Sempre se trata de algo que você já tinha. Uma palavra, uma certeza, uma blusa que você tinha planejado usar bem hoje, ou mesmo uma presilha de cabelo que some, sem explicação. Pode saber, foi ele.
Ele quer o que temos, ele quer aquilo que conquistamos — a duras penas — quanto mais difícil foi conseguir, mais o inimigo tentará levar de você. Há quem o evite, alguns mais firmes conseguem rejeitá-lo muitas vezes. Eu ainda apanho do meu inimigo. Porque, de certa forma, cuido dele. Trato-o não com raiva, mas como garoto peralta que gosta de fazer macaquices. É um saci, meu inimigo, e, talvez por isso, tão impertinente. Se eu tratasse à altura, como um inimigo sombrio e forte, talvez ele não tivesse — por exemplo — levado o final desse texto, uma frase prontinha e bem amarradinha que eu tinha aqui, agorinha, na ponta da língua... Viram? Correndo ali na esquina? Foi ele, bandido!
Existe alguém aqui dentro. Logo aqui, dentro de mim, alguém que está contra mim. Não sei quem é, não sei bem o que quer, mas existe alguém aqui que está boicotando tudo. Falo baixo para não acordá-lo, ando na ponta dos pés, principalmente se estou feliz, porque ele – ou será ela? – esse ser que habita em mim, não pode ver uma idéia boa, um sorriso tonto, que logo vem atrapalhar tudo.
É o inimigo. Ah você achou que não tinha inimigos? Que caso fosse assassinada, um dia, sua vizinha de porta apareceria pesarosa no Jornal Nacional: “Nossa, mas ela não tinha inimigos...” Pois você tem, bem aí, dentro de você. E é melhor conhecê-lo do que deixá-lo assim, agindo à própria sorte. Talvez o seu tenha aparições mais sutis, pode ser que ele use pantufas e seja um gentleman, chega, sai e você nem percebe. Mas sabe quando você vai falar uma coisa numa reunião importante, e a palavra lhe some dos lábios? Ou nem precisa ser uma ocasião especial, quando você está batendo papo com um amigo e vai falar daquele filme, ai aquele, claro que você sabe, com aquela atriz, meu Deus, ai que aflição, aquele, tá na ponta da língua, aquele lá, sabe? Não. Mas sei quem foi que roubou. Foi ele, o inimigo. É um ladrão, o danado.
O inimigo chega quando você acha que está dominando. A mim ele vem sempre diante de uma tela branca. Impressionante. Eu tenho mil idéias, textos prontíssimos na mente, era só ditar para as minhas mãos e estariam prontos. Mas, bastou a tela vazia aqui, a me olhar, que o inimigo veio e roubou tudo. Fiquei de mãos — cabeça e tela — vazias. Mas eu tinha acabado de pensar uma idéia boa...
O que mais me impressiona nesse sujeito é a rapidez. Ele é tão veloz que você pode saber uma coisa num minuto e, no instante seguinte, ele terá levado de você. Mas como? Estava aqui agora mesmo? Você dirá, como se diante de uma vaga vazia onde você estacionara seu carro pela manhã. Roubaram, claro. Alguém toma a conclusão de você.
Imagino que o inimigo fique escondido, observando tudo à espreita e, quando vê que as coisas estão bem, surge com seu movimento derradeiro, tirando tudo de esquadro. Às vezes leva-se dias para entender um acontecimento. Mas é quando esse acontecimento faz sentido, é quando estamos com a pele queimada de sol, pra cima, positivos e confiantes, que ele — atrevido — aparece. Logo uma onda de desânimo nos pega, talvez até uma gripe, ou, se ele estiver num dia bom, só uma dúvida, uma pequena duvidazinha que pergunta, tal qual um pernilongo zumbindo no seu ouvido: “Sou mesmo capaz? Consigo mesmo fazer isso?”. Ah, mas você já sabia agora há pouco, por que não trancou as portas? Porque não fechou os vidros, ele entrou afinal...
Sempre se trata de algo que você já tinha. Uma palavra, uma certeza, uma blusa que você tinha planejado usar bem hoje, ou mesmo uma presilha de cabelo que some, sem explicação. Pode saber, foi ele.
Ele quer o que temos, ele quer aquilo que conquistamos — a duras penas — quanto mais difícil foi conseguir, mais o inimigo tentará levar de você. Há quem o evite, alguns mais firmes conseguem rejeitá-lo muitas vezes. Eu ainda apanho do meu inimigo. Porque, de certa forma, cuido dele. Trato-o não com raiva, mas como garoto peralta que gosta de fazer macaquices. É um saci, meu inimigo, e, talvez por isso, tão impertinente. Se eu tratasse à altura, como um inimigo sombrio e forte, talvez ele não tivesse — por exemplo — levado o final desse texto, uma frase prontinha e bem amarradinha que eu tinha aqui, agorinha, na ponta da língua... Viram? Correndo ali na esquina? Foi ele, bandido!
Saturday, November 22, 2008
Fotossíntese
Meu plano era passar o final de semana fazendo o que as plantas fazem.
Meu plano era ser uma samambaia, um bambu ou uma mangueira, não importa.
Só por um final de semana, ficar imóvel diante do sol, como as orquídeas, as violetinhas, ou mesmo como o mato. Posso ser como o mato, não me apego à poesia, e sim ao sol.
Acho graça quando dizem de uma planta: "Ela gosta de sol?" E logo outro responde, "Claaaaro" ela adora sol." Eu, num impulso, completo que eu também, adoro sol.
Adoraria que me pusessem na varanda a tardinha, virada pro sol, como fazemos com os lírios aqui em casa. Como ninguém nunca faz isso, andei eu mesma, com as minhas próprias pernas, para uma varandinha, onde posso ficar diante do sol.
E, quando me achei um girassol, logo começou a conversa do envelhecimento precoce, da camada de não sei o que que nem existe mais, e das minhas sardas. Estou cheias de sardas, muitas, nenhum lisiantro me alcança. O sol -que nasceu para todos - é politicamente incorreto, é perigoso, um grande vilão o coitado. Coitado e coitado de nós, também que, claro, não podemos ser humanos impunemente.
Enquanto ponho minha cadeira na sombra penso que, elas sim, as tolas gérberas é que são felizes.
Wednesday, November 19, 2008
Ele vem vindo
Lá vem ele. Ali, dobrando aquela esquina, tá vendo? Não, não essa pertinho, aquela lá, depois da avenida. Viu? É, é que ele vem devagar mesmo, mas chega. Vem assim, caminhando a passos tão lentos, parece até que não sabe que a gente espera né? Nossa, e como espera. Eu mesma estou tão cansada que só queria um desses, juro. Daria meu reino por um desses, não vejo a hora. Ainda mais assim, em plena quinta-feira, já nas bandas no natal, é muito esperado. Dá vontade de acelerar né? Se ele ouvisse a gente daqui, eu até gritaria viu? Feriadooooo? Corre pô! Será que ele ouve? Ah, estou pagando o maior mico. Tá vendo esse pessoal aí do seu lado? Então, também estão esperando. Todo mundo esperando e ninguém gritou até agora. Gente paciente né? Se você for ver bem, estamos esperando desde o semestre passado. Faz séculos que não vinha um desses. E parece que é o último do ano, ouviu isso? Depois desse, só o natal. Ah, mas o natal nem se compara com esse, de agora. O natal tem festa, presente, mil afazeres. Esse não. Esse que tá vindo aí é só uma cama e um livro. Uma camiseta e, no máximo, meias nos pés. É, pena mesmo que seja tão rápido. Com esse passo que ele tá, chega só amanhã. E, você sabe né? Já deixou avisado que amanhã mesmo, anoitinha vai embrora. Ah pra você não? Pra você ele fica até domingo?? Meu Deus quanta sorte a sua, eu até que convidei, mas, sabe como é. Ele não tem assim, muita intimidade comigo, disse que vai mesmo amanhã. Tudo bem, pelo menos vem né?
Olha, olha, já dá pra ver melhor. Ele é negro, é? Uia que lindo...
Olha, olha, já dá pra ver melhor. Ele é negro, é? Uia que lindo...
Saturday, November 15, 2008
Atchim
Tuesday, November 11, 2008
Das loucuras cotidianas
Estou andando, rumo à padaria, e falando animadamente no celular com uma amiga, quando avisto um CET na esquina. Num impulso absolutamente idiota, digo rápido para a minha amiga: "Ai, pera, amarelinho!" e abaixo o celular. É somente aí que noto, enfim, que estou a pé e não há placa para ser multada. Rio sozinha, disfarço, e volto ao telefone, mudando de assunto.
Friday, November 7, 2008
Diretamento do Crõnica do dia
Saí lá, com essa aqui:
Quando etávamos distraídos
Não lembro quantos anos eu tinha, mas não era mais do que 10 ou 11. Estávamos voltando para casa, eu e meu irmão mais velho, de perua escolar, como nos era habitual. Também era comum sermos as crianças mais novas da perua, duas crianças entre adolescente grandes e exibidos. Mas isso não me incomodava, talvez eu sequer notara isso até aquela tarde de calor quando o fato se deu.
Estávamos sentados no nosso banco, no fim da perua, eu na janela e o Rafa, meu irmão, ao meu lado. As crianças maiores caminhavam e cantavam pelo corredor do ônibus enquanto eu assistia à paisagem do lado de fora. Foi através do nervosismo do meu irmão que decidi prestar atenção no que estava acontecendo. Ele fazia contas e mais contas com os dedos quando percebi que os meninos grandes estavam indo de cadeira em cadeira e, como comandantes do ônibus, perguntavam para cada criança quanto era 6 vezes 12 (ou qualquer coisa do tipo). Os pequenos, em seus lugares, erravam nervosos para alegria dos comandantes que gritavam eufóricos: “Não sabe, não sabe, vai ter que aprender, orelha de burro logo vai nascer”. Eu não lembro se as outras crianças ficavam tristes, choravam ou o quê. Mas lembro nitidamente dos olhos do meu irmão, apreensivos, que contava nos dedos quanto era 6 vezes o 12. Eu estava em silêncio, impressionada com a tensão do Rafa, quando ele me olhou e disse baixinho, mas muito firme: “Se alguém te perguntar alguma coisa, você fala 72 está bem?”. Eu, na minha ingênua distração, não entendi. “Quê, Rafa?”. “Kika, você fala 72, só isso tá? Se alguém te perguntar qualquer coisa, você fala 72 e pronto, não esquece, 72”. Então, querendo livrá-lo dessa dor, respondi que sim, que tudo bem, 72, 72, 72. Não sei o que veio em seguida. Desconfio que eles nos perguntaram e nós (eu ou o Rafa) respondemos certo, passando despercebidos pelos algozes do ônibus. Eu não tenho certeza, mas o que ficou para sempre cravado na minha memória foi a imagem do meu pequeno-grande irmão ali, tenso, contando nos dedos a resposta que nos livraria de um vexame, enquanto eu, absolutamente relaxada, notava as árvores e o tempo que passava do lado de fora do ônibus. Não sei como seria se eu estivesse sozinha. Talvez se me perguntassem, eu sequer notaria. Talvez se cantassem qualquer bobagem sobre mim, eu acharia que era o rádio ou, quem sabe, se eu estivesse sozinha hoje teria um trauma vexatório para contar, porque a verdade é que nunca, naquela idade, eu saberia quanto era 6 vezes 12 e nem nada do tipo. Mas, apesar disso, eu sabia me distrair, como sei até hoje.
Distraio-me com tanta facilidade que, dia desses, enquanto atravessava a rua sem muito cuidado, meu marido confessou que vive sempre preocupado comigo. Eu – distraída – perguntei por que, e ele respondeu, tentando ser delicado: “Ah, esse teu jeito meio tontinha...”. Eu sei o que ele quis dizer. Ele quis dizer que, depois de adultos, não há ninguém que nos salve da nossa distração. A distração é um benefício infantil, portanto deveria ser banida dos adultos, o que – definitivamente – não aconteceu comigo. Hoje não posso distrair-me, embora aconteça o tempo todo. E a vida fica perigosa quando mantemos a nossa distração infantil. Hoje, se você se distrai e esquece a bolsa na padaria, pronto, lá se foram seus documentos. Ou quando se distrai no trânsito então, lá vem um motoqueiro lembrar-te das suas obrigações. Não se pode esquecer de pagar uma conta, não nos é permitido distrair-nos com a lua cheia quando voltamos pra casa e até mesmo uma distraçãozinha básica, numa reunião importante, pode causar problemas seríssimos como já me aconteceu mais de uma vez.
Não sinto saudades da infância, em geral, mas a distração custa-nos tão caro que, por um instante, gostaria de ser criança de novo, apenas para perder-me um pouco no tempo que nos persegue, incessante, quando somos adultos e não há ninguém, ninguém que está sentado ao nosso lado na perua, fazendo as contas difíceis por mim.
Quando etávamos distraídos
Não lembro quantos anos eu tinha, mas não era mais do que 10 ou 11. Estávamos voltando para casa, eu e meu irmão mais velho, de perua escolar, como nos era habitual. Também era comum sermos as crianças mais novas da perua, duas crianças entre adolescente grandes e exibidos. Mas isso não me incomodava, talvez eu sequer notara isso até aquela tarde de calor quando o fato se deu.
Estávamos sentados no nosso banco, no fim da perua, eu na janela e o Rafa, meu irmão, ao meu lado. As crianças maiores caminhavam e cantavam pelo corredor do ônibus enquanto eu assistia à paisagem do lado de fora. Foi através do nervosismo do meu irmão que decidi prestar atenção no que estava acontecendo. Ele fazia contas e mais contas com os dedos quando percebi que os meninos grandes estavam indo de cadeira em cadeira e, como comandantes do ônibus, perguntavam para cada criança quanto era 6 vezes 12 (ou qualquer coisa do tipo). Os pequenos, em seus lugares, erravam nervosos para alegria dos comandantes que gritavam eufóricos: “Não sabe, não sabe, vai ter que aprender, orelha de burro logo vai nascer”. Eu não lembro se as outras crianças ficavam tristes, choravam ou o quê. Mas lembro nitidamente dos olhos do meu irmão, apreensivos, que contava nos dedos quanto era 6 vezes o 12. Eu estava em silêncio, impressionada com a tensão do Rafa, quando ele me olhou e disse baixinho, mas muito firme: “Se alguém te perguntar alguma coisa, você fala 72 está bem?”. Eu, na minha ingênua distração, não entendi. “Quê, Rafa?”. “Kika, você fala 72, só isso tá? Se alguém te perguntar qualquer coisa, você fala 72 e pronto, não esquece, 72”. Então, querendo livrá-lo dessa dor, respondi que sim, que tudo bem, 72, 72, 72. Não sei o que veio em seguida. Desconfio que eles nos perguntaram e nós (eu ou o Rafa) respondemos certo, passando despercebidos pelos algozes do ônibus. Eu não tenho certeza, mas o que ficou para sempre cravado na minha memória foi a imagem do meu pequeno-grande irmão ali, tenso, contando nos dedos a resposta que nos livraria de um vexame, enquanto eu, absolutamente relaxada, notava as árvores e o tempo que passava do lado de fora do ônibus. Não sei como seria se eu estivesse sozinha. Talvez se me perguntassem, eu sequer notaria. Talvez se cantassem qualquer bobagem sobre mim, eu acharia que era o rádio ou, quem sabe, se eu estivesse sozinha hoje teria um trauma vexatório para contar, porque a verdade é que nunca, naquela idade, eu saberia quanto era 6 vezes 12 e nem nada do tipo. Mas, apesar disso, eu sabia me distrair, como sei até hoje.
Distraio-me com tanta facilidade que, dia desses, enquanto atravessava a rua sem muito cuidado, meu marido confessou que vive sempre preocupado comigo. Eu – distraída – perguntei por que, e ele respondeu, tentando ser delicado: “Ah, esse teu jeito meio tontinha...”. Eu sei o que ele quis dizer. Ele quis dizer que, depois de adultos, não há ninguém que nos salve da nossa distração. A distração é um benefício infantil, portanto deveria ser banida dos adultos, o que – definitivamente – não aconteceu comigo. Hoje não posso distrair-me, embora aconteça o tempo todo. E a vida fica perigosa quando mantemos a nossa distração infantil. Hoje, se você se distrai e esquece a bolsa na padaria, pronto, lá se foram seus documentos. Ou quando se distrai no trânsito então, lá vem um motoqueiro lembrar-te das suas obrigações. Não se pode esquecer de pagar uma conta, não nos é permitido distrair-nos com a lua cheia quando voltamos pra casa e até mesmo uma distraçãozinha básica, numa reunião importante, pode causar problemas seríssimos como já me aconteceu mais de uma vez.
Não sinto saudades da infância, em geral, mas a distração custa-nos tão caro que, por um instante, gostaria de ser criança de novo, apenas para perder-me um pouco no tempo que nos persegue, incessante, quando somos adultos e não há ninguém, ninguém que está sentado ao nosso lado na perua, fazendo as contas difíceis por mim.
Saturday, November 1, 2008
O bicho
Agora ele me chama de bicho. Não sei de onde tirou isso, mas já tivemos apelidos esdrúxulos, fofos e ridículos. Casal é assim né? Pois agora a gente aceitou bicho e ficamos assim. Bichinho pra la, bichinho pra cá, te amo bicho, faz isso bicho, bicho não acredito que você esqueceu de pagar aquela conta, pô bicho! não precisava disso, e assim vai..
Daí, noite dessas, quando éramos apenas nós dois em nossa cama, ríamos das nossas bobagens e eu inventei de reclamar desse apelido novo: "Amor, pára com isso, de bicho vai. Eu não sou bicho. Se for bicho quero ser um bicho grande e bonito". E ele me veio com essa: "Não querida, você é um bichinho bem pequeninho, meu bichinho pequenino e, na verdade, você nem sabe mas é um bicho de fruta até... "
De fruta?? - Eu me indignei... "É amor, você é um bichinho da maçã, você não sabe, mas dorme toda noite na maçã". Eu, claro, caí na gargalhada. "Maçã lindo? Eu durmo na maçã??" E ele continuava, muito sério, sussurando como se me contasse um segredo: "Toda noite bicho, depois que você dorme, eu te levo até a cozinha, te ponho pertinho da sua maçã, te dou um peteleco, e você entra lá, rapidinho..." Eu ria sem parar enquanto ele ficava muito sério, contando o que fazia para me por dentro dessa minha morada secreta, a maçã. E assim ficou, sério, enquanto eu gargalhava...
Depois dessa noite a coisa de eu ser um bicho da maçã ganhou força e, quando brigamos, ele encerra dizendo, em tom ameaçador: "olha que eu te levo pra sua maçã mais cedo hoje, hein?!"
Desde então, as maçãs nunca mais foram as mesmas para mim e, se esse passou a ser o nosso segredo ridículo, mais ridículo ainda é que, agora, cada vez que vejo uma maçã tenho o instinto estúpido de olhá-la bem de perto, como se procurasse uma portinhola e, por um instante, quase que temo ser descoberta e levada lá pra dentro, dessa minha suposta morada. Juro que é por apenas um instante.
Thursday, October 30, 2008
Mulheres e suas bagunças II
A história era assim: Ela foi fazer depilação numa moça que ainda não conhecia e, logo de primeira, resolveu depilar a virilha. Pois começou dizendo que você só deve depilar a virilha com alguém, depois que já tiver experimentado depilar axila, ou meia-perna “Nunca faça a virilha numa depiladora se for o primeiro encontro de vocês” ela falou, e ainda acrescentou que era como sexo: de primeira não. Já comecei a achar tudo engraçado daí e, em seguida, ela contou que a depilação foi uma tragédia. Parece que a cera era ruim e não saia de uma vez, então ficavam uns pedaços de cera grudados nela, que a mulher ia arrancando com a unha, os pêlos não saiam, ela tava vermelha e dolorida já, mas a mulher continuava como se ela fosse uma mesa sendo encerada; sem dó nem piedade. Ela não conseguia respirar e nem falar nada, não que fosse boba não, ao contrário, ela era bem esperta e falastrona no dia a dia, mas lá, ficou com medo de a mulher ter raiva e maltratar mais ainda e, convenhamos, você pelada (ou quase) com um monte de cera grudada nos pêlos pubianos, claro que acaba aceitando o que quer que seja, fica numa posição super vulnerável mesmo, assinaria um cheque em branco se a mulher pedisse, entregaria sua senha do banco, seu marido, tudo, tudo. Então ela agüentou, coitada, mas quando a depiladora acabou de fazer aquela virilha básica, em cima, e foi fazer um pouquinho mais pra baixo, a menina gritou: “Não, não, eu não faço embaixo, aí não, por favor, nunca faço aí, odeio fazer embaixo, não gosto, não, não faço embaixo!” E a mulher parou, meio que assustada. Era mentira, claro, mas ela disse que quando pensou na dor que ia sentir com aquela cera porcaria ali, naquele lugar, só conseguiu gritar isso, disse que deixou até uma gorjeta boa pra depiladora, de tanto que era a alegria em se ver vestida, saindo daquele lugar. Fiquei morrendo de pena da menina que contou essa história, mas ri de chorar quando ouvi. E, depois, quando voltamos ao trabalho, acabamos ficando amigas. Nós que nem nos simpatizávamos muito uma com a outra, ficamos meio que simpáticas e, numa reunião, dias depois, sentamos uma de frente pra outra, ouvimos séculos da chatice do gerente mega-blaster-sênior e, daí, ele começou a fazer um monte de pergunta pra todo mundo, tava tudo um inferno e eu e a menina rebolando pra responder até que, uma hora, quando ele sugeriu qualquer coisa insuportável como trabalhar todos os finais de semana do mês (não foi isso, isso é só um exemplo) aconteceu que eu gritei: “Não! Eu não faço embaixo!”. A menina, minha recém amiga, nem me olhou, só desandou a rir tanto, mas tanto que eu não agüentei e entrei com ela na crise de riso. A reunião perdeu até o sentido. Não sei como não perdi o emprego, porque a gente só ria e, as vezes, entre as gargalhadas, repetia: “Eu, hahahaha, eu não faço embaixo, hahaha” enquanto as outras pessoas nos olhavam, atônitas, talvez pensando se merecíamos uma licença remunerada, nem sei o que eles pensavam da gente. Mas aconteceu que, assim, numa crise de loucura básica, eu e a menina que era meio chatinha, nos tornamos grandes e melhores amigas... que homem, no mundo, que seria capaz dessa proeza?
Tuesday, October 14, 2008
Bem-vindos
Eu não sabia, mas li lá que os alienígenas pousariam na terra hoje. Hoje pessoal, dia 14/10.
Pois enquanto ela acha que é um atraso completo, eu discordo e afirmo que eles disseram isso para nos confundir. E eles seriam assim tão sem noção de descer aqui bem nessa crise? Com essa coisa de banco quebrando, ação caindo, mundo ruindo os homenzinhos nem receberiam atenção. Se caíssem em Nova York, imaginem, iam passar despercebidos. Ou iam ser pegos pra trabalhar. Posso até ver os caras verdinhos em plena wall street, e alguém grita: “Pô cara, maderfuckyoyofuckfffuck” que é sempre o que os americanos dizem quando estão bravos. E ficariam brabíssimos com alienígenas chegando no meio dessa quebradeira. Capaz que mandassem o exército até Marte alegando que eles têm armas químicas. Aliás, não sei como ainda não pensaram nisso...
De qualquer forma eu não acredito que eles cheguem hoje, porque a mim é mais do que claro que eles já estão aqui, oras. Quem é que não vê? Eu mesma desconfio bem de uns 10 ou 12. Já desconfiei até de mim mesma uma época. Achei que eles tinham apagado a minha memória e criado uma memória humana em mim. A coisa ficou séria um dia, quando fiz um xixi laranja cor de fogo. Eu só podia ser um ET e alguma coisa tinha sido desprogramada dentro de mim, claro! Fiquei toda feliz, guardei segredo, mas mantive um sorriso de superioridade por quase um dia todo... Cheguei mesmo a piscar para uma senhora na rua, que parecia ser da mesma espécie que eu. Desconfiei que ela fosse minha ET mentora, mas ela não retribuiu meu gesto. Foi quando lembrei que tinha tomado Perydium e ele é que deixa o xixi assim. Fiquei frustradíssima. Sou mesmo super humana. Normal que só... Banal, até... Mas os outros? Ah não... Aqui no meu prédio moram 2 que tenho certeza que são daquelas bandas de lá; Marte, Urano, não sei. Mas daqui é que não são.
Na minha família desconfio seriamente de um. E soube de um grupo do meu trabalho que vive separado, isolado, desaparecem em momentos chaves e falam por códigos estranhos. Eu mesma os vi um dia, sentados numa muretinha onde batia um raio forte de sol e imaginei que eles estavam fazendo a fotossíntese, como as plantas. Evitei olhar muito para não dar bandeira, mas tive certeza de que esses formam um grupo de estudos, ou uma espécie de liga da justiça. Ou da injustiça, depende do ponto de vista.
De qualquer forma eles já estão aqui faz tempo. Antes até do que nós. Aposto que no meio dos dinossauros já tinha um ou outro infiltrado.
Se eles chegarem hoje, é pra disfarçar. E, nesse caso, acho que vou dar uma voltinha por aí agora mesmo, porque, caso eles apareçam, quero cumprimentá-los pelo plano e ver se tem uma vaginha no projeto deles - seja ele qual for – pra uma humana normal, normalzinha da silva. Se for permitido, conto pelo blog depois tá? Se não for, se for um projeto secreto, me liguem que pelo telefone, baixinho, conto tudo....
Thursday, October 2, 2008
Convite
Recebi um convite de casamento, um de aniversário e um de uma balada. Todos chegaram por esses dias...
Mas, ontem, chegou o convite que gostei mais. Eduardo convidou-me para escrever semanalmente aqui, nesse lugar tão especial.
Portanto, temos um encontro as quintas, começando hoje, que já cheguei lá.
Sunday, September 28, 2008
Auto-engano
Faz algum tempo já. Na verdade muito tempo.
Tínhamos vivido uma curta e tórrida história de amor, na qual eu tinha sofrido tanto, tanto, que me despedaçara em muitos pequenos cacos ao final de tudo aquilo. Talvez por isso eu tenha decidido fortemente que esqueceria esse homem e aquela história. Consegui. Demorou muito, mas ele passou e ficou na minha memória como alguns nuances, uns vultos, umas imagens esfumaçadas, esfareladas, nada de muito concreto.
Foi numa livraria, anos depois, que nos reencontramos atingidos pelo destino ou por uma incrível casualidade. Ficamos ali, naquela situação meio sem graça, de quanto tempo, como vai você, o que tem feito, tem visto fulano, sabe de sicrano, nossa, faz tempo mesmo né, e eu vim aqui hoje só pra trocar um livro, é eu tava procurando um, pois é, então tá, a gente se fala, bom te ver e, quando ele ia indo embora, nem sei bem o que me deu que o chamei pelo nome, uma última chamada, apenas pra fazer uma pergunta. Uma pergunta da qual dependeria a minha sanidade, já tão desafiada por aquele e outros amores incuráveis. O rapaz se virou, eu me aproximei e disse, simplesmente: “Eu inventei?”. Houve um instante de silêncio, ele não entendeu claro, e eu tentei me explicar: “Eu inventei tudo, ou aconteceu mesmo? Aconteceu alguma coisa entre nós, ou eu inventei?”. O moço, que me conhecia bem, sorriu e respondeu que sim. Que tinha sido verdade, ao menos que ele soubesse aconteceram várias coisas entre nós, provavelmente eu não tinha inventado não... Eu agradeci, dei um riso nervoso e respirei aliviada em seguida. Nos despedimos, mas, antes de ir embora, foi a vez dele me chamar então, para mostrar a sua estranheza e perguntar: “Sério? Você achou mesmo que poderia ter inventado tudo aquilo?” Fiquei sem graça. Dei-me conta do absurdo que tinha sido essa minha questão e me apeguei à última chance que tinha de parecer normal, mentindo que não. Disse que tinha brincado, que claro que eu sabia que tinha acontecido, imagine. O rapaz riu pela última vez e foi embora, sumindo devagar entre uma pequena multidão, enquanto eu me refazia de uma verdade dolorosa, tão dolorosa que eu tinha tentado apagá-la.
Hoje, relembrando essa história, penso que muitas são as vezes em que confundo imaginação com realidade. Tenho essa, e outras histórias que preferiria não ter vivido de fato. São acontecimentos tão inacreditavelmente lindos e dolorosos, que parecem não ser muito verossímeis na vida real. Eu passo meses, talvez anos, fazendo muita força para torná-los ainda mais improváveis, para fazê-los uma história de faz-de-conta, uma história de bonecos, uma da carochinha ou qualquer coisa assim. Uma história que, não tendo acontecido, não tem obrigações. Não precisa ser tratada em terapia, não precisa ser desculpada, entendida, ou nem mesmo encerrada. É um filme como outros tantos, é a Meg Ryan, a Julia Roberts, ou qualquer uma delas. Um acontecimento distante não tem o direito de doer, não pode estar assim tão próximo, a ponto de me atingir.
Agora, com o recipiente para histórias a serem esquecidas já lotado, me pergunto se há mesmo essa escapatória..
Somos aquilo que vivemos e estamos aprisionados a cada palavra dita, a cada gesto que arriscamos, a cada escolha mal feita? Acho que sim. Podemos escolher de novo, tentar diferente, mas o que está feito está ali, e, ainda que você empurre bem pro fundo a roupa suja, um dia, numa livraria, ela te pega de calças curtas, te dá um bofetão talvez, mas te faz enxergar que, além de doídas e equivocadas, talvez essas bobagens todas que você fez, possam te tornar alguém melhor, mais forte e menos burro. Se você acreditar que elas podem mesmo, ter acontecido, claro.
Tínhamos vivido uma curta e tórrida história de amor, na qual eu tinha sofrido tanto, tanto, que me despedaçara em muitos pequenos cacos ao final de tudo aquilo. Talvez por isso eu tenha decidido fortemente que esqueceria esse homem e aquela história. Consegui. Demorou muito, mas ele passou e ficou na minha memória como alguns nuances, uns vultos, umas imagens esfumaçadas, esfareladas, nada de muito concreto.
Foi numa livraria, anos depois, que nos reencontramos atingidos pelo destino ou por uma incrível casualidade. Ficamos ali, naquela situação meio sem graça, de quanto tempo, como vai você, o que tem feito, tem visto fulano, sabe de sicrano, nossa, faz tempo mesmo né, e eu vim aqui hoje só pra trocar um livro, é eu tava procurando um, pois é, então tá, a gente se fala, bom te ver e, quando ele ia indo embora, nem sei bem o que me deu que o chamei pelo nome, uma última chamada, apenas pra fazer uma pergunta. Uma pergunta da qual dependeria a minha sanidade, já tão desafiada por aquele e outros amores incuráveis. O rapaz se virou, eu me aproximei e disse, simplesmente: “Eu inventei?”. Houve um instante de silêncio, ele não entendeu claro, e eu tentei me explicar: “Eu inventei tudo, ou aconteceu mesmo? Aconteceu alguma coisa entre nós, ou eu inventei?”. O moço, que me conhecia bem, sorriu e respondeu que sim. Que tinha sido verdade, ao menos que ele soubesse aconteceram várias coisas entre nós, provavelmente eu não tinha inventado não... Eu agradeci, dei um riso nervoso e respirei aliviada em seguida. Nos despedimos, mas, antes de ir embora, foi a vez dele me chamar então, para mostrar a sua estranheza e perguntar: “Sério? Você achou mesmo que poderia ter inventado tudo aquilo?” Fiquei sem graça. Dei-me conta do absurdo que tinha sido essa minha questão e me apeguei à última chance que tinha de parecer normal, mentindo que não. Disse que tinha brincado, que claro que eu sabia que tinha acontecido, imagine. O rapaz riu pela última vez e foi embora, sumindo devagar entre uma pequena multidão, enquanto eu me refazia de uma verdade dolorosa, tão dolorosa que eu tinha tentado apagá-la.
Hoje, relembrando essa história, penso que muitas são as vezes em que confundo imaginação com realidade. Tenho essa, e outras histórias que preferiria não ter vivido de fato. São acontecimentos tão inacreditavelmente lindos e dolorosos, que parecem não ser muito verossímeis na vida real. Eu passo meses, talvez anos, fazendo muita força para torná-los ainda mais improváveis, para fazê-los uma história de faz-de-conta, uma história de bonecos, uma da carochinha ou qualquer coisa assim. Uma história que, não tendo acontecido, não tem obrigações. Não precisa ser tratada em terapia, não precisa ser desculpada, entendida, ou nem mesmo encerrada. É um filme como outros tantos, é a Meg Ryan, a Julia Roberts, ou qualquer uma delas. Um acontecimento distante não tem o direito de doer, não pode estar assim tão próximo, a ponto de me atingir.
Agora, com o recipiente para histórias a serem esquecidas já lotado, me pergunto se há mesmo essa escapatória..
Somos aquilo que vivemos e estamos aprisionados a cada palavra dita, a cada gesto que arriscamos, a cada escolha mal feita? Acho que sim. Podemos escolher de novo, tentar diferente, mas o que está feito está ali, e, ainda que você empurre bem pro fundo a roupa suja, um dia, numa livraria, ela te pega de calças curtas, te dá um bofetão talvez, mas te faz enxergar que, além de doídas e equivocadas, talvez essas bobagens todas que você fez, possam te tornar alguém melhor, mais forte e menos burro. Se você acreditar que elas podem mesmo, ter acontecido, claro.
Thursday, September 25, 2008
Do que eu também não entendo
Eu era uma jovem solteira, talvez de 25 anos, quando aconteceu. Estávamos no shopping, 4 amigas sentadas no confortável sofá de uma joalheria. A vendedora mostrava brincos, colares, todos lindos, caros e irresistíveis. As amigas, meio tolas, começaram a se incentivar a cometer ali uma pequena loucura, que seria comprar um dos itens em mais prestações do que caberiam nas nossas vidas, e olha que éramos todas jovens.
Uma topou a outra também, uma decidira que não e a última, uma doce menina recém casada, estava titubeado. Quando insisti, dizendo que ela trabalhava tanto e, portanto, deveria ter direito a esse mimo, ela confessou, acanhada: “É que meu marido vai me matar se eu gastar esse dinheiro todo”. Eu tive um instante de choque. Indignei-me absurdamente e, se tivesse um palanque ali eu subiria e faria uma fogueira de sutiens: “Como assim, amiga? Teu marido vai achar ruim, tá louca?! É teu dinheiro, você rala a beça no seu trabalho, não tem que dar satisfação não, que que é isso mulé, ficou boba, foi??” eu ia discursando minhas palavras lindas e idealistas, quando uma outra, mais sensata, tentou me acalmar: “Mas calma, ela é que tem que saber como é com o marido dela...”. Eu calei-me, fiz a minha comprinha, e fui-me embora indignada. Saí de lá bufando. Onde é que já se viu, obedecer a marido, dar satisfação das próprias economias, minhas amiga só poderia ter perdido o juízo de vez, claro. Eu nunca, nunquinha na vida que iria me submeter dessa maneira, preferiria a morte a ter que dar satisfação de cada colarzinho que eu comprasse, imagine só que absurdo, etc, etc, etc...
Pois voou o tempo. Eu fiz 26, 27, nem me lembro dos 28, 29 e pronto, cheguei aos 30, casei-me e desci de vez do palanque, sem nem notar.
Foi ontem, no shopping, quando comprei dois sapatos e saí da loja apreensiva, pensando como iria me explicar ao meu marido, que me lembrei da antiga joalheria e da minha pobre amiga. Eu, a independente, a fodona, a dona do meu nariz, me tornara uma delas. Não sei quando foi. Não sei se foi no dia que ele reclamou do meu cartão, ou quando eu deixei de contribuir para a nossa poupança, ou se foi quando eu comentei, por cima, do meu cheque especial. Mas em algum momento no nosso casamento, eu dei a ele o direito de reclamar das minhas compras. Eu dei a ele, de bandeja, o direito de reclamar caso eu comprasse um colarzinho ou – pior – um sapato. É um fenômeno que eu não sei explicar bem. Talvez haja um mosquito, ainda desconhecido dos cientistas, que pica as mulheres casadas e causem essa reação. As mulheres passam a esconder as compras, mentir os gastos ou diminuí-los, em nome da boa convivência no lar. E eu faço isso. Faço porque escolhi compartilhar uma vida ao lado de alguém e isso implica em compartilhar dinheiro, economia e escolhas. É difícil dosá-las, é difícil estabelecer os limites. A gente tenta aqui, erra acolá, mas segue fazendo como pode, como sabe.
Ontem, quando estacionei o carro na garagem, escolhi deixar a sacola com meus sapatos novos lá mesmo, subi de mãos vazias e beijei meu amorzinho. Quando ele entrou no banho, no entanto, como uma adúltera que vai encontrar seu amante, desci correndo pra garagem, peguei a sacola nova, subi também correndo, entrei em casa de forma sorrateira e joguei no fundo do armário, sem deixar nenhum rastro do meu crime, meus novos e lindos escarpans. Errado ou certo, eu, como todas as outras, o fiz em nome da boa convivência no lar. Até porque, isso sim é artigo de luxo, raríssimo, valioso e necessário, para sermos simplesmente felizes. Ainda que tolos, felizes.
Uma topou a outra também, uma decidira que não e a última, uma doce menina recém casada, estava titubeado. Quando insisti, dizendo que ela trabalhava tanto e, portanto, deveria ter direito a esse mimo, ela confessou, acanhada: “É que meu marido vai me matar se eu gastar esse dinheiro todo”. Eu tive um instante de choque. Indignei-me absurdamente e, se tivesse um palanque ali eu subiria e faria uma fogueira de sutiens: “Como assim, amiga? Teu marido vai achar ruim, tá louca?! É teu dinheiro, você rala a beça no seu trabalho, não tem que dar satisfação não, que que é isso mulé, ficou boba, foi??” eu ia discursando minhas palavras lindas e idealistas, quando uma outra, mais sensata, tentou me acalmar: “Mas calma, ela é que tem que saber como é com o marido dela...”. Eu calei-me, fiz a minha comprinha, e fui-me embora indignada. Saí de lá bufando. Onde é que já se viu, obedecer a marido, dar satisfação das próprias economias, minhas amiga só poderia ter perdido o juízo de vez, claro. Eu nunca, nunquinha na vida que iria me submeter dessa maneira, preferiria a morte a ter que dar satisfação de cada colarzinho que eu comprasse, imagine só que absurdo, etc, etc, etc...
Pois voou o tempo. Eu fiz 26, 27, nem me lembro dos 28, 29 e pronto, cheguei aos 30, casei-me e desci de vez do palanque, sem nem notar.
Foi ontem, no shopping, quando comprei dois sapatos e saí da loja apreensiva, pensando como iria me explicar ao meu marido, que me lembrei da antiga joalheria e da minha pobre amiga. Eu, a independente, a fodona, a dona do meu nariz, me tornara uma delas. Não sei quando foi. Não sei se foi no dia que ele reclamou do meu cartão, ou quando eu deixei de contribuir para a nossa poupança, ou se foi quando eu comentei, por cima, do meu cheque especial. Mas em algum momento no nosso casamento, eu dei a ele o direito de reclamar das minhas compras. Eu dei a ele, de bandeja, o direito de reclamar caso eu comprasse um colarzinho ou – pior – um sapato. É um fenômeno que eu não sei explicar bem. Talvez haja um mosquito, ainda desconhecido dos cientistas, que pica as mulheres casadas e causem essa reação. As mulheres passam a esconder as compras, mentir os gastos ou diminuí-los, em nome da boa convivência no lar. E eu faço isso. Faço porque escolhi compartilhar uma vida ao lado de alguém e isso implica em compartilhar dinheiro, economia e escolhas. É difícil dosá-las, é difícil estabelecer os limites. A gente tenta aqui, erra acolá, mas segue fazendo como pode, como sabe.
Ontem, quando estacionei o carro na garagem, escolhi deixar a sacola com meus sapatos novos lá mesmo, subi de mãos vazias e beijei meu amorzinho. Quando ele entrou no banho, no entanto, como uma adúltera que vai encontrar seu amante, desci correndo pra garagem, peguei a sacola nova, subi também correndo, entrei em casa de forma sorrateira e joguei no fundo do armário, sem deixar nenhum rastro do meu crime, meus novos e lindos escarpans. Errado ou certo, eu, como todas as outras, o fiz em nome da boa convivência no lar. Até porque, isso sim é artigo de luxo, raríssimo, valioso e necessário, para sermos simplesmente felizes. Ainda que tolos, felizes.
Tuesday, September 23, 2008
Bichos da luz
Foi num inverno muito, muito rigoroso que morei fora do Brasil. Lá fazia um frio terrível e nevava o tempo todo. Eu morria de saudades de casa, mas entre tudo e todos, o que eu sentia uma falta desgraçada mesmo, era do calor. Morria de saudades de usar regata, havaiana, transpirar e ter que fazer um rabo de cavalo, essas coisas. As vezes, no meio daquela branquidão toda, eu fechava meus olhos com força e tentava me imaginar em casa, em São Paulo. Olhava para os postes de luz, da rua, e os imaginava cheios de mosquitinhos, aqueles bichinhos da luz.
Pra mim, o verão é a cara dos bichinhos da luz.
Talvez por isso, dia desses quando voltava pra casa e assisti a um poste lotado de bichinhos da luz, senti um calor delicioso dentro de mim. O verão está pra chegar. E, com ele, essa figura tão frágil e efêmera que são os mosquitos da luz. Dizem que eles vivem apenas algumas horas. Não sei se é verdade, mas parece que eles nascem, sobem nas lâmpadas e, lá, é o tempo de procriar com os seus e pronto, morrer em seguida. É uma figura tola a desse inseto, mas é uma figura muito esperta também.
Normalmente nós os odiamos. Quando eles escapam para dentro de casa, sempre alguém murmura qualquer coisa como xii, tá cheio de bichinho aqui. Alguém sugere apagar a luz e, assim, interrompemos precocemente a curta vida dos pobrezinhos. Mas, nunca adianta. São umas pragas os tontos. Basta apertarmos o interruptor trazendo a luz de volta e pronto. Lá estão eles numa suruba iluminada de novo e nós, mais uma vez, tentaremos acabar com a bagunça.
Talvez matemos os bichos no auge de suas núpcias, mas não tenho muita pena. A alegria que se dá em mim, por ver os dias aquecerem-se lentamente, não me permite nem sentir pena de acabar com alguém assim, bem no meio do amor.. Frágil e intenso amor o desses pobres. Poderiam dar-nos algumas aulas, certamente...
Friday, September 19, 2008
Das bobagens do cotidiano I
Na padaria, tomando café da manhã, ela chupa, pelo canudinho, o resto do suco de mamão do copo, e encontra uma surpresa:
- Olha amor, que interessante. Tem um pedaço de mamão intacto aqui. Um quadrado.
Ele, ainda sonolento, repara e balbucia:
- É mesmo.
- Como será que ele sobrou? Como todos os outros pedaços de mamão não escaparam à lâmina do liquidificador e, bem esse, conseguiu ficar intacto.
- Desviando da lâmina, ué. – Ele responde antes de morder o pão com manteiga.
- Que danado, né? Porque ele é um quadradão, olha! Impressionante ter desviado das lâminas!
- É.
- Deveria ir para as olimpíadas esse teco de mamão. É muito mais ágil que os outros. Ou para o circo de soleil, sei lá...
- Daqui aqui esse mamão – Ele tenta garfar o mamão sobrevivente do copo dela.
- Não!!!
- Hã? – ele pergunta sem entender nada.
- Não vai comer esse pedaço não! Coitado, o mamão teve tanto trabalho pra se desviar das lâminas, não vou deixar você acabar com ele assim...
- Ele olha pra ela, indignado, balança a cabeça, chama o garçom, e pede uma pratada de mamão. Todos cortados em cubos...
Wednesday, September 3, 2008
Mulheres e suas bagunças
Eu não quis parecer esnobe. E esse foi o meu problema.
Começou quando fui à podóloga. Ela insiste em não pintar o pé. Faz tudo e não pinta. Acho esquisitíssimo isso. Me lembra um pouco sabe o que né? Que faz tudo e não beija. Onde já se viu isso? Coisa mais estranha, enfia o alicate, tira a pele, sai pus, desinflama, lixa, tira a cutícula, desencrava uns nacos enormes de unha e, na hora de pintar, que seria simples, vem com essa: “Ahhh, pintar eu não pinto não...” Como se você estivesse pedindo pra amputar o seu pé. Tudo bem, obrigada, não há de ser nada, obrigada.
Daí, dia seguinte, fui aqui na manicure do trabalho e pedi se ela poderia só pintar o meu pé. Como eu nunca pedi pra fazer o pé lá, e sempre faço a mão, achei que soaria esnobe dizer que só faço com podóloga, mas ela, a Nete, serviria para pintar, e então menti. Menti dizendo que não faço o pé, só pinto mesmo, arrematei minha mentira inocente com um sorriso tranqüilo. Ah, mas pra que? Mentiras inocentes podem ser perigosíssimas... Ela disse que tudo bem, claro, mas enquanto puxava o carrinho com os esmaltes, começou um processo de me converter, que, vou te contar, nem os mais bravos evangélicos conhecem:
- Ah, mas porque você não faz o pé? Ficaria tão bom... – Ela começou de levinho.
- Mas tá ruim? Eu mesma dou um jeito nele, as vezes. - Menti na cara dura.
- Logo se vê viu?. Ta cheio de pele – Ela debochou do meu pé feito com podóloga por uma bagatela de 50 paus... Mantive a mentira:
- Não, não pode ser, eu empurro a cutícula, tiro a pele um pouquinho.
- Não tudo bem, mas se fizesse aqui, com a gente, ficaria mais bonito, imagine, um pé bonito como o seu.... E eu sou boa em fazer pé viu? Nossa, adoro!
- É mesmo, mas não gosta de fazer mão, não?
- Gosto, mas, olha, aqui tem uma pelinha – Ela pegou o pauzinho e começou a empurrar qualquer coisa que deveria ser a cutícula –
- Então, mas nem precisa empurrar cutícula não, viu? É só pintar. Também tô meio com pressa... - Tentei interrompê-la
- Não, mas só estou empurrando aqui um pouquinho, pra melhorar. Você vai ver, já dá outra cara...
- Sei... – Eu me ajeittei na cadeira, incomodada.
- Mas você nunca fez o pé, nunquinha?
- Não, eu já fiz, claro! Só que me machucaram, minha unha é meio difícil... – Arrisquei um pedaço de verdade, dizem que só a verdade liberta.
- Ahhhh, eu sabia. Tem manicure que, olha, traumatiza a cliente! Não sabe mexer, não mexe né? Eu mesma não cutuco... Faço sem mexer. Ainda mais quando a cliente diz que não quer, pronto, não quer não quer, né não?
- Ô. – Eu comecei a pensar em fugir...
- Só um minutinho, tá? - Ela saiu e, voltou, em segundos, toda faceira segurando um alicate, um sorriso bem discreto no canto da boca.
- Nete, onde é que você vai com esse alicate?
- Não, é só uma pelinha aqui. Tem uma pontinha, chega tá entrando na pele, precisa tirar viu? Senão vai é te machucar...
- Nete, é uma pele ou uma unha? Eu não gosto que mexa na unha, sabe, eu queria mesmo que só pintasse – Eu estava decidida a fugir... Mas precisaria levar os sapatos na mão enquanto corresse...
- Não, vou te explicar, olha – ela dizia enquanto mirava o alicate pro meu dedão, ajeitando os óculos – É uma pelinha. Só um tequinho aqui...Mais um pouquinho, olha lá, aqui... Nossa, mas tem pele hein? - Eu estava me irritando e respondi, ríspida:
- Nete, eu sou inteira de pele. Sou feita de pelinha, meu corpo é todo revestido de pele, vamos deixar as peles aí vai, somos mesmo assim cheeeeeios de pele, os humanos são feitos disso, é normal....
- Tá bom, tá bom. Acabei já. – Ela largou o alicate emburrada e voltou ao pauzinho, mas agora, estava com raiva, empurrava a cutícula imaginária com força, machucando meu pé phyyyno de podóloga. Eu estava tão arrependida que achei até bonita a unha sem esmalte.
- Olha Nete, acho que vou marcar outra hora e volto com calma, é que tenho uma reunião agora... Acabei de lembrar. – Arrisquei uma saída, mas Nete sequer me respondeu. Ela estava obcecada em tirar qualquer pele do meu pé e furiosa por não poder usar a sua arma. Resolvi me calar, segurar firme no braço da poltrona em que eu me encontrava, já prostrada, refém daquela mulher, ela poderia pedir que eu latisse, que eu chorasse, ou que eu fingisse de morta, tanto faz. Eu estava com tanto medo da manicure, que tinha me tornado sua escrava. E então, assim, fui torturada por uns 15 minutos, ali, na mão da Nete. Quando ela terminou, respirou fundo e eu levantei rápido, notei que minhas mãos estavam suando e disse apenas:
- Nete querida, obrigada, a mão vai ficar pra outro dia viu? – ela me olhou, sorridente, e respondeu:
- Claro meu bem, daí fazemos o pezinho inteiro também.
Juro que vi uma faísca nos olhos dela, quando acelerei com o que sobrara de meus pés, para longe dali.
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